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Cuidado com a fábrica de mentiras

As redes sociais ampliaram o alcance da desinformação. Prepare os alunos para não caírem nas notícias falsas que circulam na internet

POR:
Paula Salas

TIPOS DE FAKE NEWS
Segundo o First Draft, projeto da Universidade Harvard, nos EUA, existem sete tipos de notícias falsas

Ilustração: Alexandre Affonso

1 SÁTIRA OU PARÓDIA: Sem o objetivo de enganar, são piadas que imitam o jeito de uma forma de notícia.

2 CONTEÚDO FABRICADO: Conteúdo 100% falso, feito com o objetivo de enganar o leitor.

"Nasceu o diabo em São Paulo.” Ao ler essa manchete rapidamente, você acreditaria nela? E se a visse na primeira página de um jornal impresso? No dia 11 de maio de 1975, essa frase apareceu em destaque no extinto Notícias Populares. A edição esgotou nas bancas e outras reportagens sobre o tema foram feitas. Não se falava em outra coisa na cidade, até que o caso foi desvendado: uma pequena anomalia em um bebê nascido na região metropolitana paulista fez surgir o boato, que cresceu até chegar à capa do jornal. Até pouco tempo, esse era o mais famoso caso de notícia falsa que se espalhou Brasil afora. Apesar disso, recentemente, a concorrência se acirrou: com a popularização de redes sociais, a produção e a divulgação de mentiras foram intensificadas.

O termo fake news (em português, notícias falsas) é usado para descrever esse fenômeno. Um caso emblemático aconteceu depois da morte da vereadora carioca Marielle Franco, em março deste ano. Circulou pelo WhatsApp que ela havia sido casada com um traficante, engravidado aos 16 anos e se elegido com a ajuda do crime organizado. Até autoridades reproduziram as informações, que foram desmentidas pelos jornalistas da agência Aos Fatos, que investiga a veracidade de boatos e declarações oficiais.

Para ajudar a combater a desinformação, cada vez mais especialistas propõem que seja feita uma nova abordagem no trabalho com textos jornalísticos em sala de aula. Trata-se do letramento midiático, conjunto de habilidades que envolve acessar, analisar, avaliar e criar conteúdos na internet.

Aulas contra a desinformação

Ilustração: Alexandre Affonso

3 CONTEÚDO MANIPULADO: Quando imagens ou notícias são alteradas para passar mensagem diferente da original.

4 CONTEÚDO IMPOSTOR: Atribui dados falsos a uma fonte conhecida. Acontece quando são citados estudos ou pesquisas que não existem.

5 CONTEXTO FALSO: Imagens ou falas retiradas do contexto em que foram produzidas.

6 CONTEÚDO ENGANOSO: Quando dados reais são usados para levar a uma conclusão inadequada.

7 CONEXÃO FALSA: Quando fotos, títulos ou legendas não estão de acordo com o conteúdo do texto (que pode até não conter erros).

O primeiro passo para abordar o tema fake news é apresentar as notícias para a turma. Há diversos tipos de textos dessa natureza (leia o quadro à direita). Segundo a organização First Draft, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, há também diferentes motivos por trás da criação deles: por vezes, ocorre de maneira não intencional (quando um jornalista comete um erro, por exemplo) ou em sites de humor (veja uma manchete do site sensacionalista.com.br: “Brasileiro vira vegano para não precisar enfrentar fila da carne no supermercado”). No entanto, há um grande grupo de materiais produzidos para confundir o leitor e influenciar o debate público. No caso Marielle, as informações foram fabricadas para comprometer a imagem dela. Mas há outros casos, como o de uma foto do lixo acumulado durante a edição de 2013 do festival Rock in Rio. Em 2017, a foto foi divulgada como sendo daquele ano, com o objetivo de denunciar a hipocrisia do festival, onde ocorreram diversas manifestações em defesa do meio ambiente e da Amazônia.

É interessante apresentar exemplos de textos informativos e opinativos e pedir que os estudantes observem as diferenças entre eles. “A chave está em conversar com a turma a respeito do que caracteriza informação e opinião e abordar também o poder argumentativo que as informações têm”, explica Claudio Bazzoni, coordenador pedagógico no Colégio Santa Cruz, em São Paulo. Ao se deparar com conteúdos opinativos, é importante observar o autor e pesquisar a biografia dele (às vezes disponível no próprio site em que o conteúdo foi publicado) e se perguntar sobre os argumentos de escritores que discordem dele. Com uma pesquisa mais refinada, é possível ainda conhecer mais sobre o tema do texto.

PARA ENGANAR MAIS
Eles são hábeis em criar e em espalhar informações falsas. Grupos políticos ou de jovens que estão por trás das fake news também utilizam estratégias nas redes para espalhar os conteúdos que produzem

Ilustração: Alexandre Affonso

1 Perfis falsos: Criadores de notícias errôneas fazem perfis parecidos aos de pessoas reais para compartilhar as informações.

1 Bots: Robôs que são, na verdade, programas de computador criados para repetir mensagens e publicar informações falsas.

3 Até viralizar: O conteúdo falso é publicado nas redes sociais e replicado pelos robôs. O objetivo é fazer com que ele apareça nas páginas de pessoas reais e que elas o compartilhem. Por vezes, grupos políticos se aproveitam e reforçam o coro da desinformação.

