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Juntos, todos aprendem mais

Seis adolescentes com deficiência múltipla passam de uma classe especial para turmas regulares de 6ª série, fazendo da inclusão parte importante da proposta pedagógica escolar

POR:
Denise Pellegrini
Recepção calorosa: Jurema apresenta José Henrique, Rafael, Evandro, Maílson, Aurilene e Bruno aos colegas. Fotos: Marie Ange Bordas
Recepção calorosa: Jurema apresenta José Henrique, Rafael,
Evandro, Maílson, Aurilene e Bruno aos colegas.
Fotos: Marie Ange Bordas

 

O zunzunzum que vinha do corredor e do pátio deixava os alunos da professora Jurema Dantas de Oliveira Hirsh agitados, curiosos, interessados em saber o que se passava fora da pequena sala, localizada embaixo da rampa de acesso ao primeiro andar.Aurilene, 15 anos, Bruno, 19, Evandro, 16, José Henrique, 19, Maílson, 17, e Rafael, 17, queriam estar com os outros, o que não acontecia nem mesmo durante o intervalo. Diagnosticados com paralisia cerebral, os jovens estavam matriculados em 2005 numa classe especial da EMEF Armando Cavazza, em Barueri, na Grande São Paulo. Ciente de que eles entendiam tudo à sua volta - apesar das dificuldades de comunicação e locomoção -, a professora decidiu iniciar um processo de inclusão, dando à turma o direito (previsto pela Constituição) de estudar em classes regulares.

O trabalho beneficiou toda a escola, que no ano passado acabou se tornando verdadeiramente inclusiva - suas instalações já eram preparadas para atender a quem tem dificuldades de locomoção - com a adaptação do projeto pedagógico à legislação vigente. O sucesso da idéia, uma das vencedoras do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10 em 2006, se deve às estratégias utilizadas."Jurema viabilizou uma proposta que já deveria ter sido implantada em todas as escolas", afirma Daniela Alonso, consultora que participou da seleção do prêmio. Ela destaca a criação de condições para acabar com o preconceito: "A professora construiu as atividades etapa por etapa, planejando situações de sensibilização do grupo ao longo do tempo"(leia mais no quadro).
 

Dos seis, apenas um já havia sido matriculado numa sala regular. Os outros só conheciam as salas especiais. "A primeira coisa foi unificar o horário do recreio e permitir que eles participassem da vida da escola", lembra Jurema. Percebendo o interesse, ela lançou um desafio:"Vamos mostrar que vocês são competentes". No início, a presença dos jovens causou estranheza. Os outros não estavam acostumados a conviver com colegas que tinham deficiência e mal deram atenção a eles.

Para que o relacionamento se tornasse mais estreito, a professora resolveu fazer o caminho inverso e abriu sua sala a todos. "Eu poderia continuar só cumprindo minha obrigação de professora de classe especial, mas não achava justo."Na porta, colocou um anúncio em que chamava para oficinas de artesanato, dança e teatro, oferecidas em parceria com as mães - que permanecem na escola para auxiliar na higiene e alimentação dos filhos. Os interessados foram chegando e participando das mesmas atividades que os seis. Logo a sala ficou pequena.Conforme aumentava a interação, a comunidade escolar se convenceu de que eles poderiam participar das aulas regulares.

Conquistar a equipe

Jurema apresentou seu projeto aos professores, afirmando que o grupo era capaz de acompanhar uma turma e que todos lucrariam com a nova situação.No início, alguns ficaram receosos, como Aline Angélica Lima Nonato, de Língua Portuguesa. "Eu estava assustada, mas depois passei a agradecer por essa oportunidade de crescimento." Ao encampar a idéia, ela propôs uma atividade importantíssima para o processo de inclusão: um trabalho com biografias em que os retratados eram justamente os alunos da classe especial.

Os estudantes foram perguntar aos novos colegas quais eram seus gostos e passeios preferidos e como era a família deles. As informações foram colocadas em cartazes que, afixados na parede da sala, serviram de base para apresentar esses jovens a toda a comunidade. "Nesse momento, não só os seis puderam participar, já que eram os protagonistas, como os demais tiveram a chance de conhecer as deficiências", explica Daniela.

