Dar bônus a professores resolve problema na Educação?
Redes estaduais e municipais podem escolher premiar quem atinge metas, mas política divide especialistas e métodos e valores variam muito
POR: Paula CalçadeMetade dos estados do país já implementou políticas de bonificação por mérito a professores e escolas nos últimos anos. Mesmo dividindo opiniões de pesquisadores, educadores e gestores, conceder até dois salários extras para docentes das escolas que atingirem bons resultados em avaliações externas, aquelas que são elaboradas fora das escolas, é uma realidade em algumas redes de ensino básico brasileiras. Mas será que essa política, que mira a das grandes empresas privadas, garante a melhora no ensino em sala de aula?
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Qual é a lógica dos bônus para professores
De acordo com o relatório “Um Ajuste Justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil” do Banco Mundial, a ausência dos professores na escola é “um dos vilões do avanço educacional”. Segundo o documento, os docentes brasileiros usam 65% do tempo para ensinar, enquanto que, em outros países, os professores chegam a atingir 85% nesse quesito nas suas rotinas de trabalho. Para combater esse e outros problemas, alcançando melhor qualidade da Educação no Brasil, os analistas financeiros apoiam a adoção de programas de bônus a professores por atingir de metas em avaliações de conteúdo. Mas entidades internacionais divergem sobre essa prática da Educação no país.
O que diz quem acha que não funciona
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no relatório de Monitoramento Global da Educação conclui que sistemas de bonificação de professores por desempenho tiveram efeitos prejudiciais em países nos quais foram aplicados, inclusive no Brasil. De acordo com o documento, “existem poucas evidências de que a responsabilização com base no desempenho, que enfoca os resultados em detrimento dos insumos, e usa incentivos restritos, melhore os sistemas educacionais”.
O documento de 2017, com base em dados de 2016, teve foco na discussão de “responsabilização de diversos atores para obter avanço diante dos desafios da Educação”, mas mostrou que alguns mecanismos de responsabilização podem ser mal desenvolvidos, sendo o caso das gratificações para professores de escolas e turmas que alcançam melhores notas. O relatório discute que os avanços e cumprimento de metas devem ser de responsabilidade de governos, escolas, setores privados, organizações internacionais e dos estudantes, para além de apenas um professor.
A Unesco enfatiza que um sistema de bonificação com base no desempenho não leva em conta muitas condições para o processo educacional e pode prejudicar a colaboração entre colegas de trabalho em uma escola e restringir o currículo escolar, uma vez que o foco nas matérias das avaliações é excessivo. Entre os riscos estaria a restrição do currículo e das aulas, já que os professores se concentrariam apenas no que as provas cobrariam dos alunos.
Luiz Guilherme Scorzafave, professor de Economia e Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP), destaca a diversidade de fatores que impactam uma melhor ou pior nota de uma escola ou turma. Para ele, o processo de possui muitos desafios, tornando o funcionamento de um sistema de bonificação complexo. “É difícil ter um mecanismo que consiga medir a contribuição de cada docente para a aprendizagem”, afirma. Além disso, Luiz Guilherme discute a percepção dessa política pelos próprios professores: “Se os docentes percebem o valor do bônus como baixo, por melhor que seja a metodologia, pode não ser suficiente para mudar as práticas daqueles professores que justamente eram alvo da política”, discute.
João Batista Silva do Santos, pesquisador do grupo Pesquisa do Observatório da Remuneração Docente (PORD) da Faculdade de Educação da USP, aponta que bons planos de carreiras preveem políticas de pagamento por mérito, possibilitando ao profissional realizar progressão na carreira depois de determinado tempo, de forma que um professor, por exemplo, pode passar por um processo de avaliação e, possivelmente, conseguir maior remuneração. “Entretanto, a bonificação por mérito nesses moldes é algo totalmente diferente de como acontece no estado de São Paulo”, diverge. Segundo o pesquisador, atribuir um bônus ao final do ano letivo para o professor locado em uma escola que conseguiu um melhor Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (Idesp) não tem demonstrado melhora de aprendizado, mas criado o que nomeia de “cultura de progressão escolar”, quando alunos passam de ano sem saber o conteúdo daquela série, e a “cultura da apostilinha”, quando professores fazem uso apenas do material que embasará o Saresp.
