Jo Boaler: ninguém precisa nascer com um “cérebro matemático” para aprender cálculos
A autora do livro “Mentalidades Matemáticas”, afirma que o cérebro muda o tempo todo e pode criar novos caminhos para aprender Matemática
POR: Flavia Nogueira“Todos nós temos cérebros que estão mudando o tempo todo. Mesmo que você odeie Matemática e não compreenda muito bem, você pode aprender a qualquer momento de sua vida”, diz a professora de educação Matemática da Universidade de Stanford, Estados Unidos, Jo Boaler.
Jo, autora de nove livros, incluindo “Mentalidades Matemáticas – Estimulando o Potencial dos Estudantes por meio da Matemática Criativa, das Mensagens Inspiradoras e do Ensino Inovador”, esteve recentemente em São Paulo para participar do 2º Seminário de Mentalidades Matemáticas.
Durante sua palestra, a professora questionou a ideia de que as pessoas precisam ter nascido com um “cérebro matemático”, ou que precisem pensar apenas em números e cálculos, e explicou porque é preciso também ter ideias visuais e criativas e aprender a disciplina sem se prender à velocidade de resolução de contas e problemas ou performance em provas.
A afirmação de Jo parece otimista, principalmente se levarmos em conta os resultados do Brasil na disciplina em avaliações como o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa).
O desempenho médio dos jovens brasileiros de 15 anos na avaliação da disciplina foi de 377 pontos, um valor inferior à média dos estudantes dos países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que coordena o exame realizado a cada três anos. Esses últimos resultados foram divulgados no final de 2016 e, ao todo, 72 países participaram do exame.
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Mas, para a educadora que também é consultora do Pisa e uma das fundadoras da plataforma matemática Youcubed, é possível melhorar o aprendizado de Matemática no país aplicando uma estrutura criada por ela em seu livro mais famoso, baseada em Seis Chaves, que são informações importantes para o aprendizado da Matemática: crescimento do cérebro, mentalidade, esforço, multiplicidade, flexibilidade e profundidade e colaboração.
Veja abaixo como Jo explicou cada uma dessas chaves.
Crescimento do cérebro
“A primeira das chaves é muito importante, é o conhecimento que temos de que os cérebros estão sempre em crescimento”, afirma Jo.
De acordo com a professora, esse conhecimento invalida a ideia que muitos estudantes acreditam: a de que alguns nasceram com um “cérebro matemático” e outros não.
“É assim que funciona: toda vez que aprendemos alguma coisa nós fazemos um novo caminho no cérebro ou fortalecemos um já existente; ou ainda formamos conexões entre os caminhos (já existentes). É assim que cérebros matemáticos se desenvolvem, ninguém nasce com estes caminhos, nós vamos desenvolvendo-os durante nossas vidas”, explica.
Jo cita um exemplo ocorrido na Austrália, o caso de Nicholas Letchford. Em seu primeiro ano de escola, os pais do menino foram informados de que ele tinha deficiência de aprendizagem.
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“Disseram aos pais dele que ele nunca aprenderia, não conseguiria fazer conexões, ler ou escrever”, conta a professora.
No entanto, a mãe de Nicholas, Lois, não aceitou o que os professores diziam e trabalhou com Nicholas ensinando-o a se concentrar, relacionar, ler e escrever. Em 2018 Lois Letchford publicou um livro descrevendo o trabalho com Nicholas, chamado “Reversed”. Neste mesmo ano, ele se formou na Universidade de Oxford, com doutorado em Matemática aplicada.
“A mãe dele não acreditou (nos professores), trabalhou com Nicholas e foi com ele até onde ele está agora.”
Mentalidade
Jo Boaler explica que a segunda chave fala sobre a importância daquilo que você acredita a respeito de si mesmo.
“Minha colega em Stanford, (a professora de psicologia) Carol Dweck, publicou décadas de pesquisa mostrando que o você acredita a respeito de si mesmo vai mudar os resultados em sua vida. É importante para nossos estudantes e para você ter essa mentalidade do crescimento, acreditar que pode aprender. Mas, acontece que os rótulos que usamos na Educação são muito prejudiciais”, afirma.
