Especial | PRÊMIO EDUCADOR NOTA 10 | Potencial dos alunos

Não existe assunto difícil demais para os alunos

Confiar no potencial dos alunos foi a atitude que guiou os trabalhos de Ana Cláudia, Mikael e Elenir. Eles deram oportunidades para que os estudantes valorizassem seus saberes e a própria capacidade de avançar

POR:
Maggi Krause

Acreditar na capacidade de seus alunos. De todos eles, sem exceção. Esse é um dos fatores que une todos os ganhadores do Prêmio Educador Nota 10 de 2018, mas fica ainda mais evidente nos trabalhos de Ana Cláudia Santos, Mikael Miziescki e Elenir de Oliveira Novaes, que abordaram temas bastante complexos.

Os três fazem uma escuta atenta das necessidades e anseios dos alunos, demonstram empatia e se colocam à disposição para ajudar, mas sem dar respostas prontas. “Trata-se de enxergar o estudante no papel de quem resolve e procura construir respostas”, explica Simone André, gerente executiva do Instituto Ayrton Senna. “Ao projetar no aluno uma visão positiva, o docente alinha suas práticas. Há impacto sobre o modo de ensinar:
ele investe mais tempo, mais cuidado e é generoso na avaliação, pois considera progressos e oportunidades de melhoria”, completa Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco.

Diálogo aberto com Guimarães Rosa

Crédito: Gustavo Andrade

“Professora, não dá para entender nada, nada”, foi uma das frases que Ana Cláudia Santos escutou na sala depois de pedir para os alunos lerem pela primeira vez um texto de João Guimarães Rosa (1907-1967). A reação é normal: ler Rosa pode ser difícil. Mas Ana Cláudia não desanimou e desenvolveu um projeto para aproximar esse autor dos alunos do 3º ano do Ensino Médio da EE Padre Paulo, em Santo Antônio do Monte (MG).

Uma das atividades mais interessantes foi quando os alunos assistiram a um trecho do monólogo Travessia, inspirado na obra de Rosa (assista em bit.ly/Travessia-GR). Com base no que viram, eles discutiram sobre o momento que viviam, com o fim do Ensino Médio (conheça algumas estratégias usadas por ela no quadro abaixo). Outro destaque do projeto foi não desconsiderar o fato de que as leituras eram, sim, complicadas. “Diante do espanto dos alunos com o texto, foi muito acertada a ideia de trazer a carta que Manuel Bandeira escreveu para o escritor mineiro, falando das dificuldades que ele, poeta, sentiu ao ler Grande Sertão: Veredas”, elogia Claudio Bazzoni, consultor dos planos de aula NOVA ESCOLA e selecionador do Prêmio Educador Nota 10. Depois, Ana Cláudia pediu que os estudantes também escrevessem uma carta a Rosa, para contar os estranhamentos, as mudanças que fariam no enredo das histórias e a opinião sobre os personagens. “É preciso entender que o jovem tem sua subjetividade. Um trabalho assim não daria certo sem valorizar a posição do aluno nem favorecer sua aproximação pessoal com o texto”, observa a professora de Língua Portuguesa e Literatura Giulia Mendonça, coordenadora de EJA no Colégio Santa Cruz, em São Paulo. Para os alunos, penetrar no universo do autor foi um desafio e uma descoberta. “No início foi complicado entender o texto e quem era ele. Mas depois fiquei fascinada com a forma como Guimarães Rosa tratou de assuntos tabu, como a homossexualidade e a opressão”, diz Jheniffer Souza, 17 anos.

Por fim, os jovens adaptaram as histórias usando a técnica de stop motion. Para isso, mergulharam novamente no texto. “Os alunos são bem mais criativos que eu e descobriram aplicativos para facilitar a edição dos vídeos, foi um momento de troca em que saíam da comodidade de suas carteiras e tomavam a palavra, o notebook, o celular e as técnicas que dariam movimento aos contos de Rosa”, conta a educadora nota 10.

(RE)LEITURA: Para adaptar contos para o stop motion, a turma teve de se aprofundar nas histórias. Crédito: Gustavo Andrade
SAIBA MAIS



O PROJETO

O Ser(tão) de Cada Um

POR QUE O PROJETO É INOVADOR? 

