Apresentado por
Instituto Palavra Aberta logo branco

Crie sua conta e acesse o conteúdo completo. Cadastrar gratuitamente

E se as crianças fossem a imprensa? Aula desenvolve olhar crítico sobre a mídia

Ao produzir os próprios conteúdos, estudantes do Ensino Fundamental são estimulados a pensar sobre vídeos e textos que consomem

POR:
Dimítria Coutinho

Professor Marcio Gonçalves discute a produção com aluno do Colégio Eliezer Max, com apoio do computador. Foto: Marcio Gonçalves/Acervo Pessoal

Na Escola Eliezer Max, no bairro das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, os repórteres não dão descanso: se há um evento ou alguma saída pedagógica, lá estão eles com seus coletes, câmera, microfone e bloco de anotações. Os "furos" (jargão jornalístico usado para se referir a notícias dadas em primeira mão) conseguidos por eles vão para o canal do Youtube, redes sociais ou site da escola. A iniciativa é parte de duas disciplinas lecionadas pelo professor Marcio Gonçalves: Tecnologias Digitais de Comunicação e Informação, do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, e Mídias Digitais, no 6º e 7º anos, em articulação com as aulas de Língua Portuguesa e com projetos interdisciplinares.

O professor é jornalista, doutor em Ciência da Informação e dá aulas também em instituições de Ensino Superior. No Ensino Fundamental, Marcio aborda conceitos relacionados ao uso da internet e à leitura da mídia, como letramento digital, segurança da informação e segurança dos dados na internet, temas que, em escolas onde essas disciplinas não existam, podem ser abordados dentro da área de Linguagens ou de forma interdisciplinar, seguindo recomendações da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (leia quadro no fim da matéria). O campo jornalístico é um dos descritos pelo documento como possível de se trabalhar nas aulas de Língua Portuguesa e as estratégias de procura de informações, realização de entrevistas, checagem e composição de textos e vídeos formam um repertório importante para articular os conhecimentos de quase todas as áreas de conhecimento. “As crianças e os jovens são muito motivados a usar o ambiente digital. Eu me vejo como um mediador de todo esse acesso, despertando neles um espírito crítico do que vão consumir”, define Marcio. 

Uma parte importante desse trabalho está em transformar os estudantes em produtores de conteúdo. “A imprensa-mirim tira os alunos da posição de meros consumidores de informação”, afirma o professor. A ideia é que, conhecendo os bastidores da produção de mídia, os jovens passem a ter um olhar cada vez mais refinado também para a qualidade dos conteúdos que consomem.

A ideia do projeto surgiu nas turmas de 1º e 2º anos, em que as crianças ainda estão em processo de alfabetização. Em busca de uma solução para trabalhar com crianças dessa idade, quando nem todas sabem ler e escrever convencionalmente, o professor percebeu que poderia estimular os alunos a produzir conteúdos, de acordo com suas possibilidades e usando linguagens diversas. "Eu comecei a perceber que se eu entregasse um microfone na mão da criança, ela poderia se tornar uma repórter audiovisual", explica. O letramento digital e midiático acontece em paralelo às aulas de alfabetização e utilizando recursos diversos, como celulares, computadores, papel e caneta. "Também notei que a escola era um organismo bastante vivo em termos de eventos, e as crianças seriam as protagonistas deste cenário para registrar o que estavam vendo”, conta Marcio.

Câmera e microfone na mão, as crianças exercitam a oralidade na realização de entrevistas. Foto: Marcio Gonçalves/Acervo Pessoal

Discussão sobre a mídia

Antes de sujar os tênis atrás de informações para transformar em conteúdo, as turmas discutem sobre o que elas já consomem. Para os alunos de Marcio, são os youtubers as maiores referências de mídia. O professor conta que eles acreditavam que os influenciadores produziam para seus canais apenas por diversão. Elaborar vídeos foi uma das estratégias pensadas por ele para desmistificar essa ideia. “Criamos pautas, fizemos roteiros e levei toda a turma à experiência de falar para as câmeras. Depois mostrei que o que fizeram poderia ser editado. Então, eles passaram a compreender que a imagem e os vídeos podem ser manipulados”, explica. Além disso, ele apresentou o funcionamento da plataforma na qual os conteúdos são publicados, mostrando que ela possibilita que os produtores ganhem dinheiro com base nas visualizações.

Partindo do interesse dos estudantes – especialmente por youtubers, mas também por memes, por exemplo –, Marcio busca ampliar o repertório dos estudantes com relação à história das mídias e às fontes de informação que usam. “Eu quero trazer a seguinte preocupação: não há mídias apenas no digital”, justifica Marcio. Para o professor, quando as crianças entendem o passado da imprensa, passam a relacioná-lo com o presente.

