Precisamos falar sobre clima escolar
Garantir um bom ambiente depende de identificar os problemas e pensar coletivamente em medidas para solucioná-los
POR: Paula PeresPessoas que já estiveram em uma relação de qualquer ordem – amorosa, de amizade, familiar ou de trabalho – sabem que o momento de conversar sobre tudo o que pode melhorar é inevitável. Na escola, isso não seria diferente.
O convívio entre alunos, entre professores, a infraestrutura e o quão democrática é a institução são dimensões que afetam diretamente o clima escolar e, por consequência, a aprendizagem (conheça todas as dimensões abaixo).
Mas como discutir a relação em uma instituição tão complexa e cheia de atores? Pesquisadores do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem) desenvolveram um instrumento para avaliar como estão as questões de convivência. O questionário deve ser respondido pelos alunos, professores e gestores. “É importante a diferença de percepções que acontece entre os grupos”, indica Adriana Ramos, do Gepem. A análise das respostas pode ser feita com base na tabulação dos dados em planilhas. “Algumas redes têm em sua própria equipe técnica profissionais que podem ajudar”, lembra Telma Vinha, coordenadora do trabalho e colunista de GESTÃO ESCOLAR.
Durante os quatro últimos anos, a avaliação foi aplicada em cerca de 40 escolas no estado de São Paulo. Foi o caso da EMEF Violeta Doria Lins, na periferia de Campinas, que fez o levantamento duas vezes desde 2014. A diretora Maria Teresa Baldo Faria conta que os primeiros resultados foram positivos até demais, o que causou estranhamento. “A própria escola desconhecia o conceito de bullying, por isso ninguém sabia apontar que as agressões aconteciam”, conta.
Depois de um trabalho de formação com professores e alunos, na segunda aplicação da pesquisa, no ano seguinte, as provocações começaram a surgir como um ponto a ser trabalhado. Para lidar com o problema, a instituição mobilizou a equipe, as famílias e os alunos para encontrar maneiras de reduzir a quantidade de intimidações. “O foco deve ser a melhoria das relações em busca de uma aprendizagem efetiva”, diz Ana Cristina Prado de Oliveira, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).
As ações acontecem desde 2015 e têm dado resultados. A gestora diz sentir diferença no número de ocorrências de agressões e também na postura dos alunos. “Tínhamos uma turma problemática em 2017 que foi elogiada pela aplicadora de uma avaliação externa por ter cumprido com respeito todas as etapas do processo, que costuma ser estressante. Nós vimos como um sinal de que o trabalho está surtindo efeito”, diz Maria Teresa.
Conheça, abaixo, como as ações desenvolvidas pela escola trabalharam algumas dimensões e sugestões do que você pode fazer na sua para melhorar o clima.
O que afeta o clima escolar?
Conheça as 8 dimensões que podem afetar a maneira como alunos, pais e funcionários se sentem dentro da instituição
1) As relações com o ensino e com a aprendizagem
O QUE É A escola deveria ser um lugar comprometido com o conhecimento, onde a aprendizagem acontece com equidade. A primeira dimensão trata de verificar se, de fato, isso está acontecendo nas avaliações, se as aulas são de qualidade, com diferentes estratégias de ensino e se todos
compartilham da crença de que os alunos terão êxito no Ensino Superior.
COMO RESOLVER Se os alunos estão desinteressados, que tal organizar um grupo de trabalho com estudantes e professores para pensar em diferentes estratégias de aula? Também vale preparar os estudantes para avaliações externas e vestibulares e apresentar opções de profissão aos alunos do Ensino Médio.
2) As relações sociais e os conflitos na escola
O QUE É São as relações, os conflitos e a qualidade do tratamento que ocorre entre os professores, funcionários, gestores e alunos. A boa qualidade do convívio entre todos é resultado do que acontece nessa dimensão, promovendo um sentimento de pertencimento com relação à escola.
COMO RESOLVER Debater abertamente o motivo de conflitos entre os próprios professores. Se um ambiente escolar deve ser de cooperação, por que a sensação de que seus pares são inimigos? Os conflitos com os alunos podem ser solucionados com a ajuda de dados sobre outras dimensões, como a relação com a aprendizagem, as regras e sanções.
