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Alfabetização Brasil afora: o que pensam as professoras da região Sul

O Sul parece ter encontrado o caminho das pedras na Educação Infantil. Mas e na Alfabetização?

POR:
Mara Mansani
Crédito: Getty Images

De uns anos para cá, percebo que muitos professores que se destacam na Educação Infantil em nosso país são da região Sul. Tive a oportunidade de conhecer várias professoras premiadas que desenvolveram projetos incríveis para os pequenos. Entre elas, a Paula Sestari e a Marilei Chableski, de Santa Catarina; e a Denise Rodrigues de Oliveira, do Rio Grande do Sul. As três ganharam o Prêmio Educador Nota 10, da Fundação Victor Civita.

Os projetos delas são uma amostra da dedicação dos professores e da qualidade da Educação Infantil desenvolvida na região. Mas como deve ser a continuidade desse trabalho no desenvolvimento e na aprendizagem das crianças? Como será que está a Alfabetização por lá?

Os dados da última Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) em 2016 mostram que o Paraná tem 85,6% dos alunos com nível de proficiência na escrita considerado suficiente no 3º ano. Em Santa Catarina, 60,8% dos alunos apresentam nível de proficiência suficiente em leitura; e no Rio Grande do Sul, são 51,1% dos alunos no mesmo nível. Ainda há muito o que caminhar em relação à aprendizagem dos alunos no que diz respeito à leitura, mas não se pode negar que a região Sul apresenta resultados acima da média nacional.

A infraestrutura também apresenta bons índices: nos três estados, mais de 80% das escolas têm infraestrutura básica (o que significa: energia elétrica, esgoto, água filtrada ou encanada, banheiro dentro do prédio). Rio Grande do Sul e Paraná chegam a quase 100% da sua rede nessas condições. Pode parecer absurdo, mas essa não é a realidade do Brasil inteiro. Veja mais dados sobre a Educação Básica brasileira neste link do Todos pela Educação.

Mas para saber como funciona a sala de aula, precisamos ir além dos dados. Por isso, para saber como acontece a alfabetização na região Sul, conversei com três professoras alfabetizadoras: a Martina Benitez da Costa Lopes, da Escola Estadual William Richard Schisler, de Porto Alegre (RS); a Zenilda Souza de Oliveira Hofmann, da Escola Municipal Maria Aparecida Fagnani Soares, de Cascavel (PR); e a Kariny Von Dentz, da Escola Municipal Professora Maria Regina Leal, de Joinville (SC).

Além de trabalhar com anos iniciais, Martina também atua na Educação Infantil. Acredito que isso é um fator positivo para seu desenvolvimento como alfabetizadora, pois trabalhar com os dois segmentos dá uma visão mais ampla do processo de alfabetização e letramento: de onde sair e até onde ir na aprendizagem dos pequenos, além da continuidade que é tão importante e muitas vezes ignorada na transição entre os dois segmentos. Seria ótimo se todos os professores alfabetizadores tivessem essa experiência de passar pela Educação Infantil em algum momento.

Ela tem trabalhado junto a um programa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que visa auxiliar crianças que têm dificuldades no processo de alfabetização, além de trabalhar com a formação continuada dos professores. Isso é ótimo, porque ao menor sinal de problemas no processo de alfabetização, é necessário agir diretamente, em vez de deixar para outro colega de profissão tentar resolver mais tarde, quando a criança já estiver lá pelo 5º ano, depois de ter sofrido e carregado toda a frustração de estar à margem da aprendizagem. Ser alfabetizado é um direito.

Martina também destaca a importância da leitura no processo de alfabetização. Sua prática envolve a leitura individual, em duplas e em grupos. Seus alunos são "convidados a ler", segundo ela, na escola e também em casa. Os ditados com correção coletiva no quadro também estão presentes em sua prática. Ela acredita que, para melhorar seu trabalho, precisaria de mais tempo de planejamento das aulas, e chama a atenção para o tempo que usamos fora do horário de trabalho para conseguir atender todas as demandas.

