Videogame na escola. Pode isso, professora?
E como pode! Esta professora ensinou sobre rochas e minerais usando o Minecraft, game de construção que é febre entre a garotada. Entenda
POR: Beatriz VichessiEra para ser uma aula de Ciências como outra qualquer. O tema de estudo era Geologia com a turma do 6º ano do CE José de Anchieta, em Queimados (RJ). O planejamento traçado pela professora Mytse Andréa Sales de Melo Nogueira, que atualmente leciona Ciências, Biologia e Física no Ciep General Ladário Pereira Telles, no Rio de Janeiro, era ensinar o conteúdo como sempre - de forma mais teórica, citando exemplos de rochas e minérios, as propriedades e usos de cada um. E a professora sabia que, inevitavelmente, a garotada ia apelar para a decoreba.
Mas bastou uma pergunta para essa história mudar por completo. Quando Mytse pediu para algum aluno dar um exemplo de rocha magmática, um deles logo respondeu: obsidiana. “Não esperava que alguém mencionasse uma rocha quase desconhecida e fiquei mais intrigada ainda quando outras crianças disseram conhecê-la e que para fazer uma, era só misturar água e lava”, diz. Ela deu voz aos estudantes e descobriu um novo jeito de explorar Geologia em sala. Alguns sabiam muito sobre o tema por causa de um jogo de computador, o Minecraft. Então, a professora não teve dúvidas. Resolveu rever todo o planejamento e deixar a garotada craftar, como dizem os fãs do game, fazendo alusão ao ato de construir, base do jogo.
Aprendizagem significativa
“O Minecraft é um ambiente virtual estilo sandbox, ou seja, tem poucas limitações. É um mundo aberto, em que o jogador escolhe a forma como irá atuar: empilhando, criando e destruindo blocos de montar”, explica Rodrigo Castro, pedagogo, especialista em jogos digitais, pós-graduando em computação aplicada à educação e professor de Ensino Fundamental da Escola Móbile, em São Paulo. Em linhas gerais, é possível explicar a ação do jogador assim: o ambiente virtual é formado por blocos e alguns deles são representações de rochas e minérios. O jogador pode coletar tais recursos para construir pequenos itens, ferramentas, enfeites e construções, como prédios. Cada jogador usa um avatar e tem de construir um abrigo para se proteger de criaturas perigosas que surgem à noite. Tendo criado seu abrigo, ele pode começar a explorar minas e cavernas subterrâneas para conseguir novos materiais, para fazer, por sua vez, novas construções e objetos. No jogo, é possível encontrar pedregulhos, granito, diorito, andesito, arenito, obsidiana, basalto, ferro, ouro e diamante, entre outros produtos.
O Minecraft é gratuito (para baixar: my.minecraft.net), embora exista uma versão paga criada especialmente para o trabalho com Educação, o MinecraftEducation Edition (education.minecraft.net). “Nesse caso, o professor tem mais controle das atividades realizadas pelos alunos e pode propor desafios dos mais diferentes. Apesar dessas particularidades, é perfeitamente possível fazer um bom uso da versão livre, desde que o educador fique mais atento ao que os alunos estão fazendo enquanto jogam”, explica Natália Ferreira Dias, professora de Ciências do Colégio Orly, em Santo André (SP). A versão livre ainda tem outro detalhe que precisa ser levado em conta na hora do planejamento do uso do jogo em classe: use o modo criativo - com ele é possível construir o que quiser, enquanto o modo sobrevivência tem como meta vencer um desafio ou “zerar o game”. Depois de conversar um pouco mais com os alunos sobre o jogo e pesquisar em casa, Mytse propôs à turma usar o Minecraft para aprender. “A gente vai jogar videogame na escola?” e “tá falando sério, professora?”, foram algumas das falas que ouviu: as crianças não se continham de felicidade e ficaram ansiosas. Para deixar a turma mais empolgada ainda, ela enfeitou a sala com o tema do jogo, usando o bichinho de pelúcia tema do game e a picareta de brinquedo, objetos que eram de seu filho, e levou um livro sobre o jogo para a turma consultar. Na aula seguinte, pediu para os alunos que tinham mais conhecimentos sobre o Minecraft atuarem como monitores e ensinar os colegas a jogar. “Eu disse: preparem-se porque a aula vai ser de vocês.” A motivação foi tamanha a ponto de alguns estudantes prepararem até cartazes para apresentação. Em seguida, a classe toda teve oportunidade de jogar, e com isso todos passaram a encarar as rochas e os minérios com mais interesse. Mytse recorre ao pensamento do psicólogo americano David Ausubel (1918-2008) e sua Teoria da Aprendizagem Significativa para justificar ter trabalhado de modo a valorizar o que os alunos já sabiam. “Quando um conhecimento novo consegue ser ancorado em um conhecimento prévio, há uma ressignificação do conhecimento e, daí, uma aprendizagem significativa. O que eles sabiam por causa do game, então, ajudou a aprender mais e de forma interessante”, explica.
