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Nem tudo vai acabar em número

Enfrentar questões que não precisam de contas para ser respondidas ajuda a aprender analisar o enunciado e argumentar

POR:
Beatriz Vichessi

Ilustração: João Montanaro

Tente resolver a questão: “Em um barco há 15 cabras e 26 ovelhas. Qual é a idade do capitão?”. Provavelmente, você não deve ter demorado para notar que as informações são insuficientes para se chegar a uma resposta numérica. Um problema semelhante a esse ganhou as redes sociais há pouco tempo. Um professor chinês o colocou em uma prova para alunos de 11 anos. Além de fazer piadas, muitos ficaram revoltados com a pergunta. Que ousadia apresenta uma pergunta sem resposta!

Apesar da repercussão recente, o desafio do capitão é um velho conhecido dos estudiosos do ensino da Matemática. Ele foi apresentado a um grupo de crianças em 1979 por pesquisadores da Universidade Joseph Fourier, na França. Apesar de acharem o problema absurdo, a maior parte dos estudantes deu como resposta 41 anos (a soma do número de animais). “Por que responderam?”, questionaram os pesquisadores. “Porque a professora perguntou”, disseram eles.

Você sabe como funciona. É comum que as crianças, ao encarar um problema, rapidamente procurem os números e se perguntem: “É para fazer conta de mais ou de menos?”. Esse comportamento ajuda a entender como relações entre professores e alunos podem influenciar a maneira como a turma resolve as atividades. Segundo o francês Yves Chevallard, estudioso da didática da matemática, isso acontece porque os estudantes desenvolvem algumas concepções sobre como os adultos esperam que eles se comportem e pensem. A primeira é a de que sempre há uma resposta para um problema matemático e o professor a conhece. Por isso, é preciso dar uma resposta, mesmo que ela tenha de ser corrigida depois. Os alunos também acreditam que para resolver um problema é preciso achar os dados no enunciado e que nele constam todas as informações necessárias para encontrar a solução. Além disso, creem que devem efetuar uma operação para chegar ao resultado e que certas palavras-chave contidas no texto permitem adivinhar qual é ele.

Questões que fogem do comum

Ilustração: João Montanaro

PROBLEMAS PARA ARGUMENTAR Desafios matemáticos com diferentes possibilidades de solução, com dados a mais ou insuficiente (portanto, não possuem solução numérica), ajudam a desenvolver a capacidade argumentativa dos estudantes. Após deixar que eles pensem sobre a solução, convide a turma a compartilhar o que cada um pensou, as respostas encontradas e as estratégias utilizadas para tal. Permita a todos questionar o enunciado.

Todos esses comportamentos acontecem porque a escola tem a tendência de sempre apresentar questões de uma só natureza: com solução numérica. “Não faz sentido trabalhar de forma mecanizada, exigindo da turma fazer contas e só. Todos precisam aprender a analisar os números e o contexto, serem desafiados a pensar, não somente fazer”, diz Maria Clara Galvão, coordenadora do Ateliê Escola Acaia e formadora do Centro de Formação da Escola da Vila, ambos em São Paulo.

Uma das maneiras de desenvolver na classe outras habilidades é apresentar problemas não convencionais. São aqueles que têm mais de uma resposta possível, não têm solução numérica pois não apresentam dados suficientes ou podem ser resolvidos de mais de uma forma. “É importante propor atividades que quebrem o contrato vigente. Os alunos aprendem que nem sempre terão de dar uma resposta numérica e que é aceitável (e possível) responder que há alguns com dados irrelevantes no enunciado”, diz Saddo Ag Almouloud, vice-coordenador do programa de Educação Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). De acordo com Selene Coletti, formadora da rede de Itatiba, no interior de São Paulo, ao encará-los, os estudantes são desestabilizados. É exigido deles compreender a tarefa, controlar o que vai acontecendo durante a resolução e analisar a validade da resposta. “Aprendem a ler, reler e analisar se os dados fornecidos ajudam a encontrar a solução”, explica.

Mas apresentar questões sem solução como pegadinha, jamais. “Devemos planejar o trabalho, reunir a turma para analisar as soluções encontradas, contrapor os jeitos de pensar, questionar as respostas e estimular a argumentação”, diz Andréia Silva Brito, professora de Matemática da EEEFM Drumond de Andrade, em Presidente Médici, no interior de Rondônia. “É da natureza do fazer matemático questionar, errar e afirmar que certas coisas são impossíveis”, diz.


NA BNCC

Enfrentar situações-problema em múltiplos contextos, incluindo-se situações imaginadas, não diretamente relacionadas com o aspecto prático- -utilitário, expressar suas respostas e sintetizar conclusões, utilizando diferentes registros e linguagens (gráficos, tabelas, esquemas, além de texto escrito na língua materna e outras
linguagens para descrever algoritmos, como fluxogramas, e dados). Competência da área de Matemática