Gastar mais melhora a educação?
Gasto com aluno no Brasil ainda é bem menor do que nos países que ocupam as primeiras posições no Pisa. No entanto, de 2000 para 2015, o gasto triplicou, mas desempenho não melhorou no mesmo ritmo
POR: Luiz Guilherme ScorzafaveUm dos mais acalorados debates na Educação diz respeito à pergunta que é título dessa coluna. Infelizmente, a resposta não é tão óbvia ou simplista como possa parecer. Diante de escolas com péssima infraestrutura e falta de condições básicas de funcionamento, faz todo o sentido supor que a injeção de mais recursos permitiria melhores condições de funcionamento, levando (por algum mecanismo que em geral as pessoas não deixam muito claro) a uma melhoria do aprendizado dos alunos.
Quando analisamos a evolução dos gastos educacionais no Brasil com os níveis fundamental e médio nos últimos 15 anos, o valor gasto por aluno triplicou (já descontada a inflação), passando de R$2.000 por aluno ao ano, em 2000, para R$6.000 por aluno ao ano, em 2015. No mesmo período, o desempenho dos estudantes medido pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) mostrou melhoria nos anos iniciais do fundamental, quase nenhuma melhoria nos anos finais e completa estagnação no ensino médio.
Diante de um panorama em que os gastos triplicaram, seria de se esperar uma melhora mais expressiva nos indicadores de aprendizado dos alunos. Por que essa melhoria não ocorreu? Alguns pesquisadores apontam que, apesar do crescimento no gasto por aluno, ele ainda é muito baixo. Se medido em dólares, gastamos muito menos que diversos países que ocupam as primeiras posições no ranking do Pisa (sigla em inglês do exame Programme for International Student Assessment). Portanto, a solução seria aumentar os gastos para se chegar a patamar (em dólares) semelhante ao desses países. Essa é a solução “fácil” para o problema, pois joga para fora do ambiente da escola, secretarias de educação e demais gestores a responsabilidade pela solução do problema. Assim, a principal tarefa dos que defendem a educação de qualidade seria reivindicar mais recursos e admitir que, uma vez dentro do sistema escolar, os recursos seriam utilizados de modo eficiente.
Mas, se triplicar os gastos surtiu pouco efeito, por que o resultado seria diferente se continuássemos aumentando os gastos no mesmo ritmo? Para responder a essa questão, é preciso sair desse nível mais agregado de análise e mergulhar em evidências científicas que procuram entender o efeito do aumento dos gastos no desempenho dos estudantes.
O que a literatura fala a esse respeito?
Para sabermos se realmente mais gastos causam melhoria na educação, devemos levar em consideração que uma relação nula entre essas duas variáveis (gastos e desempenho) não necessariamente implica concluir que gastar mais em educação não importa. Imagine, por exemplo, que as redes com piores indicadores de aprendizado e pior infraestrutura decidem investir mais justamente para tentar recuperar essa defasagem. Nesse caso, é possível que se encontre até mesmo uma relação negativa entre gastos e desempenho: aquelas redes que mais aumentaram os gastos podem continuar apresentando os piores indicadores de desempenho, simplesmente porque não houve tempo suficiente para o maior gasto converter-se em maior aprendizado.
Para superar essa dificuldade na tarefa de saber se mais gasto causa melhor aprendizado, muitos pesquisadores procuram situações em que o aumento dos gastos educacionais ocorreu não como resposta à baixa qualidade da educação (como no exemplo do parágrafo anterior), mas como uma “surpresa”; ou seja, uma situação em que o aumento de recursos para a área de educação ocorreu de forma inesperada, como que “caídos do céu”.
Quando essas (raras) situações acontecem, é possível avaliar com muito mais precisão o efeito causal dos gastos educacionais no desempenho escolar, já que agora o aumento dos gastos não fora motivado pelo baixo desempenho escolar.
No Brasil, dois estudos recentes utilizam essa estratégia. O primeiro é “Gasto Público em Educação e Desempenho Escolar”, de Joana Monteiro (2015), que avalia se municípios que tiveram um fortíssimo aumento de suas receitas (proveniente de royalties do petróleo) tiveram melhoria do aprendizado maior que municípios semelhantes, mas que não tiveram a mesma “sorte” de receber tantos recursos. A autora mostra que os municípios beneficiados pelos royalties efetivamente aumentaram os gastos com educação. No entanto, esse maior gasto não se converteu em melhoria no aprendizado dos alunos (medido em proficiência na Prova Brasil).
O segundo estudo que avalia se um aumento de gastos “caído do céu” afeta o desempenho escolar é o “Higher Salaries, More Teaching, Better Performance?”, tese de doutorado de Geraldo Silva Filho (2016). O autor explica que a Lei do Piso, que definiu uma remuneração mínima aos docentes da Educação Básica, “forçou” prefeituras que até então pagavam menos que o piso a aumentar o salário dos professores para se adequar à lei (caracterizando, nesse caso, o aumento de gastos educacionais “caídos do céu”). O autor conclui que, mesmo após quatro anos de o município ter se adequado à lei do piso, o aumento salarial não causou aumento no aprendizado dos alunos.
Os dois exemplos não implicam que maiores gastos (ou maiores salários) não são importantes. O que os resultados indicam é que apenas aumentar os gastos (e salários) não leva automaticamente a um melhor aprendizado dos alunos. Para que mais recursos se convertam em melhor aprendizado, outros fatores são importantes, como a forma como esses recursos são gastos. Mas esse é um assunto para outra coluna!
Para saber mais:
MONTEIRO, Joana. Gasto Público em Educação e Desempenho Escolar. Revista Brasileira de Economia, v. 69, n. 4, p. 467-488, 2015.
SILVA-FILHO, Geraldo. Higher Salaries, More Teaching, Better Performance? Tese de Doutorado, FGV-SP, 2016.
*Luiz Guilherme Scorzafave é professor da FEARP-USP, membro do Conselho Municipal de Educação de Ribeirão Preto (SP) e integrante do comitê técnico do Iede. Trabalha com diversos temas relacionados à educação, com ênfase em fatores relacionados à gestão escolar que contribuem para a qualidade da escola.
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