Características e utilidades
Passada a fase de exploração do jogo, a tarefa era comparar os minerais e rochas que aparecem no jogo com os da vida real e pesquisar as características de cada um. A maior parte que existe no Minecraft, de acordo com a professora, também existe na Terra e as informações contidas na tela estão quase todas corretas. “Organizamos uma tabela com as informações que o game apresentava, e para completá-la, a turma foi buscar em outras fontes, confirmando ou não o que já se sabia”, comenta. No caso do ouro, por exemplo, ele é usado no jogo para fazer picaretas e quebrar determinado tipo de bloco. Já na vida real, dentre outros usos, os estudantes destacaram o feitio de joias. Outra tarefa que a classe realizou foi classificar as rochas do Minecraft em magmáticas (dentre elas, a obsidiana), sedimentares (como o arenito) e metamórficas (por exemplo, o lápis-lazúli). “Da maneira que a classificação foi realizada, o conteúdo fez sentido para os alunos porque não foi mecânica, sem conexão com nada que os interessasse”, diz a professora. Além dessa característica positiva, ela destaca o fato de o Minecraft enriquecer o vocabulário de Ciências das crianças. “Ao falar sobre o jogo, falavam em biomas, por exemplo, para explicar os ambientes que os avatares visitam”, explica. Para terminar o trabalho, os estudantes montaram uma exposição com o visual do game. Cada um escolheu uma rocha ou minério e construiu um bloco para representá-lo, tendo a responsabilidade de falar sobre ele para os colegas. “Usamos o mesmo visual do game. Na internet é fácil achar os moldes para imprimir”, afirma a professora. Depois, a exposição foi aberta para toda a escola.
AS ETAPAS DO TRABALHO DA PROFESSORA
Veja como Mytse usou o Minecraft com a turma do 6º ano
O que é obsidiana?
Ao perceber que alguns dos estudantes conheciam a rocha pelo jogo, a professora pesquisou sobre o game e pediu para que os alunos fossem monitores dos que não sabiam jogar.
Exploração e sentido
A turma pôde jogar em sala de aula. Depois, compararam os usos dos minerais e rochas do game com os da vida real. Para que serve o ouro, por exemplo?
Classificação e exposição
Os estudantes classificaram as rochas (magmáticas, sedimentares e metamórficas), enriqueceram o vocabulário e construíram blocos que foram apresentados para a turma.
COMO FUNCIONA
Entenda a lógica do game que constrói conhecimentos
- O ambiente é formado por blocos, e alguns deles são representações de rochas e minérios.
- O jogador pode coletar tais recursos para construir. Cada jogador usa um avatar e tem de construir um abrigo para se proteger de criaturas perigosas que surgem à noite.
- A partir daí, ele pode sair em busca de novos materiais e fazer novas construções.
- Na escola, prefira o modo criativo - que tem mais possibilidades. O outro, o de sobrevivência, visa “zerar o jogo”.
POSSIBILIDADE DE APRENDIZAGENS COM O MINECRAFT
Citologia
A turma pode pensar na estrutura celular, delimitações das organelas, diferenças entre célula animal e vegetal.
Topografia
Os terrenos acidentados ou suas planícies são convites para estudar o conteúdo e a formação do planeta.
Mundo aquático
É possível explorar com riqueza de detalhes espécies submarinas e aprender mais sobre a fauna e a flora.
Circuitos elétricos
Usando os blocos de redstone, os alunos podem estudá-los e criar usinas.
DICAS DA ESPECIALISTA
Marilena Rosalen, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), afirma que o jogo deve ser usado como uma ferramenta. Ele pode ser relacionado a algum desafio que tenha a ver com o tema estudado (veja acima). Use-o nas aulas para construir algo relacionado à teoria e aprenda mais à medida que o assunto for explorado.
Identificar diferentes tipos de rochas, relacionando a formação de fósseis a rochas sedimentares em diferentes períodos geológicos. Habilidade EF06CI12