O que diz quem acha que funciona
O secretário de Educação do Espírito Santo, Haroldo Rocha, afirma que em sua rede estadual a política de bonificação por mérito tem como objetivo melhorar a aprendizagem dos alunos e combater a ausência de professores em sala de aula. “Os docentes convivem bem com a política no geral porque é justa. Quem não falta cumpre sua missão e ainda pode ganhar”, diz. Os professores recebem as gratificações quando as escolas mostram evoluções nos seus próprios índices, anualmente. Em vez de competir com uma média geral ou com outras escolas da rede, cada escola precisa se apoiar em seus próprios resultados. “Mas cada falta do professor desconta 10% dessa bonificação”, avisa Haroldo. “A única justificativa são as férias”.
A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo ressalta, através de sua assessoria, que para os funcionários de uma escola conseguirem a gratificação por mérito é preciso ainda terem atuado, no mínimo, em dois terços do ano, ou seja, devem ter trabalhado pelo menos durante 244 dias. No caso de faltas, há desconto proporcional no valor do benefício. São permitidas por lei apenas ausências decorrentes de licença-maternidade, licença-paternidade, adoção e férias. Segundo a secretaria, a média recebida na última gratificação foi de R$ 2.008,73 por servidor e o valor máximo da bonificação que cada profissional recebe é proporcional a 0,84 salário-base extra, ou seja, não chega a um salário a mais.
A secretaria paulista, que destina parte significativa do orçamento para essas bonificações, afirma que a política é bem-sucedida. Somente em abril de 2018, o governo de São Paulo pagou R$ 450 milhões em bônus por mérito a 223 mil funcionários, sendo 179 mil professores.
Os estados de Minas Gerais e Sergipe também aplicavam políticas de bonificação por mérito suspenderam a medida. A Secretaria de Educação de Minas Gerais informou que não possui mais essa prática na atual gestão da pasta e que os bônus por mérito foram concedidos até 2014. Já a Secretaria de Educação de Sergipe relatou que cancelou a política em 2007. As gestões da rede estadual do Ceará, Tocantins e Goiás aplicam as gratificações por mérito, segundo o estudo “Efeito das políticas de bonificação aos professores sobre a desigualdade de proficiência no Ensino Fundamental” da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP).
Valoriza o professor e o aluno?
A rede de ensino estadual do Rio de Janeiro adotou gratificações por mérito até 2016, quando a Secretaria de Educação cancelou a prática por causa da pressão por parte de alguns docentes e sindicatos, como a pasta explicou por telefone a NOVA ESCOLA.
Paulo Maurício é professor de História em uma escola estadual no bairro do Maracanã, na zona norte da capital fluminense, e durante o período de vigência da política, era diretor. Ele lembra que todas as escolas tinham metas de desempenho divididas em dois grupos: aprovação dos alunos e nota na avaliação externa. Com a média era obtida o Iderj, índice de qualidade próprio do estado, que podia garantir de 0,5 a 3 salário-base extras aos funcionários.
“Teve seu lado positivo e negativo”, explica o professor. “O que foi bom foi a visão mais aprofundada que todos na escola tinham que ter sobre os alunos, descobrindo quem realmente estava matriculado e frequentava a escola, além de saber qual era o desempenho geral”. Entretanto, Paulo afirma que a melhora na aprendizagem dos alunos não foi significativa e, para ele, os índices do estado comprovaram isso. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) para o ano final do Ensino Médio do Rio de Janeiro não mostrou evolução de 2013 a 2015, mantendo a nota 3,6. Já o 9° ano do Ensino Fundamental não atingia a meta para a rede desde 2011. “Muitas escolas acabavam não recebendo as bonificações porque sofriam com problemas particulares da região ou condições específicas de trabalho e não atingiam as metas”, conta.
