Aprendizagem | Didática

Trabalho em grupo não é bagunça

As trocas entre os alunos impulsionam a aprendizagem. Mas as atividades precisam ser planejadas para respeitar a autonomia da sala

POR:
Beatriz Vichessi

Imagine: a garotada do 6º ao 9º ano trabalhando durante uma aula de Matemática. A tarefa é resolver uma atividade de Geometria: desenhar a planta baixa de uma fábrica e depois montar uma maquete com base nela. O que vem à mente? Estudantes em silêncio fazendo a tarefa, certo? Não é assim que funciona durante a aula de Yuri Ramos, professor da EM José Mamud Assan, em Poços de Caldas (MG). Lá, a turma trabalha reunida em grupos formados por alunos de todos os anos. “A interação entre eles, a maneira com que os maiores se esforçam para explicar coisas para os menores ao mesmo tempo que a forma com que os mais novos questionam os mais velhos, é muito potente para a aprendizagem de todos”, diz o educador.

As classes reúnem-se no esquema multisseriado no contraturno duas vezes por semana, para o Acompanhamento Pedagógico de Matemática, durante duas horas por dia. O trabalho de Yuri é prova de que a má reputação do trabalho em grupo não tem razão de ser quando existem intencionalidade e planejamento. Esqueça a cena caótica de uma sala de aula barulhenta, com poucos fazendo tudo, alguns aproveitando-se dos mais esforçados, outros tentando expor opiniões e dúvidas em vão e, ao final, uma apresentação que mais parece um jogral. Acredite: os estudantes aprendem - e muito - falando uns com os outros e compartilhando saberes e dúvidas. “Trata-se de um recurso didático poderoso. Não podemos nos apegar a estereótipos”, explica Claudia Siqueira, diretora do Instituto Sidarta.

Além disso, segundo Flávia Vivaldi, do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral de várias universidades e secretária de Educação de Poços de Caldas, essa maneira de trabalhar desenvolve a autonomia e faz da cooperação um valor.“Não há motivos que justifiquem usarmos o tempo todo a dinâmica individualista no ambiente escolar”, afirma Flávia. Quando são estabelecidos na Base Nacional Comum Curricular (BNNC) campos de experiência na Educação Infantil, já está sendo conside- rado o trabalho em grupo com as crianças como forma de aprendizagem potente. Karina Rizek, especialista do Time de Autores de NOVA ESCOLA de Educação Infantil, explica que atuar na perspectiva dos campos pressupõe focar nos pequenos, mudar a rotina, parar de organizar o dia com diversas atividades estanques.“Não podemos pensar sempre na grande roda, com todos fazendo a mesma coisa, nem em pequenos grupos com a mesma tarefa. A diversidade de experiências é fundamental e a autonomia também. Enquanto o professor trabalha com um grupo em uma atividade mais estruturada (a escrita de um bilhete, por exemplo) os demais estão fazendo atividades mais livres, como um quebra-cabeça.

QUEM É QUEM NO GRUPO
Cada estudante precisa aprender a se reconhecer e aos colegas também em relação à postura e corrigir comportamentos para trabalhar de forma produtiva. Conheça algumas posturas:



Emissor: Tende a falar muito e tem dificuldade em ouvir opiniões
Satélite: Distraído, orbita o grupo
Receptor: Escuta os outros o tempo todo, contribui pouco.
Centro: Propõe soluções, tem competência de resumir as falas e orientar o grupo.
Ausente: Pouco participativo, escapa das tarefas porque sai da sala e demora a voltar.

Fonte: Flávia Vivaldi, mestre em Psicologia Educacional e secretária de Educação em Poços de Caldas

Como agrupar os alunos?

Segundo Lev Vygotsky (1896-1934), não se adquirem conhecimentos só por meio do trabalho direto dos educadores. De acordo com sua perspectiva, a aprendizagem de relações colaborativas entre estudantes deve ter espaço privilegiado. Para tirar o melhor proveito possível do trabalho em grupo, é preciso levar em conta alguns aspectos, garantir que certas características sejam contempladas. Para começar, é preciso ter clareza dos objetivos e os motivos que fazem dessa estratégia de trabalho a mais indicada para o conteúdo em cena. Realmente existe demanda para o trabalho ser feito por várias pessoas? Rachel Lotan, professora da Universidade Stanford, explica no livro Planejando o trabalho em grupo: estratégias para salas de aula heterogêneas que existem tarefas adequadas para essa modalidade. Elas exigem resolução de problemas complexos, fornecem oportunidade para os alunos utilizarem múltiplas habilidades intelectuais para compreender a tarefa e para demonstrar competência intelectual, abordam conteúdo importante, exigem interdependência positiva e responsabilidade individual e incluem critérios claros para a avaliação.