Quatro estratégias para ler textos difíceis

Como a professora promoveu a aproximação entre Rosa e os jovens

Foco na história
Ana Cláudia despertou o interesse pelas obras ao contar as histórias presentes nos contos de Guimarães Rosa e usar recursos como vídeos, que também adaptam a produção do escritor

O texto e os alunos
Os estudantes traçaram paralelos entre metáforas e reflexões da obra de Rosa. Um dos aspectos discutidos foi o conceito de Travessia, muito significativo para os alunos do último ano da escola.

Uma carta para Rosa
Não há problema em admitir que os textos podem ser difíceis. Ana Cláudia apresentou uma carta enviada a Rosa por Manuel Bandeira. Nela, o amigo conta ao autor sobre a dificuldade que teve ao ler o romance Grande Sertão: Veredas.

Também autores
Para que os alunos se apropriassem do texto e buscassem conhecê-lo a fundo, foram desafiados a recontar as histórias. Ana Claudia propôs criar vídeos em stop motion. O cenário, os personagens e o roteiro se basearam nos contos de Rosa que haviam lido.

Experiências que mudam a visão da arte

Crédito: Ramiro Furquim

Mikael Miziescki tinha uma certeza. Não queria que seus alunos experimentassem nas aulas de Arte a mesma sensação frustrante de sua Educação Básica, em que se limitou a produzir itens para datas comemorativas e a fazer cópias. “Decidi apresentar nas minhas aulas a complexidade da arte e valorizar as questões trazidas pelas obras”, explica ele. Mais do que sequências didáticas, seu projeto descreve a forma como conduz os alunos, durante o ano inteiro, a desconstruir seus estereótipos visuais (limitados a desenhos impressos, artesanato e moldes tradicionais na disciplina) e colocá-los em diálogo com a arte moderna e contemporânea, reconhecendo o valor artístico em obras abstratas, por exemplo. Os caminhos para introduzir os conteúdos são sempre variados: ora Mikael começa por visitar uma exposição, ora por falar de técnicas, ouvir opiniões dos estudantes, promover o debate em torno de questões de artistas contemporâneos.

Um exemplo foi quando, inspirado pela contestação dos expressionistas, resolveu provocar a turma do 9º ano a desenhar um símbolo para uma situação do Brasil atual. “Eles vieram com temáticas como xenofobia, preconceito, corrupção, violência e aborto.” Os adolescentes usaram simbologias múltiplas, cores e formas e escreveram análises minuciosas sobre suas escolhas. “Tirei eles da zona de conforto e me surpreendi com as criações espontâneas deles”, lembra. Em seguida, o professor juntou estudantes com opiniões divergentes para discutir sobre as obras. “Mikael tem a habilidade de conectar o que precisa ensinar com as ideias que seus alunos trazem. Faz eles se sentirem à vontade para criar”, elogia Marisa Szpigel, professora de Arte na Escola da Vila e selecionadora do Prêmio Educador Nota 10.

ARTE PARA VER: O olhar crítico e o espírito de curadoria foram fundamentais para montar a exposição. Crédito: Ramiro Furquim

Além do envolvimento de turmas inteiras, ele promoveu uma mudança de ótica. “Nunca imaginei que poderia pensar ou fazer as pessoas pensarem numa produção de arte. Eu já produzi muita coisa com crítica, com a minha visão de mundo”, comenta Douglas Martignago Rosso, 15 anos. O fechamento anual ocorre na exposição Morro Grande em Arte: os alunos sabem desde o início do ano que suas melhores produções integrarão a mostra, participam das escolhas das obras, da montagem dos espaços e guiam os visitantes. Mikael gosta de se intitular professor-curador, que dialoga, pesquisa e valoriza a experiência dos estudantes, que é o melhor motor do processo criativo. “O professor-curador seleciona textos, imagens, filmes e personagens, depois convoca e combina saberes e faz os alunos confrontá-los com aqueles já conhecidos. Ele abre espaços para a subjetividade e pausas para a contemplação e a reflexão, promovendo um diálogo entre diversas áreas do conhecimento”, explica o artista plástico e educador Carlos Barmak, que coordena a área educativa do Museu da Casa Brasileira, em São Paulo.

