O que uma série pode ensinar às escolas sobre bullying e suicídio
Os novos episódios de "13 reasons why" incentivam a discussão do que cabe à escola nessas situações e a importância da conscientização de temas sensíveis
POR: Paula Salas
Para quem chegou na conversa agora, 13 reasons why (Os 13 porquês, em português) é uma série baseada no livro homônimo do autor Jay Asher. Produzida pela Netflix, a trama tem início com o suicídio da adolescente Hannah Baker (Katherine Langford), após ser vítima de bullying na escola. A jovem sofreu abusos físicos e psicológicos, foi exposta nas redes sociais e julgada diariamente. Sem o amparo dos adultos na escola - e também fora dela -, decide “acabar com isso”. Para ter mais detalhes, você pode ver a resenha sobre a primeira temporada: Bullying, suicídio e omissão na escola.
A estudante do Ensino Médio deixa como legado fitas contando sua história, os motivos que a levaram a tirar sua própria vida e indica as pessoas que tiveram alguma participação nessa decisão. Na primeira temporada, acompanhamos a saga de Clay Jensen (Dylan Minnette), um dos amigos mais próximos de Hannah, que se propõe a ouvir todas as fitas, enquanto toda a escola e a comunidade lidam com o luto da morte precoce.
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A segunda temporada, lançada na última sexta-feira (18) começa cinco meses após o final da primeira parte: um dia antes do início do julgamento movido pelos pais de Hannah contra a escola, acusada de negligência.
Durante os episódios, assistimos às declarações dos estudantes e profissionais da escola acusados de participação no suicídio de Hannah. Fica claro que a história é mais complexa do que contavam as fitas deixadas pela menina. Em paralelo ao julgamento, alguém começa a ameaçar os envolvidos para impedir que a verdade seja contada.
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Uma série com temas importantes
Quando a primeira temporada foi lançada surgiu uma polêmica na internet: alguns questionavam se as cenas explícitas seriam adequadas para adolescentes, enquanto outras ressaltavam a oportunidade de discutir temas sensíveis como bullying, suicídio e abuso sexual. Após a estreia do seriado, o Centro de Valorização da Vida (CVV) divulgou o aumento de 455% no número de e-mails recebidos. Destes, a maioria era de jovens que declararam ter se identificado com a história da Hannah.
A necessidade de discutir mais abertamente temas como bullying e suicídio já vinha de algum tempo. Em 2016, antes do lançamento da série, a Organização das Nações Unidas (ONU) fez um levantamento com 100 mil crianças e jovens de 18 países que evidencia a frequência do problema: no Brasil, 43% dos entrevistados revelaram ter sofrido bullying.
Este assunto ainda permeia a série em sua segunda temporada, que começa inclusive com o desdobramento de uma tentativa de suicídio de outro aluno da turma de Hannah, que resulta em resquícios físicos, emocionais e sociais.
Outro tema que segue firme ao longo dos episódios é a maneira com que meninas são vistas na escola. Diariamente, as adolescentes são julgadas pela roupa que vestem, com quem se envolvem e se relacionam sexualmente - em diferentes ambientes e situações -, bem como trata da importância do consentimento e do abuso de drogas e álcool.
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E a escola nisso tudo?
Alguns personagens do cotidiano da escola são apontados como plateia omissa nas situações de bullying que Hannah enfrenta em seu cotidiano. Como, por exemplo, o diretor ausente e o treinador que acoberta os crimes de seus atletas. A maior representação da equipe escolar é concentrada em Kevin Porter (Derek Luke), orientador pedagógico que não tomou uma atitude quando a adolescente o procurou para relatar seus problemas.
Durante o último encontro, ela fala sobre sua necessidade de que tudo pare, inclusive, a vida. A adolescente conta ter sofrido abuso por parte de um colega da escola e Porter a questiona se teria sido realmente abuso ou se ela teria vindo confessar arrependimento por ter consentido. A conversa segue até que ele diz que, às vezes, a única alternativa é seguir em frente. Perturbada e sem nenhum plano de ação ou perspectiva de melhora, ela deixa a sala.
Hannah não expressa diretamente o que se passava em sua mente, mas a série ajuda a mostrar algo que já sabemos: é difícil que os adolescentes consigam contar aos adultos - mesmo aqueles que vivem no mesmo ambiente e nos quais confiam - o que estão vivendo, seja por medo de não serem entendidos, julgamentos ou represálias. Para os gestores, o importante é ficar atento aos sinais e estarem abertos a conversas, sempre que os jovens demonstrarem vontade em falar com eles.
