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Livros podem ajudar a trabalhar competências socioemocionais na escola

Mais do que um autor ou manual, o olhar do professor é essencial na escolha de uma história que o auxilie nesse aprendizado

POR:
Paula Calçade
Crédito: Getty Images

O desenvolvimento de competências socioemocionais no ambiente escolar cria espaço para um aprendizado mais completo e tem impacto no bem-estar dos alunos. As escolas do século 21 precisam descobrir como inspirar os seus alunos enquanto eles aprendem, além de estimulá-los a dialogar, refletir e se organizar. E uma das formas de promover esse desenvolvimento em aula é por meio de narrativas. Os livros, as histórias, fábulas e poesias podem ser disparadores de reflexões não só sobre os personagens ou fatos relatados, mas sobre os próprios alunos.

Trabalhar as competências socioemocionais envolve muito mais uma mudança de postura, de crenças, de modo de pensar e fazer o processo ensino-aprendizagem do que simplesmente passar novos conteúdos programáticos. “O movimento a que assistimos hoje na Educação é pelo resgate da totalidade do ser humano, pela integração entre razão e emoção”, afirma Anita Abed, psicopedagoga e consultora da Unesco.

Os resultados dessa mudança são sentidos na própria sala de aula, como mostram pesquisas do Instituto Ayrton Senna e estudos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Alunos mais responsáveis, focados e organizados aprendem em um ano letivo cerca de um terço a mais de Matemática do que os colegas que apresentam essas competências socioemocionais menos desenvolvidas. Em Português, os efeitos são semelhantes e alunos mais abertos e protagonistas têm seu aprendizado impulsionado em um terço.

Por que trabalhar socioemocionais

Trabalhar competências socioemocionais com crianças é necessário porque o ser humano é, fundamentalmente, um ser social e emocional. “Em um mundo altamente tecnológico, a falta dessas competências tem denotado uma grave crise dos sentidos e das relações humanas”, observa a professora e pós-doutora em Artes pela Universidade de Campinas (Unicamp), Fernanda Maria Macahiba Massagardi. Ela explica a questão em sua tese de doutorado Percursos da Literatura na Educação – Ensinar Contando Histórias.

Segundo Fernanda, a literatura permite uma reflexão profunda de questões existenciais. Para explorar e desenvolver essas competências, ela sugere falar em terceira pessoa, pois isso ajuda as crianças a elaborar conflitos e desafios internos que, muitas vezes, não são verbalizados em primeira pessoa. Nesse contexto, é recomendável que o professor observe suas turmas de modo a buscar na literatura temas que tenham ressonância com a necessidade apresentada. Os temas também devem ser adequados para a faixa etária, diz a pesquisadora Fernanda Massagardi.

O universo dos livros, quando trabalhado de forma lúdica, coloca a criança em narrativas e padrões de acontecimentos que sugerem formas de lidar com problemas e ressignificá-los. “Isso colabora para a ampliação de repertório e compreensão de consequências e sentimentos do outro”, comenta Karine Ramos, orientadora pedagógica da Educação Infantil do Colégio Santa Maria.

Como fazer em aula

Eduardo Calbucci é professor e um dos coordenadores do Programa Semente, que desenvolve discussões e aulas sobre aprendizagem socioemocional. Para ele, os livros oferecem aos professores uma maneira de abordar as questões socioemocionais a partir do universo de referência dos estudantes. “Principalmente pelo fato de as personagens de obras de ficção apresentarem sentimentos, pensamentos e comportamentos análogos aos nossos”, explica.

No Ensino Infantil, é recorrente a utilização de livros com "moral da história". Muitas dessas fábulas apresentam elementos concretos que figurativizam conceitos abstratos. “Normalmente, são animais personificados as personagens centrais desses textos. A 'moral' não é nada mais do que a explicitação do tema do texto. O que os professores precisam verificar é se essa moral é compatível com seus objetivos pedagógicos”, aponta Eduardo. 

De acordo com o coordenador, mesmo as obras que não foram planejadas para trabalhar competências socioemocionais podem servir para esse fim. “Nesse momento, sempre costumo dizer que ninguém conhece melhor as próprias turmas do que os professores. Uma boa obra é aquela que permite que o professor discuta o que precisa ser ensinado e que, ao mesmo tempo, desperte o interesse e a curiosidade dos alunos”. Assim, o recorte didático feito pelo professor é mais importante do que o livro em si. “Recomendamos que os professores que já desenvolvem competências socioemocionais conversem com os colegas da área de linguagens para tentar aproveitar as mesmas leituras. Isso costuma funcionar bem”.

Os conteúdos socioemocionais devem ser trabalhados em uma espiral, que leve em conta as experiências de cada faixa etária. Eduardo Calbucci afirma que, em geral, como os professores que já são especialistas em um determinado nível, conseguem modular o discurso para cada série. “Falar da importância de emprestar um brinquedo, por exemplo, funciona como exemplo de cooperação para crianças pequenas na Educação Infantil. Já o cuidado diante de uma situação em que uma pessoa é convidada para experimentar álcool faz mais sentido para uma aula de autocontrole ou de decisões responsáveis no Ensino Médio”, diz.

Nesse sentido, para desenvolver competências socioemocionais, o melhor material é a interação entre professores e alunos. “De nada adianta um manual, um livro ou recurso lúdico se os professores não atuam assertivamente na relação com seus alunos”, conclui.

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