Checar, checar, checar

Na última Pesquisa Brasileira de Mídia em 2016 (disponível em bit.ly/Pesquisa-Midia), a maioria dos entrevistados revelou uma desconfiança grande em relação a canais de comunicação: apenas 20% dizem confiar em sites de notícias. Em blogs, 11% e, em redes sociais, 14%. A suspeita apareceu com a onda das notícias falsas, mas organizações de imprensa têm surgido para combater a desconfiança. Entre elas, agências de checagem, que se ocupam de confirmar se informações que circulam nas redes são verdadeiras – sobretudo aquelas usadas por políticos em discursos. Tais agências lançam mão de técnicas para identificar e combater boatos. Parte de sua estratégia de trabalho pode ser abordada nas escolas para que os alunos aprendam a observar sinais de que um conteúdo não é confiável. “Dessa forma, é possível contribuir para que a turma seja empoderada pela tecnologia e faça uso dela com responsabilidade”, diz Valdenice Minatel, coordenadora geral de tecnologia do Colégio Dante Alighieri, em São Paulo.

Especialistas alertam que os textos enganosos, muitas vezes, tentam imitar ou simular aqueles produzidos em sites confiáveis. A recomendação é ficar de olho em detalhes. “A verdade está baseada em fatos, enquanto as mentiras na mídia estão cheias de emoções”, explica Cristina Tardáguila, diretora da Agência Lupa. O autor nem sempre está evidente, a aparência do site lembra a de algum veículo renomado da imprensa e o texto aparece cheio de adjetivos. Esses já são sinais de alerta de que você está encarando um conteúdo fabricado (leia sobre outros elementos de notícias falsas no quadro abaixo).

Conhecer estratégias de checagem permite aos alunos verificar rapidamente a veracidade daquilo que leem, mas isso não basta. Além de reconhecer uma mentira, é necessário ter ciência dos problemas de passar uma notícia falsa adiante. “A maioria dos estudantes pode até saber diferenciar fake news de notícias reais, mas o que chama a atenção é que, mesmo sabendo que uma informação é falsa, eles as compartilham”, diz Paulo Fontes, assessor de tecnologia educacional do Colégio Albert Sabin, em São Paulo, onde existe um trabalho com esse conteúdo. A melhor forma de combater o crescimento de boatos é não se apressar para compartilhar algo na internet.

Por fim, essas habilidades não devem se restringir aos alunos. Isso significa que você, professora ou professor, também precisa estar ligado para não divulgar mentiras. Para ajudar a combater as fake news na Educação, NOVA ESCOLA realizará checagens e investigações sobre Educação ao longo de 2018. “É comum que políticos de diferentes escalões distorçam dados e pautas educacionais para divulgar dados que os favoreçam. Eles espalham informações imprecisas ou fora de contexto”, afirma Tai Nalon, diretora da Agência Aos Fatos, que realizará as checagens da iniciativa. O projeto é correalizado pelo Instituto Unibanco e apoiado pelo Instituto Alana. Acesse novaescola.org.br/checagens para conhecer esses conteúdos e espalhar apenas a verdade.

CHEQUE AQUILO QUE LÊ: Não é preciso ser jornalista ou ter conhecimentos profundos de técnicas de checagem para verificar se as informações de uma notícia são confiáveis.

Ilustração: Alexandre Affonso

1 Qual a URL do site? Você conhece?
Alguns sites de fake news usam endereços parecidos com o de grandes sites e jornais, mas mudam detalhes. Fique atento à grafia e terminação do link. Como boa parte dos sites está registrada fora do Brasil, o endereço não termina com “.br”.

2 Qual é a data da publicação? 
Informações antigas podem ser republicadas em lugar de destaque, de maneira a enganar os leitores, passando a ideia de que o fato é recente.

3 Quem assinou?
É comum que fake news não tenham a identificação do autor. Mas se o nome estiver publicado, verifique se é uma pessoa conhecida ou se ela já escreveu outros textos e se eles são verdadeiros.

4 Saiu em outro veículo?
Se possível, faça uma pesquisa rápida e verifique se a notícia também foi divulgada em um meio de comunicação conhecido e com credibilidade.

5 As legendas têm a ver com as fotos? Há algo de estranho nelas?
Se as cores ou os cortes da imagem parecem estranhos, ou a descrição não corresponde à imagem, você pode estar diante de uma montagem.

6 O site tem formatação estranha? Muitas propagandas? Outras janelas se abrem automaticamente durante a leitura?
Desconfie. Veículos sérios se preocupam com o aspecto visual.


Na BNCC

Analisar o fenômeno da disseminação de notícias falsas nas redes sociais e desenvolver estratégias para reconhecê-las, a partir da verificação/avaliação do veículo, fonte, data e local da publicação, autoria, URL, da análise da formatação, da comparação de diferentes fontes, da consulta a sites de curadoria que atestam a fidedignidade do relato dos fatos e denunciam boatos etc. Habilidade EF09LP01