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Alessandra Gotti

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Por que o Fundeb é pauta prioritária em 2019

Mecanismo de financiamento da Educação pública foi criado por Emenda à Constituição e pode deixar de existir em 2020

POR:
Alessandra Gotti
Uma ampulheta com areia vermelha em um fundo azul
Foto: Getty Images

Sem dinheiro não há como mudar a realidade de quase 2 milhões de crianças e jovens de 4 a 17 anos que continuam fora da escola e 6,8 milhões de crianças sem acesso à creche. Não há como alterar o fato de que apenas 45% das crianças são alfabetizadas na idade certa e solucionar o grave déficit de aprendizagem em todas etapas educacionais. Não é possível também mudar a situação de quase a maioria dos Municípios brasileiros que não cumprem o piso salarial dos professores.

Para que a fotografia da Educação brasileira mude para melhor, é fundamental que a discussão do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) esteja na pauta prioritária do novo governo e do Congresso Nacional neste ano.

O Fundeb, sucessor do antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - Fundef, que vigorou de 1997 a 2006, é o principal mecanismo de financiamento da Educação Básica pública no Brasil. Trata-se de um conjunto de 27 fundos de natureza contábil (um para cada um dos 26 Estados brasileiros e o Distrito Federal) cujo objetivo é redistribuir os recursos destinados à Educação Básica que provêm dos Estados, Distrito Federal e Municípios. A União contribui com uma parcela equivalente a 10% do aporte total do Distrito Federal e dos Estados e Municípios de todo o país. 

Com o dinheiro do Fundeb são pagos os professores e custeada a sua formação continuada, assim como o transporte escolar, o material didático, a construção de novas escolas e sua manutenção, da creche ao Ensino Médio. A distribuição dos recursos é feita de acordo com o número de alunos matriculados nas redes de ensino municipais e estaduais, de acordo com o Censo Escolar do ano anterior e sua atuação prioritária. Isto é: os Municípios recebem os recursos do Fundeb com base no número de alunos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental e os Estados com base nos educandos do Ensino Fundamental e Médio. Como o custo da matrícula em cada etapa educacional é diferente, há fatores de ponderação diferenciados para balizar o cálculo do valor aluno-ano definido nacionalmente. Em 2018, por exemplo, o valor mínimo por aluno-ano, considerando o fator de ponderação para os anos iniciais do Ensino Fundamental urbano, foi de R$ 3.016,67.

Prazo de validade

Para se ter uma ideia da importância do Fundeb, como já apontado em matéria de Pedro Annunciato, no site da Nova Escola, em pelo menos 4.810 Municípios brasileiros (dos 5.570 existentes), esse fundo corresponde a 50% do que gastam por aluno-ano. E o mais impactante: em 1.102 desses Municípios, a participação do fundo chega a 80% do total. Não é difícil perceber que seu fim provocaria um caos no financiamento da Educação Básica pública brasileira e tornaria ainda mais desiguais as oportunidades educacionais no Brasil.

Mas por que é tão importante priorizar a discussão do Fundeb em 2019? Porque esse fundo foi criado por uma Emenda à Constituição em 2006 para vigorar por 14 anos e, portanto, deixará de existir em 2020.

Há duas propostas de Emenda à Constituição tramitando no Congresso Nacional sobre o tema: a PEC 24/2017, no Senado Federal e a PEC 15/2015, na Câmara dos Deputados, que objetivam tornar o Fundeb permanente. Como acontece normalmente, essas propostas foram arquivadas no final da legislatura de 2018.

A PEC 15/2015, cujo desarquivamento foi solicitado pela deputada Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO) no último dia 11 de fevereiro, está em estágio mais avançado de discussão. Já foram realizadas quase 200 audiências públicas para ouvir sugestões de diferentes entidades, pesquisadores e gestores. Além de perenizar o Fundeb, há importantes mudanças sendo discutidas nessa proposta, como é o caso da consagração do princípio da proibição do retrocesso social, do aumento da contribuição da União e dos critérios de redistribuição de recursos entre os entes federativos.