No mês seguinte, eles começaram a freqüentar diariamente duas aulas com turmas regulares de 6ª série - dois em cada sala. Em alguns momentos, eram apenas ouvintes e, em outros, realizavam tarefas adaptadas às necessidades de cada um. "Ao planejar as aulas, eu já pensava em como trabalhar cada tema com eles", conta Aline.

Um sistema de parceria com professores e estudantes foi montado por Jurema. Para que a carga de trabalho não ficasse muito pesada, ela sugeriu um rodízio em que dois alunos faziam o papel de tutores dos novos colegas, se responsabilizando por eles a cada dia. Nas aulas de Educação Física, por exemplo, eram esses jovens que empurravam as cadeiras de rodas durante uma partida de basquete." Eles não podiam ser privados das minhas aulas. Se não conseguem fazer um arremesso, seguram a bola para sentir o peso", diz a professora Maria Isabel Lucas Dias Afonso.

Sala de recursos

Depois do intervalo, a turma voltava para a sala de Jurema, que completava o trabalho com aulas de alfabetização e reforço, além da adaptação de materiais de apoio para usar nas aulas regulares. Além das mesas inclinadas, para encaixar na cadeira de rodas, foram produzidos engrossadores e suportes para lápis, entre outros objetos.Bruno, que tem baixa visão, ganhou placas imantadas, com números em alto-relevo, feitas pela mãe. Já Aurilene, que pegava o lápis com a boca, aprendeu a segurá-lo.Com exceção de Bruno e Maílson, que conseguem se comunicar oralmente, os demais utilizam placas de comunicação - uma prancha quadriculada com símbolos e figuras que identificam pessoas, objetos, frases e ações.

Durante o processo, os alunos perceberam o fato de viverem em grupo e a existência de diferentes opiniões e formas de expressão. Além disso, ampliaram a capacidade de expor pensamentos e opiniões e identificaram formas de luta contra o preconceito. "Eles se tornaram mais seguros", avalia Jurema. O interesse pelas aulas também aumentou e as faltas diminuíram. "A preparação que a professora fez foi muito boa. Por isso, não foi tão difícil a adaptação", diz Helena Barbosa Morais, mãe de Bruno.

A consultora Daniela afirma que o mais importante nesse período não foram os conteúdos desenvolvidos nas aulas regulares."Antes, os jovens só contavam com uma professora e os cinco colegas. Ao irem para a sala regular, mesmo que só na condição de ouvintes em alguns momentos, passaram a receber muito mais informações." Este ano, os seis cursam a 7ª série e assistem a três aulas nas salas regulares. A classe especial cada vez mais vai se transformando numa sala de recursos, como previsto pela lei.

O projeto, em seis etapas

1. Recreio coletivo

Foto: Marie Ange Bordas
Foto: Marie Ange Bordas
Foto: Marie Ange Bordas

 

No início do ano, a turma de Jurema ficava o tempo todo na classe especial e não se relacionava com o restante dos alunos. Até o recreio era num horário exclusivo, o que deixava todos chateados. Para iniciar o processo de inclusão, ela sugeriu lanchar com os demais. Assim, eles começaram a conhecer gente.

 

 

 

 

 

2. Oficinas de arte

Foto: Marie Ange Bordas
Fotos: Marie Ange Bordas

 

Como forma de ampliar a ponte com a escola, a professora ofereceu oficinas de artesanato, dança e teatro em sua sala, com a ajuda das mães - grandes parceiras. Os interessados podiam se inscrever e participar das aulas, na hora do intervalo, e aprender ao mesmo tempo que os adolescentes com deficiência.

 

 

 

 

 

 

 

 

3. Tudo sobre os amigos

Foto: Marie Ange Bordas
Foto: Marie Ange Bordas

 

A equipe pedagógica foi se envolvendo no processo de inclusão. Aline Angélica Lima Nonato, que leciona Língua Portuguesa, propôs às 6as séries um projeto sobre biografias em que os retratados eram os alunos da classe especial. As entrevistas sobre família, gostos e passatempos viraram cartazes, que serviram de base para a apresentação formal dos jovens.

