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Como a pesquisa científica se encaixa na escola?

Como um projeto de iniciação científica uniu educadores, equipe gestora, alunos e comunidade escolar na construção do conhecimento

POR:
Anna Rachel Ferreira

MATEMÁTICA E AFETIVIDADE: Em 2017, Artur, Augusto, Natália, Vanessa e Yasmin investigaram por que os alunos dos anos iniciais da escola enfrentavam dificuldades para aprender Matemática. Eles criaram jogos e atividades e propuseram novas abordagens, buscando valorizar a diversão e a afetividade no ensino da disciplina.

Crédito: Marcelo Curia

Imagine organizar um projeto de iniciação científica em que todos os docentes da escola orientam trabalhos semanalmente. Agora, imagine que esses trabalhos não são necessariamente sobre as áreas de estudo deles. Além disso, os grupos misturam estudantes de turmas do 6º ao 9º ano. Ao final, eles expõem tudo o que aprenderam em uma feira de ciências com a presença da comunidade escolar e de universitários. Parece muito complicado? Pois a coordenadora pedagógica Joice Lamb, da EMEF Adolfina J. M. Diefenthäler, em Novo Hamburgo (RS), apresentou esse desafio à sua equipe e os resultados foram encantadores.

Claro que os professores ficaram receosos com a ideia. Por isso, ela optou por começar, em 2014, apenas com os 90 alunos do 9º ano. “Quando a coordenadora respeita o tempo dos docentes, ela mostra liderança e também aprende mais sobre a lógica do trabalho em grupo”, defende Simone Azevedo, coordenadora pedagógica da Comunidade Educativa Cedac. Joice sabia dos benefícios que o trabalho científico traria para todos e não teve pressa de implementar o projeto, que, com o tempo, foi ganhando o engajamento de toda a equipe. Ano a ano, o trabalho foi ampliado e, atualmente, todas as classes dos anos finais do Ensino Fundamental participam ativamente. “No começo, sentimos um friozinho na barriga, tínhamos mais perguntas do que respostas. Então, a Joice trouxe um professor da Fundação Liberato para nos introduzir ao método de
trabalho e preparou uma série de conversas e formações”, conta Vanuza Braz, professora de Matemática dos 8º e 9º anos.

Rosaura Soligo, selecionadora do Prêmio Educador Nota 10, do qual o projeto foi finalista, acredita que é essencial realizar esse tipo de trabalho nas escolas. “Nunca entendi como as unidades de ensino podem, o tempo todo, pedir que as crianças e adolescentes estudem sem nunca tê-los ensinado como fazê-lo”, comenta. O que a encantou nessa proposta foi a estrutura para que todos participem. “Desse modo, todos aprendem, inclusive os professores e a própria coordenadora”, diz.

Se todos trabalham, todos aprendem

MEDICINA HERBAL OU FITOTERAPIA: A pesquisa de Hellen, Júlia, Kauan, Nathaly e Samuel foi sobre Herbalismo: o cultivo e as propriedades medicinais das plantas. Além de restaurar a horta de ervas da escola, eles criaram uma cartilha para estimular a comunidade a usar esse recurso tão acessível para tratar problemas de saúde.

Crédito: Marcelo Curia

No início do ano, os alunos formam grupos de cinco por afinidade, eles não precisam ser da mesma classe e ano. Se alguém tiver dificuldade para se encaixar em uma equipe, a coordenação atua como mediadora. Depois, são escolhidos os temas. Os adolescentes criam um documento sobre o assunto com uma justificativa e indicam três professores que eles gostariam que os orientassem, independentemente da disciplina que lecionam.

Não há restrição de tema. Já houve pesquisas sobre sereias, educação sexual e sustentabilidade, por exemplo. Neste ano, Vanuza orienta um grupo que pesquisa deep web, uma área da internet oculta para usuários comuns. “Nunca pensei em estudar isso. Mas tenho aprendido todos os dias, não só sobre o tema mas sobre como estudá-lo. É muito bom se sentir nesse movimento de busca e aprendizado”, reflete. A equipe pedagógica tenta respeitar a vontade dos alunos e adequar o objeto de pesquisa à realidade escolar. “Eles são adolescentes e às vezes querem nos colocar em saias justas em conteúdos como sexo e descriminalização da maconha. Mas nós conversamos e encontramos uma linha que atenda a todos”, explica a
coordenadora. Assim, os jovens estudaram o que seria sexo físico e emocionalmente seguro e a legislação a respeito das drogas.

Para dar base ao trabalho, os professores de Língua Portuguesa, Matemática e Ciências passaram a abordar em suas aulas conteúdos como resumo, leitura e criação de gráficos e levantamento de problemas e hipóteses. Mas a equipe pedagógica avaliou que isso ainda não era suficiente. “Este ano, criamos um plano de pesquisa para nós mesmos. Percebemos que precisávamos melhorar nosso conhecimento sobre o método para orientar os alunos”, afirma Joice. A avaliação contínua do projeto garante sua qualidade e mapeia os benefícios que ele traz para toda a escola.

Cada professor orienta três trabalhos, assim como as duas coordenadoras pedagógicas. As orientações acontecem semanalmente, em duas aulas em que toda a escola se concentra nos projetos. São 14 encontros ao longo do primeiro semestre. Nas quatro reuniões iniciais, os jovens elaboram o plano de pesquisa que será apresentado a uma banca composta de profissionais, alunos e professores universitários, que dão direcionamentos e sugestões. “Esse contato é benéfico tanto para a escola, que conhece o que está sendo feito na academia, quanto para a faculdade, que entende melhor as necessidades reais da escola”, diz Rosaura.

Nas semanas seguintes, os grupos registram o passo a passo da pesquisa em um diário e desenvolvem um estande para a apresentação na Feira de Iniciação Científica. Os alunos dos 8º e 9º anos produzem também um relatório de escrita científica. “No grupo, todos têm a oportunidade de defender sua proposta e decidimos como seguir. Às vezes, parece que não vai dar certo. Mas, os professores sempre mostram que é possível”, conta a aluna do 9º ano Hellen Dias. Na feira, os projetos são avaliados por convidados externos e recebem premiação. Uma delas é a participação da Feira Municipal de Ciências (FEMICTEC). Este ano, o projeto ganhará mais uma etapa. No segundo semestre, os jovens vão divulgar suas pesquisas para transformar a realidade à sua volta.

Avaliação contínua

Para sistematizar o desenvolvimento e análise dos projetos, os docentes usam um caderno de campo e o Google Drive. Eles conversam com os alunos pelas redes sociais, compartilham documentos e criam textos colaborativos. A afinidade com a tecnologia foi tal que a coordenadora obteve uma parceria com o Google for Education para oferecer e-mail institucional a todos os docentes e alunos, com acesso às ferramentas do Google.

O mais surpreendente é que o engajamento dos alunos reflete seu próprio interesse, já que o trabalho não vale nota. Mas durante todo o processo há uma autoavaliação contínua. O acompanhamento faz com que a equipe se torne mais capacitada para avaliar os alunos. “Nos conselhos de classe, por exemplo os professores apresentam nuances de comportamento dos estudantes que não seriam percebidas apenas nas aulas regulares”, explica Joice. Desta forma, é possível construir uma Educação em que aprender não é uma obrigação, mas um desejo de todos.