Autismo: conheça o PRT e Denver, duas abordagens para trabalhar com crianças com autismo
O Treinamento de Respostas Pivôs e o Modelo Denver de Intervenção Precoce partem de propostas lúdicas para ajudar crianças com Transtorno do Espectro Autista a se comunicar melhor logo no início da vida, desenvolvendo comportamentos de interação social
POR: Beatriz VichessiResultado do trabalho de pesquisadores como Robert Koegel, o Treinamento de Respostas Pivôs (Pivotal Response Treatment®, PRT® (na sigla em inglês) é um método de intervenção comportamental e considerado uma ramificação da Análise do Comportamento Aplicada (ABA). Esse tratamento lança mão da motivação da criança com autismo para ensinar a ela novas habilidades em situações naturais e em ambientes variados. O achado de Koegel e seus colaboradores, que deu origem ao PRT®, foi perceber que crianças com autismo se revelavam bastante desinteressadas em aprender. Apesar disso, quando expostas a situações naturais, sem formalidade e com respeito às escolhas feitas por elas, a aprendizagem acontecia com maior frequência e de modo mais natural.
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Já o Modelo Denver de Intervenção Precoce (Early Start Denver Model® / ESDM®, na sigla em inglês) deriva do PRT® (e, consequentemente, da ABA) e é um método desenvolvido por Sally Rogers e estudiosos que atualmente fazem parte da equipe do Centro de Excelência em Autismo, no Uc Davis MIND Institute, na Califórnia (Estados Unidos). Focado em jogos e brincadeiras e na interação entre paciente e terapeuta mediada por eles a fim de promover a interação social, o Modelo Denver é um dos métodos de tratamento do autismo com eficiência comprovada cientificamente, tal como o Teacch®. Em 2012, foi eleito pela revista norte-americana Time como um dos 10 maiores avanços da medicina.
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Para entender melhor os dois métodos, NOVA ESCOLA conversou com três especialistas: Carolina Salviano de Figueiredo, psicóloga e mestre em Psicologia clínica pela PUC-RJ, com ênfase em autismo e desenvolvimento da linguagem e da subjetividade, e que atua como terapeuta comportamental no Rio de Janeiro; Michele Matsumoto, psicóloga, especialista em ABA da clínica Nexo Intervenção Comportamental, em São Paulo; e Edinizis Belusi, fonoaudióloga, especialista em intervenção precoce em autismo e supervisora do Instituto Farol, em Florianópolis.
1. Qual o foco do PRT®?
Explorar técnicas motivadoras para aumentar as imitações e as vocalizações espontâneas da criança com autismo, além de fazer com que ocorra a generalização do comportamento em vários ambientes e a diminuição dos chamados comportamentos disruptivos – e a consequente substituição deles por comportamentos comunicativos.
2. Quais os principais focos do trabalho com PRT®?
Valorizar a escolha da criança, usar reforçadores naturais (oferecer objetos, elogios ou atividades diretamente relacionadas ao que está sendo ensinado, como consequência às respostas corretas), recompensar as tentativas, intercalar tarefas já aprendidas e de aquisição de novos comportamentos, investir na variação de tarefas e lançar mão de múltiplas pistas.
3. O que são áreas pivôs?
Segundo o PRT®, pivôs são áreas críticas no desenvolvimento da criança com autismo, que provocam mudanças e avanços no desenvolvimento de outras áreas se estimuladas adequadamente. Foram identificadas por Keogel e sua equipe. A motivação é considerada a primeira e mais importante área pivô.
4. O que o terapeuta que trabalha com PRT® faz na prática com a criança ou o jovem com autismo?
Além de trabalhar com brinquedos e brincadeiras com crianças pequenas, tal como faz o Modelo Denver, é possível ensinar a criança a ler usando os pacotes de biscoito preferidos dela, ensinar expressões faciais lançando mão de tirinhas da turma da Mônica ou de outros personagens que sejam queridos por ela. Para trabalhar sentimentos, é possível usar os filmes preferidos, parando em momentos importantes e falando sobre eles, como se colocar no lugar do outro, pedindo para a criança com autismo dizer o que acha que o personagem está sentindo e o que acha que ele pode fazer na próxima cena.