Apesar de juridicamente possível questionar o retrocesso social e a inércia na implementação progressiva do direito à Educação (assim como de outros direitos sociais) com base na nossa Constituição Federal e nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil, a previsão do princípio da proibição do retrocesso social no texto constitucional representa um grande avanço. Não dá mais para admitir que nossos governantes não levem a sério o dever de implementação progressiva do direito à Educação e muito menos fazer vistas grossas a retrocessos sociais, que são por sua vez inconstitucionais e devem ser severamente coibidos.

O aumento da complementação obrigatória da União, de 10% para 30% do total dos recursos que Estados, Distrito Federal e Municípios alocam no Fundeb, é coerente com o texto constitucional. Se a Educação, assim como a saúde, é direito de todos e dever do Estado, a União, ente que mais arrecada impostos, tem o dever de contribuir mais para garantir o efetivo direito à Educação de nossas crianças e adolescentes e a valorização dos profissionais do magistério. Pela proposta em discussão na Câmara dos Deputados, a complementação da União passaria a ser de 15%, com ampliação progressiva de 1,5% ao ano até atingir 30%.

Redistribuição

A discussão do critério de redistribuição da complementação da União é também necessária. De acordo com a proposta discutida na PEC 15/2015 parte dessa complementação (10%) continuaria a ser feita da mesma forma, isto é, no âmbito de cada ente da federação que não alcançar o mínimo definido nacionalmente, considerando o valor aluno-ano de cada fundo contábil estadual.

Os 20% restantes seriam redistribuídos no âmbito de cada Município, Estado e Distrito Federal, sempre que o valor aluno-ano total não atingir o valor mínimo nacional, considerando-se, porém, não apenas os recursos vinculados ao Fundeb, mas também a vinculação constitucional obrigatória de 25% da arrecadação de impostos que Estados e Municípios devem aplicar na manutenção e desenvolvimento do ensino. Dessa forma considera-se na equação a capacidade fiscal de cada ente da federação tornando mais efetiva a equalização das oportunidades educacionais. É preciso romper a resistência histórica e dar mais para quem tem menos pois somente assim será possível ter uma Educação mais equitativa.

Em 2019 é preciso avançar, todavia, na discussão de critérios de redistribuição de recursos que considerem o alcance de resultados na Educação, isto é, que levem em conta, por exemplo, a melhora nos indicadores de alfabetização, de aprendizagem dos alunos, o cumprimento do piso salarial dos professores e políticas de formação continuada. Não basta ter mais recursos se não houver um aprimoramento da gestão no seu gasto com foco na qualidade da Educação.

Não se pode perder de vista, por fim, que já há quase três anos de atraso na implantação do Custo Aluno-Qualidade Inicial – CAQI, calculado com base nos insumos indispensáveis para se atingir um mínimo padrão de qualidade na Educação, que será progressivamente reajustado até a implantação plena do Custo Aluno-Qualidade - CAQ.

Esse é um debate que interessa a toda a sociedade brasileira. Como alertou a jovem deputada federal eleita em seu primeiro discurso na Câmara dos Deputados, Tabata Amaral (PDT-SP), o Fundeb não é uma pauta ideológica, que viraliza nas redes sociais, mas possui potencial de impacto gigantesco na qualidade e equidade da Educação.

Para que as metas da lei do Plano Nacional de Educação, principal agenda da Educação brasileira, saiam do papel e se concretizem, é fundamental que haja um adequado financiamento da Educação pública no Brasil. Esse é o desafio nº 1 em 2019, pois, sem dinheiro não é possível fazer as correções de rota necessárias para avançarmos rumo a uma Educação de qualidade, com mais equidade, para todos e todas no Brasil.

Alessandra Gotti é fundadora e presidente-executiva do Instituto Articule. Advogada e Doutora em Direito Constitucional pela PUC/SP. Consultora da Unesco e Conselho Nacional de Educação

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