Professora de Geografia de uma escola estadual no Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, Rafaela Rosa diz justamente não aplicar muitas adaptações em suas aulas para conseguir as bonificações por mérito. “Procuro fazer o meu melhor independente de resultados”, explica. A disciplina lecionada por ela também não é cobrada diretamente na prova do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp), que apresenta questões de Matemática e Língua Portuguesa para os alunos dos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental e Médio. Os resultados dessa avaliação, juntamente com as aprovações de alunos, formam o Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (Idesp), que acompanha a evolução escolar de toda a rede. Se as escolas atingirem as metas para aquele ano, conseguem bônus a serem distribuídos para os professores e a gestão escolar.
O que muitos educadores defendem é que uma política de melhoria da qualidade da Educação básica requer investimentos na infraestrutura das escolas, carreira e salários capazes de atrair bons profissionais, com formação inicial e continuada qualificada. Márcia Jacomini, psicopedagoga e professora do Departamento de Educação da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) defende que antes de se pensar em bonificação por mérito deveria ser aplicado pelas redes o Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi), conforme estipulado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. O CAQi aponta que o investimento por aluno nos anos iniciais do Ensino Fundamental em áreas urbanas deveria ficar em R$ 7.545,06 em 2018, o que seria uma diferença de 2,32 em relação ao valor proposto pelo Fundeb nessa etapa, por exemplo. “Se quisermos uma Educação de qualidade, precisamos focar menos na avaliação e mais nas condições mínimas necessárias ao desenvolvimento do processo educativo com vistas à formação integral dos alunos”, destaca a psicopedagoga.
Para a valorização do professor, Márcia afirma ser fundamental implementar as metas 17 e 18 do Plano Nacional de Educação 2014-2024 (PNE). “Assim é possível garantir planos de carreira que valorizem a atividade docente e equiparar a média salarial dos professores à média dos profissionais com formação equivalente, o que é muito importante”, conclui.
Práticas e experiências locais
A cidade de Sobral, no interior do Ceará, registrou o melhor desempenho de todas as redes públicas do país no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em 2017. Entre outras ações para melhores resultados, como estímulo à formação continuada e o investimento em tecnologia nas escolas, a rede municipal aplica bônus por mérito para professores e gestores de escolas que tiverem turmas que ficam acima da média nas avaliações. “Há mais de 22 anos, desenvolvemos uma política pública bastante diversificada educacional que nos coloca como referência nacional”, enfatiza o secretário Helbert Lima.
O município paga o piso-salarial para os docentes e as bonificações completam a estrutura de remuneração desses professores. As gratificações também vão além do pagamento por bons resultados em provas e contemplam a própria atividade docente, como por exemplo, o professor que é titular de uma turma. Esse valor corresponde a 13,3% do vencimento base e é pago mensalmente para professores efetivos e temporários. “Atualmente temos 1.140 docentes recebendo esse tipo de bonificação de um universo de 1.291”, aponta o titular da pasta de Educação do Ceará.
Mas as avaliações externas são ainda os principais meios para conceder gratificações na cidade de Sobral. Aurilene Marcelo da Silva é diretora de uma dessas escolas municipais e vê com bons olhos como as gratificações são estruturadas na rede. “Percebemos como os bônus impactam no melhor desempenho dos professores”, afirma. A diretora destaca que para valorizar os profissionais da Educação deve-se ir além de elogios e remunerar adequadamente a categoria. “Como inclusive está na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), o financeiro é sim muito importante e mobilizador”, enfatiza.
Aurilene destaca o conjunto de investimentos em políticas públicas de Educação e a ênfase na autonomia da gestão escolar de cada unidade para atingir melhores índices que, para ela, refletem o melhor trabalho dos docentes e a aprendizagem dos alunos. “Sobral saiu de uma visibilidade zero para o primeiro lugar do país”, diz.
Essa reportagem faz parte da campanha Mentira na Educação, não!, que realizará checagens de notícias sobre Educação. A iniciativa é realizada por NOVA ESCOLA, com apoio do INSTITUTO UNIBANCO, INSTITUTO ALANA, CANAL FUTURA e FACEBOOK.
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