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Base Nacional Docente: veja o que muda na formação e carreira

Entre as propostas, estão a substituição do estágio pela residência pedagógica e uso do Enade como ingresso na carreira e parte do processo de admissão para concursos públicos. Proposta vai passar pelo CNE e por discussões públicas

POR:
Paula Peres, Soraia Yoshida, Laís Semis
Crédito: Getty Images

Mais uma reforma educacional vem aí: a Base Nacional Comum de Formação Docente. A proposta de revisão das diretrizes de formação dos cursos de Pedagogia e licenciaturas foi apresentada pelo Ministério da Educação (MEC), nesta quinta-feira (13/12). "Essa Base [Docente] é uma causa, uma das tarefas que o ministro me atribuiu quando eu cheguei", disse Katia Smole, secretária de Educação Básica na apresentação técnica do documento. Isso é apenas o começo de um debate que deve se alongar pelos próximos anos.

A novidade já era aguardada. Com a aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em dezembro de 2017, houve também a aprovação de uma resolução que orienta a implementação da Base Nacional Docente. Entre as diretrizes trazidas pelo documento para os professores, está a adequação de normas, currículos de cursos de graduação e outros programas de formação docente inicial e continuada para atender às novas demandas trazidas pela Base.

A revisão do documento para os docentes deve passar por um processo de construção coletiva envolvendo a comunidade educacional – de forma parecida como aconteceu com a própria BNCC. Segundo Katia Smole, a versão divulgada pelo MEC é uma "versão zero". “O processo de construção dos referenciais exige um esforço que inclua a participação e representação de diferentes atores relevantes e de lideranças do sistema educacional”, diz a proposta do MEC. “Em algumas experiências, os professores ocuparam centralidade nesse processo e, em outras, eles o lideraram. Essa foi uma preocupação comum em diversos países”. O documento foi encaminhado para avaliação e discussão no Conselho Nacional de Educação (CNE). "Vamos entregar essa base ao CNE, e do mesmo jeito que foi feito com a BNCC da Educação Básica, essa não é uma versão final. Esperamos que ela seja amplamente discutida, mas o documento foi feito com bastante cuidado", explicou Katia Smole.

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A proposta de revisão curricular docente deve vir acompanhada de uma série de outras medidas que, conjuntamente com a revisão, devem garantir uma formação mais conectada com a realidade da sala de aula. Entre elas, estão a criação de diretrizes também para a formação continuada, mudanças na progressão na carreira e de ingresso na profissão (veja nos tópicos abaixo o detalhamento dessas propostas).

Por que o MEC está criando uma Base Nacional docente? 

A proposta se baseia na ideia de que a qualificação dos professores é um dos principais fatores que influenciam na qualidade da Educação Básica. O motivo que puxa a proposta, nesse momento, é a necessidade de que todos os professores garantam as aprendizagens essenciais previstas pela BNCC, como está indicado na resolução de implementação do documento aprovado pelo CNE, em 2017. “É essencial apresentar um conjunto de competências profissionais que serão exigidas dos professores para responderem a essas demandas”, diz a proposta de Base Docente. A medida é apontada também como uma possibilidade da tão desejada valorização da profissão a partir da ideia de formação de um profissional “efetivamente preparado”.

Outro ponto que soma na justificativa é a falta de articulação entre o conteúdo ensinado nos cursos de graduação e a realidade das escolas, bem como uma distância entre as universidades e as escolas. Para isso, a Base Docente prevê ações de revisão inclusive no estágio realizado pelos alunos dos cursos de Pedagogia e licenciatura com a substituição pela Residência Pedagógica.

A necessidade de explicitar as mudanças na atividade docente do século 21 também está contemplada. “A centralidade do tradicional processo de ensino e de aprendizagem não está mais na atividade-meio do repasse de informações”, diz o documento. O foco está agora na atividade-fim do “zelo pela aprendizagem dos alunos, uma vez que a finalidade primordial das atividades de ensino está nos resultados de aprendizagem”.