3) As regras, as sanções e a segurança na escola
O QUE É A maneira como os membros da escola intervêm nos conflitos interpessoais. Está relacionada à elaboração e aplicação de regras, sanções e punições, e ao sentimento de justiça compartilhado por todos.
COMO RESOLVER Os alunos da EMEF Violeta achavam que as regras e punições da escola eram injustas. Parte das ações para diminuir o número de conflitos foi justamente dar o poder de resolução aos próprios alunos, por meio dos grupos de apoio. Assim, eles chegavam juntos a soluções adequadas para os dois lados.
4) As situações de intimidação entre alunos
O QUE É Envolve somente os alunos e trata de visibilizar as ocorrências de maus-tratos, intimidação e bullying e tambéms os lugares onde isso acontece.
COMO RESOLVER A EMEF Violeta diminuiu as ocorrências de agressões verbais e físicas entre alunos tirando o foco da resolução dos problemas da punição para o diálogo. Eles criaram grupos de apoio, pediram a colaboração dos professores como mediadores e estabeleceram reuniões com os pais. Para turmas mais novas, vale usar histórias – reais ou não – para refletir sobre egoísmo, diferenças e o convívio com colegas.
5) A família, a escola e a comunidade
O QUE É A qualidade das relações entre a escola, as famílias e a comunidade do entorno, compreendendo o respeito, a confiança e o apoio entre esses grupos.
COMO RESOLVER Alguns pais dos alunos da EMEF Violeta se envolviam de maneira negativa nos conflitos dos filhos, incitando-os a arrumarem confusão, baterem de volta ou provocando as crianças na saída da escola. A solução encontrada foi conversar individualmente com todos os pais para mostrar que a escola estava buscando resolver os conflitos com base no diálogo a partir daquele momento, e inclusive chamando as famílias envolvidas em alguma briga para conversarem e se acertarem, com mediação da equipe escolar.
6) A infraestrutura e a rede física da escola
O QUE É A qualidade da infraestrutura e do espaço físico da escola, seu uso, adequação e cuidado. Como os espaços, materiais e equipamentos estão organizados para favorecer a acolhida, o livre acesso, a segurança e o bem-estar dos alunos.
COMO RESOLVER Os alunos têm a sensação de que falta papel higiênico no banheiro? Tente, junto com os funcionários, repor o material mais vezes. Há espaços em que o acesso dos alunos não é permitido? Conversem sobre os motivos dessa proibição e pensem coletivamente em soluções. Os estudantes podem se comprometer a preservar os livros da sala de leitura e, em troca, a gestão autoriza
sua entrada no intervalo, por exemplo.
7) As relações com o trabalho
O QUE É A maneira como professores e gestores se sentem com relação ao ambiente de trabalho e à escola: se acham que são valorizados, se estão satisfeitos e motivados, como enxergam sua formação e qualificação profissional.
COMO RESOLVER É necessário separar a insatisfação com a carreira docente da insatisfação com o trabalho naquela instituição de ensino específica. Os professores sentem falta de devolutivas sobre seu trabalho? Organize reuniões mensais, individuais, para avaliar os pontos positivos e em desenvolvimento de cada profissional. O clima de competição entre colegas deve ser evitado, todos devem buscar juntos o aprendizado dos alunos. No caso dos gestores, compartilhar responsabilidades com os demais membros da equipe evita deixar uma pessoa sobrecarregada.
8) A gestão e a participação
O QUE É Como a equipe gestora é vista: autoritária ou democrática? Consegue identificar e atender às necessidades da escola? A comunidade escolar foi envolvida na elaboração do projeto político-pedagógico? Inclui também a organização de espaços colaborativos na escola para desenvolver projetos ou solucionar problemas.
COMO RESOLVER Inserindo a comunidade nos espaços de decisão, como o conselho escolar, e distribuindo melhor as tarefas. Na EMEF Violeta, a direção deixou de ser responsável pela resolução e punição de todos os conflitos e teve mais tempo disponível para pensar em outros processos.