Na atividade de desenho da planta baixa e construção de maquete, elaborada por Yuri, tudo isso está contemplado. “Para trabalhar noções espaciais e figuras geométricas, encaminhei os grupos e, ao mesmo tempo, cada integrante, a participar contribuindo com ideias e responsabilidades. Depois, dediquei-me a ensinar a turma a trabalhar coletivamente de forma proveitosa”, conta o educador.  O trabalho em grupo, por si só, já é um conhecimento a ser aprendido, que considera o aprendizado da autonomia e da cooperação. Para desenvolvê-lo, segundo a pesquisadora espanhola María José Díaz-Aguado, regras são necessárias. O ponto de partida cabe ao professor: explicar a importância de todos fornecerem argumentos para suas ideias e uns ouvirem os outros, dando chance de o colega falar. Lembrando, claro, de escutar a classe a respeito da validade desse formato (leia abaixo). Fora da escola, realizar tarefas em grupo faz parte do dia a dia, é assim que acontece no mundo do trabalho. Cada um é responsável por uma parte. E assim, em conjunto, forma-se o todo.

Outro ponto importante é que os conflitos virão e isso não é 100% negativo. Graças a eles dão-se o desenvolvimento intelectual e a apren- dizagem, como escreve Anne Nelly Perret-Clermont, colaboradora de Jean Piaget, em Desenvolvimento da Inteligência e Interação Social. É preciso, nesse contexto, virar a chave da experiência que tivemos como aluno. Um erro comum, por exemplo, é acreditar que quando trabalham em grupo os alunos estão fazendo bagunça e não precisam de orientação. Também é comum pensar que trabalho em grupo é sinônimo de interação, automaticamente. Para interagir de verdade, é preciso compartilhar saberes, com trocas de ideias, opiniões e dúvidas, e atuar de modo solidário. Para que isso aconteça de modo satisfatório, não vale deixar os estudantes escolherem por conta própria com quem querem fazer as tarefas. É também tarefa docente pensar em agrupamentos produtivos. Mais um ponto a ser contemplado tem a ver com fazer com que os alunos se esforcem e entendam que cometer erros faz parte. Em outras palavras, caro professor, é preciso delegar autoridade, fazer com que os estudantes sejam responsáveis por partes específicas da tarefa, deixando-os livres para cumprir os afazeres da maneira que decidirem ser a melhor, sendo responsáveis pela entrega final ao docente.

COMO ORGANIZAR E MEDIAR O TRABALHO EM GRUPO

Cinco regras para colocar em prática

Juntos até o fim
Ninguém termina enquanto todos não terminam. Todos os integrantes precisam ficar juntos até o final, auxiliando ou apoiando um colega.

Um ajuda o outro
Todos têm o direito de pedir ajuda e o dever de ajudar. Os alunos devem ser corresponsáveis pela aprendizagem do outro e se sentir autorizados a dizer que não entenderam algo.

Fundamente as ideias
As sugestões devem ser argumentadas. É importante que todos aprendam a explicar o que e como pensam, defendendo suas ideias de modo fundamentado.

Mais autonomia
A autonomia deve ser incentivada. Mas essa regra não tem a ver com fazer no lugar do outro. Espera-se dar condições para que o colega atue sem ajuda num momento futuro.

Planejamento é tudo
O que temos de fazer? Quais tarefas vamos resolver primeiro? Se o trabalho em grupo é realizado de forma orgânica, com pressa, a qualidade fica comprometida.

POR QUE TRABALHAR EM GRUPO?

1) É uma boa estratégia
Excelente técnica para o aprendizado conceitual, resolução criativa de problemas e o desenvolvimento de proficiência em linguagem acadêmica.

2) Ajuda o trabalho em equipe
Ensina habilidades para atuar em equipe que podem servir para muitas situações, sejam escolares, sejam da vida adulta.

3) Promove a equidade
Aumenta a chance de aprender conteúdos e desenvolver a linguagem e, portanto, tem o potencial para formar salas de aula equitativas.

4) Alunos cordiais
Melhora as relações intergrupais entre os alunos, aumentando a confiança e a cordialidade deles.

Fontes: Telma Scott, coordenadora pedagógica do programa Ensino para Equidade (EpE) do Instituto Sidarta e Livro Planejando o Trabalho em Grupo - Estratégias para salas de aula heterogêneas (Editora Penso)