Outro documento oficial que embasa a proposta é o Plano Nacional de Educação (PNE). A melhoria da qualidade dos cursos de Pedagogia e licenciaturas, a reforma curricular com foco no aprendizado, a consolidação de uma política nacional de formação de professores da Educação Básica, o acompanhamento dos profissionais iniciantes e a criação de uma prova nacional para entrada em concursos públicos são estratégias previstas pelas metas 13, 15, 16 e 18 do PNE.

A Base Docente tem como proposta que os futuros professores dominem não só as áreas do conhecimento e conteúdo pedagógico, como estratégias de ensino que possam contemplar as necessidades dos estudantes. O objetivo final é impactar o processo de ensino e aprendizagem.

1) Base Docente

A Base Nacional Docente não substituirá as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais de formação inicial e continuada da Educação Básica. A Base Docente orientará a atualização dessas diretrizes. Ela também não contempla os conteúdos que os cursos de Pedagogia ou licenciaturas irão abarcar. O que fica no escopo da proposta do MEC são as competências que os futuros professores vão desenvolver para estar em sala de aula. Desta forma, o documento orienta as mudanças curriculares sem ferir a autonomia das universidades.

A proposta apresentada pelo MEC se divide em formação inicial e continuada, com ações previstas para cada uma dessas etapas, conforme esquema abaixo:

“A didática e as metodologias adequadas para o ensino dos conteúdos é pouco valorizada”, diz o texto da Base Docente. “Os cursos [...] se detêm excessivamente nos conhecimentos que fundamentam a Educação, dando pouca atenção aos conhecimentos que deverá ensinar, ou se detêm nos conhecimentos disciplinares totalmente dissociados de sua didática e metodologias específicas”. A partir disso, a proposta se baseia em marcos para o desenvolvimento de habilidades e competências profissionais.

Matriz de Competências Profissionais
No texto do documento, o conceito de competência segue pensadores como Philippe Perrenoud e Lino de Macedo. A competência é um conjunto de domínios. “Não basta que o professor tenha o saber conceitual ou a capacidade transmissiva, ele precisa desenvolver o domínio relacional, a habilidade de conviver na diversidade das situações de sala de aula e estar comprometido com o seu fazer profissional”.

Três dimensões fazem parte da competência profissional do professor: conhecimento profissional, prática profissional e engajamento profissional.

Conhecimento profissional: está associado com a prática e se relaciona com o que existe na realidade concreta e com as experiências diretas de alunos e professores. Os conhecimentos estão na essência da competência e são imprescindíveis para a constituição delas.

Prática profissional: a prática traz a oportunidade de viver ainda durante o curso de formação os mesmos processos de aprendizagem que se quer ensinar ao professor em início de carreira e o profissional em formação continuada.

Engajamento profissional: é o compromisso moral e ético do professor com os alunos, seus pares, a comunidade escolar e os diversos atores do sistema educacional. É a busca constante da melhoria da prática, do sentido do trabalho e do reconhecimento da sua importância.

O documento explicita que tanto o professor em início de carreira quanto o formador precisam ter “sinergia e coerência entre aquilo que ensina e aquilo que o aluno será capaz de ensinar”. “O licenciando que se prepara para ser professor está vivendo o papel de aluno. O que torna a situação de formação uma inversão simétrica do exercício profissional”. Ou seja, esse professor ainda em formação é capaz de perceber como é uma aula bem dada para ser capaz de dá-la quando chegar o momento.

Conheça os 10 princípios propostos pela Base Nacional Docente aqui.

Residência pedagógica
O documento apresentado pelo MEC determina também uma mudança na relação universidade-escola ao revisar os estágios. “É imprescindível que ele [o conhecimento] parta do ambiente de aprendizagem, seja objeto de reflexão e retorne ao ambiente de aprendizagem modificado, melhorado e mais eficaz”, diz o texto da Base Docente. A residência pedagógica deverá substituir o estágio. “Já é sabido que o estágio ou não é realizado de forma adequada ou está totalmente desvinculado dos conteúdos curriculares e da prática profissional”.