Nos novos episódios, o orientador coloca como seu maior erro ter deixado Hannah ir embora. Ele se culpa por não ter feito mais pela garota e, por isso, tenta (nem sempre da melhor forma) mudar a realidade da escola. Entre suas ações, ele busca maior aproximação com os alunos e sua realidade, campanhas de conscientização e criação de encontros entre alunos selecionados para falar sobre esses assuntos sensíveis.
Um questionamento circula a série e tem impacto nas escolas que têm registro de casos de bullying: de quem é a culpa? Cabe apenas à escola perceber os sinais? A resposta talvez seja mais complexa do que apontar o dedo e fazer malabarismos com papeis totalmente delineados entre escola, amigos e família. A certeza é que o estímulo à discussão e conscientização sobre o problema são mais do que necessários, sempre.
Além das telas
Embora “13 Reasons Why” tenha sido muito consumido pelo público adolescente, a abertura da temporada traz um alerta que deixa o clima da ficção e vem dos próprios atores: ela pode não ser indicada para todos. Por conta do tema delicado, eles ressaltam a importância de, quando necessário, conversar com adultos de confiança.
A série também se preocupa em apontar outros caminhos seguros para os jovens. O site 13 reasons why disponibiliza contatos de entidades para pedir ajuda ou ter maiores orientações para diferentes países. No caso do Brasil, os jovens encontram o Centro de Valorização da Vida (CVV) e o SaferNet, plataforma dedicada a manter uma internet segura para todos. Este último apresenta dados que mostram o crescimento do número de atendimentos nos últimos anos. Respeitando o anonimato, a SaferNet aponta os principais motivos que levam alguém a pedir ajuda, divididos por estados. Em 2017, por exemplo, quem mais contatou o site foram mulheres por situações que aconteceram fora da internet.
Na área de recursos, o site da série disponibiliza um guia, traduzido para o português, que auxilia a conduzir as discussões sobre a série e que traz esclarecimentos sobre assuntos como depressão, cutting e violência sexual. Para quem preferir um material audiovisual, também há vídeos (legendados em português), sobre a importância do consentimento nas relações sexuais, como conversar sobre abuso de drogas e álcool, entre outros temas que permeiam a vida dos adolescentes.
Mas, afinal, a 2ª temporada vale a pena?
A série "13 reasons why" continua com conteúdos fortes, mas fica clara a preocupação da produção em pregar responsabilidade, anunciando logo no início de cada episódio se há cenas que poderiam representar um "gatilho" para desenvolver certas atitudes em algumas pessoas.
O programa acerta ao evidenciar que as pessoas e as situações vivenciadas são mais complexas do que à primeira vista. Todos os personagens têm seus próprios conflitos e, como na vida real, cometem erros, mas a maioria aceita suas falhas e se conscientiza do peso que ações, gestos ou palavras podem ter em outra pessoa e em suas vidas.
O impacto que a primeira temporada teve na vida dos jovens foi investigado pela Universidade Northwestern, em Illinois, nos Estados Unidos. Um estudo feito a partir de uma pesquisa com 5 mil pais, jovens e adolescentes de cinco países, dentre eles o Brasil, apontou que mais de dois terços dos jovens que assistiram "13 reasons why" se identificaram com a série. Destes, 58% dos participantes disseram ter se sentido mais confortáveis para falar com os pais sobre o assunto, depois de ver a série. A maior parte dos adolescentes declarou que a produção os ajudou a se sensibilizar com o assunto, identificar os possíveis sinais de abusos e pesquisar a respeito. E 90% declararam ter refletido sobre o impacto de suas próprias atitudes nas outras pessoas.
Mesmo com a limitação de ser baseada em uma obra de ficção, a série conseguiu criar um nível alto de engajamento e empatia nos espectadores. Refletidos naquela pequena comunidade, fica claro que nós ainda precisamos aprender a lidar uns com os outros para prevenir que abusos continuem existindo nas escolas. Temos muito a melhorar e por que não iniciar uma discussão importantíssima com algo próximo da realidade do aluno como uma série?
Para saber mais, acesse nossos conteúdos sobre bullying aqui.
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