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Bullying vai muito além dos autores e das vítimas

Lei Federal instituiu programa de combate ao problema, mas ignorância sobre leis dificulta sua aplicação

POR:
Hegle Zalewska
Estudante caminha sozinha
Foto Getty Images

O Brasil tem leis e também um Programa de Combate ao Bullying, mas a ignorância sobre estas leis que visam tratar do problema prejudica sua aplicação em escolas.

Para entender melhor o quadro, vamos à origem da palavra. A palavra Bullying possui origem inglesa, e advém de bully, que significa tirano e corresponde ao indivíduo que pratica a violência. A Lei Federal Nº 13.185/15 traduziu o termo Bullying para Intimidação Sistemática e instituiu o Programa de Combate ao Bullying.

Já em 2018 (Lei 13.663/18) foram acrescentados dois incisos ao artigo 12 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB-Lei 9.394/96) para determinar que todos os estabelecimentos de ensino tenham como incumbência promover medidas de conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de violência, “especialmente a Intimidação Sistemática”, e ainda estabelecer ações destinadas a “promover a cultura de paz nas escolas”. A matéria reforça a Lei de Combate ao Bullying (13.185/2015).

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Infelizmente o Programa de Combate ao Bullying está longe de ser aplicado pois ainda há ignorância sobre as Leis envolvendo a Intimidação Sistemática, especialmente no que se refere às obrigações das Secretarias de Educação, Conselhos Tutelares, e Escolas (professores, coordenadores, diretores etc). Não basta saber por alto o que é Intimidação Sistemática, muito menos ter boas intenções, devem haver Políticas Públicas detalhadas no que diz respeito a esse Programa. Devem haver protocolos de orientação sistematizada, procedimentos definidos e organizados para denúncias, providências perante as Secretarias, mediação e todo o necessário para abranger por completo esse problema no meio educacional. Um exemplo: você sabia que a Lei determina produção e publicação de relatórios bimestrais das ocorrências de Intimidação Sistemática nos Estados e Municípios para planejamento das ações?

Crueldade deliberada

As autoras Jane Middelton Moz e Mary Lee Zawadski Middelton-Moz definem bullying como crueldade deliberadamente voltada aos outros, com intenção de ganhar poder ao infligir sofrimento psicológico e/ou físico.

É importante ressaltar que a intimidação deve ser constante, contínua, persistente, de acordo com a definição do dicionário Priberam para a palavra “sistemática”.

A prática da Intimidação Sistemática é observada comumente nas escolas, mas também pode ocorrer em outros ambientes como o de trabalho, familiar, enfim, aonde houver relação social - inclusive virtual. Mas, neste artigo não focaremos nos tipos de conduta nem nos meios sociais e pessoas passíveis da violência do bullying, pois esses temas merecem atenção especial tendo em vista suas minúcias.

Genericamente falando, temos a Intimidação Sistemática física, verbal, social e geral (unificando até as três formas em um único indicador).

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E com relação aos seus personagens temos:

Agressores (bullies) - que têm a necessidade de mostrar poder através da diminuição do outro, se aproveitando das fragilidades das vítimas.

Os agressores sentem satisfação em causar danos, controlar situações, não aceitam facilmente as regras, podem, inclusive, roubar e agredir fisicamente.

No caso da violação física, a situação pode ser confundida com uma simples briga, e a física e psicológica são muitas vezes tratadas de forma genérica, como maus tratos perante o Conselho Tutelar.

Os autores só podem ser identificados pela forma como agem. Não há padrão físico ou intelectual. Podem ser menos ou mais inteligentes; alguns são atraentes e outros não; alguns são muito populares e outros detestados por todos.

Vítimas (victims) ou alvos do bullying - que podem ser passivas, provocadoras ou agressoras.

Vítimas passivas - São mais inseguras e ansiosas do que os outros integrantes do grupo social.  Quando atacadas geralmente reagem chorando ou se retraindo.  Em geral são solitárias.

Vítimas provocadoras - Agem impulsivamente.  Dessa forma atraem reações agressivas com as quais não sabem lidar e acabam se tornando vítimas.

Vítimas agressoras – Sofreram bullying, então passaram para o papel de agressores, intimidando seu próprio agressor ou outra pessoa.

Espectadores (bystanders) - São aqueles que manifestam expressamente apoio aos agressores, dão risada e incentivam as agressões, por isso tornam-se coautores da Intimidação Sistemática.

Os defensores sentem empatia pela vítima, condenam as agressões e protegem o alvo ou informam a quem possa tomar providências, apesar do risco de sofrerem represálias.

E os observadores nada fazem, o que costuma ser a conduta mais comum, apesar de muitas vezes condenarem o comportamento dos autores.

É importante ressaltar que se calar é tão reprovável como o próprio ato de violência, pois pode ser entendido como apoio aos autores, e que qualquer programa de combate ao bullying deve dar a devida atenção aos espectadores, pois suas atitudes serão essenciais para diminuir a Intimidação Sistemática tanto no momento de presenciar a agressão, quanto no momento da mediação necessária para solucionar o caso concreto.

A figura do professor nesse combate é fundamental, aliado a um respaldo organizacional, para que a escola não se torne um mero espectador. Ou, na pior das hipóteses, continue sendo apenas um espectador – como foi o caso em uma escola no Paraná com números alarmantes na falta de apoio às vítimas em sala de aula.

Uma pesquisa da Universidade Federal do Paraná realizada em 2016 com 100 alunos de uma escola no município de Matinhos, no litoral do Estado mostrou que 52% dos meninos e 48% das meninas sofriam bullying no ambiente escolar e, na maioria das vezes, dentro da sala de aula. Sobre o apoio dos professores aos estudantes que sofrem bullying em sala de aula, 96% das meninas e 70% dos meninos disseram não receber apoio nenhum dos professores. As vítimas relataram que o bullying verbal com xingamentos e apelidos é o mais comum e poucos estudantes procuraram ajuda com familiares e com os professores. Os pesquisadores afirmaram que os alunos e alunas preferiam se calar ou resolver o problema sozinhos.

*Hegle Zalewska é advogada, pós-graduada no curso de "Direito e Tecnologia da Informação" da Escola Politécnica - USP, atua nas áreas de Direito Digital, Criminal e propriedade intelectual, é integrante da Comissão Especial de Direito Digital e Compliance da Ordem dos Advogados do Brasil - São Paulo e Secretária Geral na Comissão Especial de Direito Antibullying da OAB/SP.

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