 

 

 

 

 

4. Rodízio de tutores

Foto: Marie Ange Bordas
Foto: Marie Ange Bordas

 

Para facilitar a adaptação dos seis estudantes nas turmas regulares (e também o trabalho dos professores que os receberiam), Jurema criou um sistema de monitoria. Por meio de um rodízio, um aluno se responsabilizava diariamente por acompanhar um dos colegas, empurrando a cadeira de rodas e auxiliando nas atividades.

 

 

 

 

 

5. Nas salas regulares

Foto: Marie Ange Bordas
Foto: Marie Ange Bordas
 

 

Sem formação específica para trabalhar com alunos com deficiência, mas com o auxílio de Jurema, os professores encamparam a idéia da inclusão e começaram a adaptar as atividades. Nas aulas de Matemática, os exercícios eram facilitados pelo uso de materiais alternativos, como números ampliados e um quadro imantado.

 

 

 

 

 

 

 

 

6. Atenção especial

Foto: Marie Ange Bordas

Foto: Marie Ange Bordas

 

 
Foto: Marie Ange Bordas

 

  

Depois do intervalo, o grupo voltava para a classe especial, que passou a ser usada como sala de recursos. Jurema auxiliava todos na alfabetização e dava reforço em outras disciplinas. Além disso, desenvolvia materiais, como jogos de tabuleiro, e trabalhava com placas de comunicação alternativa, que facilitam a interação e a aprendizagem.

 

 

 

Incluir alunos com deficiência em classes regulares...

? Aumenta o interesse pelas aulas e pela aprendizagem de diferentes conteúdos.

? Proporciona a todos a chance de aprender atitudes de solidariedade e cooperação.

? Contribui para a formação de pessoas produtivas e críticas, com capacidade para interferir na sociedade.

Quem é Jurema

Jurema Dantas de Oliveira Hirsh, 38 anos, é casada e mãe de dois filhos. Formada em Magistério e em Pedagogia e pós-graduada em Psicopedagogia, começou a carreira como professora de 1ª a 4ª série há 19 anos. Só depois de cursar a especialização em Deficiência Mental na Universidade de São Paulo, em 1997, começou a trabalhar com turmas de Educação Especial, primeiro na rede municipal de Osasco e depois na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD). Lecionou por quatro anos na escola Armando Cavazza e em janeiro se tornou coordenadora pedagógica do Centro Municipal de Habilitação e Reabilitação Amor Perfeito, em Taboão da Serra, onde lecionava até o ano passado. Segura de que o processo de inclusão está consolidado na antiga escola, pretende ajudar a formar mais professores com essa mentalidade.

PALAVRA DA CONSULTORA

Trabalho em etapas

Para a consultora Daniela Alonso, Jurema contribuiu para a formação de todos, dando a eles melhores oportunidades de adaptação, flexibilização e aceitação das diferenças. A grande sacada do projeto foi sua organização em três fases: "Primeiro, ela se preocupou com a convivência entre a turma com deficiência e os demais. Depois, com a integração de projetos, como o das oficinas e o de biografias, que envolveram outros adolescentes e professores. Só então os alunos foram para as classes regulares, contando com a colaboração dela e dos tutores." Para aprimorar o projeto, Daniela sugere à escola investir na flexibilização dos recursos e das estratégias utilizados pelos demais professores nas aulas das diversas disciplinas, transformando a antiga classe especial numa verdadeira sala de recursos. "Ali poderiam ser oferecidos apoio ao planejamento e sugestões de estratégias e de recursos materiais. Também seria valioso o contato com a Secretaria de Saúde para a assessoria técnica de fisioterapeutas e fonoaudiólogos.

Quer saber mais?

CONTATOS
EMEF Armando Cavazza, R. São Paulo, 706, 06415- 070, Barueri, SP, tel. (11) 4161-6045

Jurema Dantas de Oliveira Hirsh, hirsh@uol.com.br

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