A expectativa é que os professores “estejam aptos a ensinar considerando a diversidade dos alunos e os desafios da sala de aula”.  Para isso, a proposta da residência contemplaria que, ao menos um dia na semana durante todo o percurso formativo, o estudante de pedagogia ou licenciatura tenha atividades em uma escola. “Cada centro, núcleo, faculdade ou outro instituição educacional formadora deverá ter associada ou conveniada uma ou mais escolas de Educação básica para as atividades da residência pedagógica para todos os alunos de licenciatura”.

Para esta tarefa, o MEC prevê a supervisão próxima e contínua de um professor do curso de formação e o apoio de um professor experiente da escola. A imersão na escola deverá contemplar, entre outras coisas, a observação, análise e proposta de intervenções na cultura escolar, relações pessoais entre os diferentes atores da escola, conhecimento dos alunos e suas condições familiares. Apesar de estar associada à Base Docente, a residência pedagógica terá uma regulamentação própria.

2) Mudanças no curso de Pedagogia 

No trecho que trata das limitações do documento, há indicações de mudanças no curso de Pedagogia, em que, segundo o texto, “há múltiplas funções, porém, não tem se mostrado eficiente na realização delas”. A nova proposta sugere que a pedagogia seja para a formação de docentes com aprofundamento nas etapas de ensino: Educação Infantil, anos iniciais do Ensino Fundamental e Alfabetização.

O texto diz ainda que os estudos para gestão escolar deveriam ficar para o nível de especialização. Além disso, a formação deve ser focada na prática profissional, com experiências reais na prática pedagógica que contextualizem o saber teórico.

3) Mudanças no Enade 

A matriz de competências docentes deverá orientar uma mudança no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade). Hoje, o exame avalia o rendimento dos concluintes. Mas, na proposta do MEC, além do adequamento à nova matriz de formação docente, está previsto que ela também possa servir para possíveis provas de habilitação à docência, ou para composição de nota para ingresso na carreira. Neste caso, o Enade passaria a ser anual e obrigatório para todos os estudantes de carreira docente. Como todas as propostas trazidas pela Base Docente, o tópico ainda precisa ser discutido e regulamentado.

“Nessa proposta, todos os alunos podem fazer o exame durante a graduação ou depois dela e se habilitar à docência no caso de aprovação”, sugere o documento. A aprovação do Enade teria validade de cinco anos e poderia servir, assim, como ingresso na carreira, além de parte do processo do ingresso em concursos públicos.

Crédito: Getty Images

 

4) Proposta de plano de carreira e formação continuada

A proposta aponta para uma possibilidade de estabelecimento de quatro níveis de carreira docente que seriam divididos no modelo australiano: recém-graduados, professores proficientes, professores altamente experientes e professores líderes. No texto brasileiro, os quatro níveis receberam nomes semelhantes: inicial, estágio probatório, carreira avançada e líder.

Além de orientar a formação continuada, a divisão poderia também ser usada para avaliar a performance dos professores nos diferentes níveis de carreira e também ser base de progressão e, consequentemente, revisão salarial.

A matriz de competências apresentada na Base de Formação Docente se refere somente às competências esperadas no nível de formação inicial. A matriz dos demais níveis deve ser desenvolvida, e, ainda que não esteja claro de quem é a responsabilidade pela produção dessa matriz, o texto considera que a progressão da carreira está a cargo das redes de ensino.

 

5) Criação de um Instituto Nacional de acreditação

Inspirada novamente por exemplos estrangeiros, a Base de Formação Docente indica que seja criada uma organização nacional capaz de acreditar cursos de formação inicial que estejam de acordo com as políticas educacionais (e, por conseguinte, com o seu próprio texto).

As atribuições desta proposta organização seriam, além de acreditar os cursos de formação, criar novas políticas ao longo do tempo; gerenciar normativas específicas e gerir programas relacionados à implantação da política; avaliar cursos, alunos, professores; auxiliar as redes na implementação de planos de carreira, de valorização profissional e de medidas de qualidade.

O texto deixa aberta a participação neste organismo por membros do governo federal, de instituições do terceiro setor, representantes dos sistemas de ensino e das instituições de formação.

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