A professora também afirma que, de acordo com outro estudo, quanto mais a ideia da existência de algum tipo de talento especial é valorizada em um campo determinado, menor será o número de estudantes mulheres e afrodescendentes naquele campo de estudo.
“Essas ideias que temos, que as pessoas têm um talento especial, são brilhantes ou têm um dom, também estão ligadas a ideias de gênero e de raça. Por que temos estes limites quanto todos nós estamos em uma jornada de crescimento?”, questiona Jo.
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A professora afirma que era uma mentalidade comum entre professores de Matemática e também de filosofia: a de que os estudantes precisam de um cérebro especial para se aprofundar nestes campos. Mentalidade que foi descartada por muitos educadores e neurocientistas depois de muitos anos de pesquisas.
Esforço
A terceira chave descrita por Jo Boaler em seu livro é a que valoriza o conceito do esforço para aprender Matemática.
“Quando cometemos erros, quando achamos que o trabalho é muito difícil, estes são os melhores momentos para nossos cérebros, é aí que nossos cérebros estão crescendo mais”, diz.
Jo explica que há muitas provas que demonstram que é muito bom lutar para aprender.
“Não é bom para as crianças olhar para os professores e pensar: é assim que uma ‘pessoa da Matemática é, eles sabem de tudo, eles nunca cometem erros’. Nós devíamos ser modelos para estudantes, e (mostrar que) tudo bem cometer erros, o seu cérebro cresce. Tudo bem não saber de alguma coisa, você pode descobrir”
Em seu livro, Jo entrevistou professores que estão usando este conceito de esforço e conseguindo ótimos resultados. Uma dessas foi a professora Jennifer Schaefer, que dá aulas para o 6º ano em Ontário, Canadá. Ela desenhou uma espécie de escada para demonstrar aos alunos como deve ser o esforço.
“Adoro o fato de que Jennifer estimula o esforço entre seus estudantes. Ela fala aos estudantes: vocês precisam estar nos degraus do esforço. Você não precisa ser a pessoa no degrau mais alto, mas você não precisa ser aquele que está no mais baixo, você precisa subir os degraus e se esforçar”, conta.
A professora de Stanford também relata sobre outra metáfora criada pelo professor inglês James Nottingham, que ele batizou de “O poço do Esforço”, ou o “Poço do Aprendizado”. Esta metáfora também foi usada por Jennifer.
“Jennifer conversa com os estudantes sobre estar no ‘Poço do Aprendizado’. E os estudantes fizeram uma imagem juntos: no caminho para dentro do poço eles escreveram ‘estou tão confuso, é difícil’. Mas no caminho para fora do poço, eles escrevem: ‘está ficando mais fácil, consigo fazer isso’.”
“Jennifer me contou que os estudantes vão até ela e dizem ‘Senhorita Schaefer, estou no fundo no poço’. E ela responde: ‘Fantástico. Quais ferramentas posso te dar para ajudar?’. Essa resposta é muito importante, ela não pula (dentro do poço) e mostra os passos para que os alunos não lutem, ela quer que eles estejam neste lugar de esforço. E oferece as ferramentas que podem ajudar”, afirma.
Multiplicidade
A quarta chave citada por Jo é a multiplicidade, que se refere à importância de enxergar o conhecimento de formas diferentes.
“De acordo com neurocientistas de Stanford há cinco áreas no cérebro para o pensamento matemático e duas delas são caminhos visuais. Nós queremos que nossos cérebros pensem visualmente, é muito importante ter estes caminhos visuais. O que também é importante é ter os nossos caminhos do cérebro se comunicando uns com os outros.”
Para a professora, quando enxergamos a Matemática destas maneiras diferentes, fazemos com que os caminhos em nossos cérebros se comuniquem.