5. Qual a estratégia central de trabalho do Modelo Denver?
A construção de uma relação afetiva com a criança pequena com uso de jogos e brincadeiras. Quem trabalha com o Modelo Denver defende que interações sociais positivas são capazes de aumentar a motivação da criança com autismo na busca de novos contatos sociais e ampliar a capacidade dela de aprender.
6. A partir de que idade o tratamento com o Modelo Denver pode acontecer?
Desde o primeiro ano de vida da criança. A precocidade é valorizada no Modelo Denver, pois seus estudiosos defendem que quanto mais cedo comecem as intervenções, mais fácil será minimizar os sintomas do autismo e os comportamentos disruptivos – consequentemente, com melhores resultados alcançados no desenvolvimento, com maior proximidade ao de uma criança sem autismo – chamada de neurotípica.
7. Há determinação de brincadeiras e jogos específicos no Modelo Denver?
Existem dois tipos de modelos de jogos e brincadeiras centrais que precisam ser explorados: com objetos (carrinhos, blocos lógicos, quebra-cabeça), sem objetos em que a interação social é o centro da atividade (siga o mestre, brincadeiras de roda, esconde-esconde) e atividades de mesa (desenhar, pintar, brincar com massa de modelar). Brinquedos eletrônicos, que emitem luzes e sons, não são bem-vindos porque roubam o foco da interação e podem deixar a criança focada demais nele próprio. O melhor é que os brinquedos selecionados demandem a participação do outro para brincar.
8. Como o terapeuta determina os jogos e as brincadeiras a explorar com a criança?
Quem escolhe não é ele e sim a criança. Levando isso em conta, o profissional desenvolve o trabalho durante a sessão, considerando também a avaliação de desenvolvimento inicial, que determina o nível de desenvolvimento, identifica atrasos e potencialidades e estabelece as habilidades que precisam ser ensinadas (como comunicação e independência social). Apesar de parecer que é a criança que dita o desenrolar das sessões terapêuticas, a intervenção profissional é bastante planejada com um plano terapêutico estabelecido e revisto continuamente.
9. Por que brincar ajuda no desenvolvimento de crianças pequenas com autismo?
Segundo o Modelo Denver, brincando as crianças têm oportunidade de desenvolver competências sociais e aprendem a se comunicar de forma natural, tal como crianças neurotípicas. Durante a sessão com jogos e brincadeiras, são desenvolvidas também motricidade fina e grossa. As habilidades de motricidade grossa compreendem movimentos motores complexos como saltar, correr ou atirar objetos. A motricidade fina compreende destrezas como agarrar objetos, recortar figuras ou abotoar botões.
10. O terapeuta ensina a criança com autismo a brincar?
Sim, ele se torna um parceiro de brincadeira e de jogo. O terapeuta também ajuda a criança a se interessar por brincar, dando instruções verbais, mostrando com gestos como fazer, pegando na mão dela para fazer junto. Isso se justifica porque a interação da criança com autismo com o meio é atípica. Diferentemente da criança neurotípica, ela perde muitas oportunidades de aprendizagem, se fixa em partes específicas de objetos, foca atenção em movimentos repetitivos, não presta atenção ao que é relevante.
11. Crianças com e sem autismo podem brincar juntas?
Devem. Os ganhos para ambas são imensuráveis no que diz respeito à aprendizagem da convivência, tolerância e respeito às diferenças. No Modelo Denver, inclusive, é previsto, em determinada parte do tratamento, brincadeiras e jogos com várias crianças reunidas, aproveitando diversas situações de aprendizagem fruto da interação entre elas. Isso acontece no ambiente escolar, com participação do educador. Estando junto de crianças neurotípicas, crianças com autismo têm exemplos nelas de como brincar, são expostas à situação de pedir para brincar junto e fazê-lo, dentre outros ganhos e interações sociais valiosas para o desenvolvimento delas.
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