O que esperar de Jair Bolsonaro na Educação?
Conheça as expectativas de alguns educadores para o governo recém-eleito
POR: Paula Peres, Soraia Yoshida, Laís SemisEm seu plano de governo, o candidato eleito para a presidência Jair Bolsonaro (PSL) diz que Educação Básica, da Educação Infantil ao Ensino Médio, será prioridade. Bolsonaro chegou a afirmar em entrevista que é possível fazer mais com os atuais recursos. Mas embora seja enfático em algumas propostas, o plano de governo não é muito claro em como muitas dessas políticas vão acontecer, na prática. Para Gabriela Moriconi, pesquisadora do Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas, ainda é cedo para fazer previsões mais concretas. “O plano de governo reúne algumas propostas muito resumidas ou que, por diversas vezes, só aponta alguns temas como relevantes, mas não indica quais seriam as soluções propostas para lidar com eles”, diz Gabriela. A falta de clareza dessas propostas estaria ligada à não participação de Bolsonaro nos debates sobre Educação – e sua consequente falta de discussão e aprofundamento.
Apesar da falta de informações, Gabriela acredita que o foco das ações propostas não condiz com os principais desafios da Educação brasileira: acesso à Educação infantil, melhoria da alfabetização, permanência e conclusão do Ensino Médio e melhoria da carreira docente. “A única menção à Educação Infantil no plano de governo é a necessidade de inverter a pirâmide colocando maior esforço na Educação Básica [em relação à Superior]”. Além disso, a especialista lembra que dois dos temas mais debatidos nas políticas educacionais nos últimos anos acabaram ficando de escanteio. Se por um lado há apenas a indicação de mudanças na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) sem especificá-las, não há nem sequer citações da reforma do Ensino Médio.
As urgências educacionais, segundo Bolsonaro
É justamente no detalhamento do programa de governo que os educadores devem estar bem atentos – para cobrar a transparência necessária. Sobre Educação a distância, por exemplo, ele defende que deve ser encarada como uma alternativa e não vetada de forma dogmática. “Deve ser considerada como alternativa para as áreas rurais onde as grandes distâncias dificultam ou impedem aulas presenciais”, diz o plano de governo.
Cláudia Costin, coordenadora do Centro de Excelência e Inovação de Políticas Educacionais (CEIPE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-diretora do Banco Mundial, acredita que nem tudo o que foi discurso vai virar prática. “O programa é menos radical do que as falas. No programa, ele fala sobre distâncias geográficas, mas nas falas ele menciona usar EaD desde o Ensino Fundamental”, lembra. Para ela, adotar ensino a distância no Fundamental é um equívoco. “Espero que isso tenha sido mais uma forma de falar do que uma política pública a ser implementada porque algumas competências socioemocionais não são passíveis de serem desenvolvidas a distância com crianças pequenas. Boa parte do que aprendemos na escola se dá na interação com outras crianças e jovens”, defende.
A própria menção a Paulo Freire, que, segundo o programa do candidato eleito, deveria ser expurgado das escolas, não consegue ter aplicações práticas. “Paulo Freire não está presente na BNCC. Além disso, o que ele preconiza é aceito no mundo inteiro. Estive em Cingapura, primeiro lugar no Pisa, e eles citaram Paulo Freire como alguém que inspira o país a buscar as aspirações educacionais que desejam”, diz Cláudia.
O plano de Bolsonaro para Educação enfatiza que conteúdo e método sejam mudados. “Mais Matemática, Ciências e Português, sem doutrinação e sexualização precoce”, diz. Para os especialistas ouvidos por NOVA ESCOLA, é importante esclarecer o que o novo governo define como “doutrinação”. “São dois milhões de professores, mais de 180 mil escolas públicas nesse país, 45 milhões de matrículas, então é muita gente envolvida. Nós precisamos entender o que é doutrinação na visão dele, qual será o papel do Escola sem Partido, ou seja, questionar e entender o que se pretende fazer”, diz Cleuza Repulho, especialista do Programa Formar e ex-presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).
O foco excessivo no tema – o plano de governo coloca a “forte doutrinação” como “um dos maiores males atuais” –, causa preocupação nos especialistas. “O principal foco do novo presidente na área é um tema para o qual não há nem um acordo acerca de sua definição”, aponta Gabriela. Diante disso, ela acredita que não seria possível contar com diagnósticos confiáveis sobre esse fenômeno nas escolas brasileiras. “Não sabemos qual a sua incidência, onde se concentra, como ocorre, como afeta os alunos... Portanto, nem sabemos se é ou não um desafio prioritário para o país”.
Em artigo publicado no site de NOVA ESCOLA, Ernesto Faria, do Iede, reforça a necessidade de esclarecimento e diálogo. “O fim da doutrinação sinalizada pelo presidente não pode representar um ataque aos direitos humanos ou ao desenvolvimento moral, social e cognitivo dos alunos”, defende. Para ele, temas como gravidez na adolescência, respeito a todas as etnias e o livre direito à expressão devem ser abordados desde cedo para que se possa garantir um maior controle social.
A consequência da aprovação de um projeto como o “Escola sem Partido” (PL 7180/14), por exemplo, poderia ser, na visão de Gabriela, muito tempo dedicado a conflitos entre os educadores, alunos e familiares. “Corremos o risco de ter uma dupla perda: uma piora na qualidade das relações na comunidade escolar e ainda reduzir o tempo que é voltado para aspectos primordiais, como a aprendizagem dos alunos”, afirma.
Cláudia Costin também critica o crescente discurso de controle. “É lógico que a verdade do professor não deveria existir como verdade absoluta. Mas é muito importante que o professor ensine seus alunos a pensar, como já fazem a maior parte dos professores”, defende a educadora. Com relação às denúncias de possíveis casos de “doutrinação”, Cláudia se preocupa com os fóruns em que elas serão julgadas. “Quem entende de Educação para interpretar se um professor está fazendo uso da livre expressão de seu pensamento de uma maneira educativa? Não é proibido o professor dizer o que pensa do mundo, e ouvir a maneira de pensar de seus próprios alunos. Não vejo com bons olhos uma ação policialesca, e muito menos exercida por pessoas que não são da área, que não entendem o processo educacional”, argumenta.
Cláudia ainda levanta um ponto de alerta: a defesa do fim da “aprovação automática”. “Isso é um ponto curioso, porque o Brasil tem índices de reprovação muito altos”, reflete. “Aprovação automática” é a maneira como ficou conhecida a política pública de progressão continuada. “Isso é uma questão de entender que não é bom passar o aluno que não aprende, nem reprova-lo porque não aprendeu. O ideal é incentivar metodologias de ensino que fazem com que todos aprendam, e melhorar a formação dos professores para isso”, diz.
Para ficar de olho
Para além do que está no plano de governo de Bolsonaro, os especialistas indicam a necessidade de acompanhar as pautas estratégicas da área. “Precisamos olhar para políticas de livro didático, transporte escolar, merenda, piso nacional do Magistério e entender como é que elas vão acontecer a partir de 1° de janeiro de 2019”, afirma Cleuza Repulho.
A manutenção do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) também deve ser uma questão importante para que os educadores acompanhem de perto, já que dele depende a manutenção do sistema de Educação no país. Da mesma forma, as possíveis mudanças no Ministério da Educação também devem ficar no radar dos educadores. “Precisamos acompanhar se vai juntar mesmo Educação, Cultura e Esporte em um único ministério”, exemplifica Cleuza. E, se a falta de clareza das propostas ainda não permite traçar um cenário futuro para a Educação, faz-se necessário acompanhar como essas propostas vão se desenhar e colaborar para o debate.
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