“Quando vemos algo em números e também vemos como uma figura, algo visual, isso causa essa comunicação cerebral. E as pessoas que têm melhor desempenho no mundo são as pessoas com mais dessas comunicações (em seus cérebros)”, explica.
Mas a professora alerta que, quando se trabalha a Matemática como um conteúdo engessado, toda a mentalidade da multiplicidade cai por terra. Por isso, ela prefere transformar o ensino da Matemática em algo multidimensional.
“Quando damos uma questão aos estudantes como números, ouvimos ‘isso é fácil’, outros falam ‘é difícil’. Você dá a eles a mesma questão como uma questão visual, e isso acaba: todos enxergam de formas diferentes e podem conversar sobre as formas visuais diferentes que enxergam. É muito importante ter esta abordagem conectada”, afirma.
Flexibilidade e profundidade
A próxima chave fala sobre a importância de valorizar o pensamento profundamente flexível em Matemática. E, para isso, Jo começa falando do livro “Elastic”, escrito pelo físico Leonard Mlodinow.
“(Ele afirma que) Na sociedade ocidental valorizamos este pensamento de procedimento, mas o pensamento flexível e criativo é o que tem mais alcance. Ilustrando no momento em que estamos nesse século 21: o pensamento de procedimento pode ser feito por um computador, de uma forma melhor do que qualquer um. Mas o pensamento criativo e flexível, eles (os cientistas) estão na estaca zero quando tentam fazer com que os computadores pensem desta forma”, conta Jo.
“Não precisamos que nossos estudantes sejam computadores. Precisamos que o pensamento deles seja flexível”, acrescenta.
Para ilustrar melhor, Jo pediu aos presentes que fizessem um cálculo mental de 18X5 e perguntou qual o caminho percorrido para chegar ao resultado.
“Você pode pensar em 20 vezes cinco e tirar dois cincos. Ou você pode pensar em dez vezes cinco e oito vezes cinco e juntar os dois. Isso é flexibilidade de números. Quebrar os números, juntar os números.”
Ao falar sobre estes métodos com adultos, muitos respondem à professora que acreditavam que este caminho para se chegar ao resultado não era permitido o que Jo afirma ser uma prisão: as pessoas foram ensinadas a não ter flexibilidade e seguir regras.
Outro problema que, segundo a professora impede a flexibilidade, é a velocidade exigida dos alunos.
“A velocidade é a inimiga do pensamento flexível. Quando falamos para os estudantes em sala de aula que eles precisam ser rápidos com Matemática, afastamos muitos deles.”
Jo explica que existe uma parte do cérebro, a memória de trabalho, que para de funcionar quando as pessoas estão estressadas e isso pode acontecer quando você está tentando calcular a conta no restaurante e precisa ser rápido ou quando um aluno precisa completar a prova de Matemática em um tempo limitado.
Em seu trabalho com neurocientistas em Stanford, Jo detectou a ansiedade das pessoas em relação à Matemática.
“Quando elas veem algum número, o centro de controle do medo fica ativo no cérebro. O mesmo centro de medo que fica ativo quando vemos cobras ou aranhas”, afirmou.
Colaboração
A chave final é sobre a importância da comunicação matemática, a colaboração na hora do aprendizado da disciplina.
“Quando conversamos com os outros sobre Matemática desenvolvemos partes importantes do cérebro. Por isso, é muito importante que as crianças discutam ideias matemáticas”, diz a professora.
Jo afirma que, em 2012, foi constatado que as meninas ficam mais ansiosas quando é dado a elas provas e testes cronometrados.
“Mas também em 2012 o Pisa deu uma prova de resolução de problemas de forma colaborativa. Estudantes, sozinhos, tinham que trabalhar com um ‘agente’ computadorizado para resolver problemas complexos. Em provas individuais, de velocidade, as meninas tiveram uma performance baixa, elas ficaram ansiosas e não foram bem. Mas nesta prova colaborativa, na qual foi testada a habilidade de resolver problemas, temos resultados ótimos”, explicou.
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