Me identifico com ela nessa questão da falta de tempo. Muitas vezes, somos sobrecarregados e inevitavelmente levamos trabalho para casa, para dar conta de preparar aulas de qualidade. Martina se sente valorizada pela família dos alunos, mas não pelo governo e pelo resto da sociedade. A situação no Rio Grande do Sul é tal que ela chegou a ter seus salários atrasados e parcelados. Infelizmente, essa realidade não é exclusiva de seu estado. Muitos professores brasileiros reclamam dos salários baixos e atrasados.

A professora chama a atenção também para os diversos programas na alfabetização e na Educação de maneira geral que vêm sendo abandonados em trocas de governos. Seu maior sonho é ver a Educação e o professor valorizados e reconhecidos. Mas ela não perde as esperanças. Em sua mensagem aos alfabetizadores, diz: "Acreditem em vocês! Acreditem em seus alunos! Um país melhor é possível, e temos em nossas mãos a chance de acender esta chama em nossas crianças".

Tanto Martina como Zenilda, do Paraná, trabalham em projetos de reforço escolar, que apoiam o processo de alfabetização. Zenilda tem 15 alunos em uma turma de 2º ano, e em outro período, assume turmas de reforço também do 2º ano. Quando são diagnosticados problemas ou dificuldades dos alunos desde o início, é necessário criar um plano de ação para apoio e suporte não somente dos alunos, mas também do professor. É isso mesmo: o professor também precisa entrar em uma turma de "reforço". Afinal, nós também encontramos dificuldades em desenvolver a aprendizagem dos alunos, e precisamos de ajuda da equipe pedagógica, de nossos colegas mais experientes, de base teórica, entre outros.

Além de pedagoga, Zenilda é formada em Educação Física e pós-graduada em Gestão Escolar e em Educação de Jovens e Adultos (EJA). Por isso, em suas aulas estão presentes muitas práticas que envolvem música, dança e brincadeiras lúdicas. Ela acredita que sua maior dificuldade atual é fazer o fortalecimento do elo entre escola, família e comunidade, além da falta de materiais didáticos diversificados que ajudem no processo de ensino e aprendizagem. Apesar dessas dificuldades, Zenilda se sente valorizada como alfabetizadora.

A professora Kariny, de Joinville, é formada em Pedagogia, tem especialização em Contação de Histórias e pós-graduação em Ensino de Ciências Matemáticas e Tecnologias. Ela tem como prática a escrita coletiva de textos e destaca a importância do desenvolvimento da leitura e a formação do comportamento leitor em seus alunos.

Ela acredita que um dos fatores mais relevantes para explicar por que os alunos brasileiros não estão alfabetizados adequadamente é o desinteresse pela leitura, mas também o descaso com a Educação. Seu maior sonho é que a Educação brasileira seja tatada com seriedade. Kariny diz: "Professores alfabetizadores, não desistam, não desanimem, nosso trabalho é importante, pois lidamos com pessoas, sejam agentes das mudanças que esperamos e queremos para o mundo!" Ela cita também a fala de Paulo Freire: "A Educação muda as pessoas, e as pessoas mudam o mundo!"

Sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), elas destacam a necessidade de estudar o documento, do professor precisar de apoio e formação, e dizem que já identificam propostas que realizam em suas práticas. Seu receio é de que a BNCC se torne mais um documento abandonado na Educação.

Termino esse relato das ideias das professoras com as palavras de Zenilda: "Que cada professor seja transformador e inovador, procurando sempre criar e transformar a Educação!"

Já estou no terceiro texto sobre professores de diferentes regiões do Brasil. Ao conhecer a realidade dessas alfabetizadoras, vou compreendendo cada vez mais que, por mais que mudem professores, regiões, alunos, a realidade da nossa alfabetização apresenta as mesmas característica e grita por se tornar prioridade.

Então, vamos todos juntos, alfabetizadores, lutar, estudar e fazer uma alfabetização para todos!

Um grande abraço e até a semana que vem,

Mara Mansani