SAIBA MAIS



O PROJETO

Morro Grande em Arte

NA BNCC

Componente curricular: Arte

Habilidade (EF69AR08): Diferenciar as categorias de artista, artesão, produtor cultural, curador, designer, entre outras, estabelecendo relações entre os profissionais do sistema das artes visuais

POR QUE O PROJETO É INOVADOR? 

Três jeitos de interagir com a arte

Veja como fazer os alunos analisarem obras e artistas de diferentes maneiras

Apreciação
Envolve a leitura da obra e do contexto em que foi produzida. É quando os alunos se atentam ao que está presente nela e relacionam o que veem/ouvem/sentem com seus pensamentos, sentimentos e conhecimentos.

Produção
É a criação artística protagonizada pelos alunos. Aqui, é importante que haja liberdade para que se expressem. O professor pode fornecer consignas que os guiem, oferecendo temas ou estilos que sirvam de referência.

Curadoria
Envolve uma visão crítica sobre a arte. Os alunos definem critérios para selecionar as obras de uma exposição e pensam em como expô-las, construindo um diálogo entre elas e fazendo o público direcionar o olhar pelas escolhas do curador.

Estratégias para facilitar os cálculos

UM A UM: Elenir permitiu que os alunos propusessem suas resoluções e os encorajou a falar sobre elas
Crédito: Milena Aurea

Dar espaço para discussões sobre resolução de problemas virou o elemento central das aulas de Matemática da professora Elenir Novaes. Ela percebeu que sua turma de 3º ano da EM Campos do Amaral, em São Sebastião do Paraíso (MG), se perdia no raciocínio quando tentava cálculos e repetia procedimentos, como a conta armada, mas sem entendê-los. Elenir partiu do que os alunos consideravam cálculos fáceis ou difíceis e propôs que todos sugerissem formas de resolver. “Passei a promover a circulação de informações. Cada um explicava para o colega como solucionou, o que deu a eles segurança de que poderiam pensar diferente”, relata. Elenir já vinha lendo artigos sobre a didática da Matemática que tratam das intervenções que os professores devem fazer. “Não tem como intervir sem se preparar. E as respostas dos alunos fazem você refletir sobre como prosseguir no trabalho”, conta ela. “A professora acreditou na capacidade deles terem ideias próprias”, comenta Lilian Marciano, coordenadora pedagógica do Colégio Anglo 21 e selecionadora do Prêmio Educador Nota 10. O cálculo mental levou a turma a compreender propriedades das operações e regularidades do sistema de numeração decimal. Jo Boaler, professora de Educação Matemática da Universidade de Stanford, nos EUA, diz que a postura do professor é um divisor de águas: “Alunos que lutam para aprender não têm menos potencial, só tiveram menos oportunidade. Isso torna ainda mais importante que eles sejam encorajados para que possam progredir”. Samara da Rocha Selani, 8 anos, aluna de Elenir, confessou que tinha muita dificuldade e que tudo ficou mais simples depois que ela aprendeu a decompor os números e exercitou os cálculos em jogos que exigiam raciocínio rápido, junto com os colegas. “Tenho um primo que já sabe a multiplicação. Mas vou aprender também. Sei pensar sobre as contas.”

Crédito: Milena Aurea
SAIBA MAIS



O PROJETO

De Cor e Salteado

NA BNCC

Componente curricular: Matemática

Habilidade (EF03MA03): Construir e utilizar fatos básicos da adição e da multiplicação para o cálculo mental ou escrito

POR QUE O PROJETO É INOVADOR?

O problema
Registre a situação-problema de maneira bastante visível e clara para os alunos. É importante tratar apenas de uma questão por vez, para que os estudantes tenham a oportunidade de apresentar diferentes soluções e debatê-las.

As soluções
Foque nas estratégias. Peça que alguns alunos apresentem suas maneiras de resolver a questão. Por exemplo: em um problema que exige a adição de 17+9, é possível decompor (somar 10 + 7 + 9) ou usar a subtração (somar 17 + 10 e depois tirar 1).

Os erros
Encoraje a turma a argumentar sobre a estratégia usada. Antecipe a maneira como o estudante pensou e permita que todos os colegas discutam sobre o tema. Apresente questões que levem o aluno a notar o erro e repensar sua estratégia.

Ilustrações: Rachel Denti