Uma das primeiras etapas do projeto imprensa-mirim consiste justamente em discutir o funcionamento do jornalismo tradicional. “Em linguagem adequada para cada turma, eu revelo os bastidores da produção de notícias”, afirma o professor. Ele ensina sobre os cargos dentro de uma redação e sobre como funciona a apuração jornalística. “Com o projeto, consigo falar, por exemplo, sobre manipulação de imagem ou de discurso enviesado. Quando decidimos as pautas, eu explico que podemos decidir o que colocar em nosso relato”, diz.

Os membros da imprensa-mirim são identificados por um colete próprio durante os eventos realizados pela escola. Foto: Marcio Gonçalves/Acervo Pessoal

Alunos se tornam repórteres

Cada sala tem sua própria estrutura de imprensa, com pauteiros, que definem os temas a serem acompanhados, repórteres, que vão atrás das informações, e editores, que finalizam os conteúdos. Os alunos são divididos nos cargos de acordo com as preferências de cada um, e aí começa a preparação para a apuração. Se a turma vai para um passeio, por exemplo, eles precisam pensar antes o que poderá acontecer de interessante para se tornar conteúdo. “Pauta definida, todos saem com os equipamentos necessários à cobertura”, conta Marcio.

A tecnologia é grande aliada, mas se ela não estiver presente, não há problema: câmeras, microfones, celulares, mas também papel e caneta são as ferramentas para a realização do trabalho. “A cultura digital não está ligada apenas ao uso de computadores. Há muitas outras questões a serem trabalhadas, como a segurança e privacidade de dados e discurso de ódio. E essas questões não precisam ser trabalhadas dentro de um ambiente digital já que, com crianças, o principal é a conversa”, diz Marcio. “Se a escola não tem Wi-Fi, fazemos roteiro de filme, o storyboard da história, por exemplo. É isso que eu faço, se não tem a tecnologia digital, eu tenho sempre uma atividade offline para poder mostrar que eu estou falando de cultura digital”, completa.

Depois de coletado, o material passa por um processo de edição liderado pelo professor, que varia de acordo com a idade das crianças. “Com o avançar dos anos, eles vão ganhando mais responsabilidades. Se no 1º ano o foco é mais no desempenho oral, com entrevistas, a partir do 4º ano eles aprendem a redigir o texto e, no 5º, o foco é no audiovisual, levando-os a entender o processo de edição de imagens”, explica. Novamente, o computador é um grande aliado, mas outros recursos podem ser utilizados: em vez de diagramar digitalmente um jornal-mural, é possível fazê-lo a mão, usando cartolina e canetinha.

Veja a seguir um vídeo produzido pelos alunos da Escola Eliezer Max:

Hoje o projeto já possui materiais e estrutura para funcionar a pleno vapor, mas ainda é possível aprimorá-lo. Marcio demonstra uma vontade de integrar ainda mais o trabalho com o de outros docentes: “A produção de reportagens é uma das orientações dadas pela BNCC para diversas disciplinas”, afirma.

Como resultado, Marcio conta que as crianças ficam muito orgulhosas de verem seus trabalhos finalizados. Geralmente, as reportagens prontas vão para o canal do YouTube ou para o site do colégio. Além disso, ele garante que o projeto também impacta positivamente no aprendizado dos pequenos. “As crianças se tornaram melhores oradoras, elas ficaram mais desinibidas. E se viram produtoras de conteúdos de valor, autoras da sua própria criação, autoras de mídia”, completa. 

Imprensa-mirim e consumo crítico da mídia - POR MARCIO GONÇALVES

Alunos em sala de aula produzem conteúdo autoral em formato audiovisual. Foto: Marcio Gonçalves/Acervo Pessoal



ÁREA
Mídias Digitais, porém pode ser realizado em Língua Portuguesa ou de forma interdisciplinar.

ANOS
Do 1º ao 7º anos do Ensino Fundamental

DURAÇÃO
Contínuo


OBJETIVOS

- Compreender o processo de elaboração dos conteúdos de mídia, diversos formatos (vídeos, textos, etc).

- Resolver problemas que envolvam a seleção e a organização de informações, compreendendo como esses processos se dão também entre os profissionais produtores de conteúdo. 


RELAÇÃO COM A BNCC

“Compreender e utilizar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares), para se comunicar por meio das diferentes linguagens e mídias, produzir conhecimentos, resolver problemas e desenvolver projetos autorais e coletivos.”

Competência 7 da área de Linguagens


PASSO A PASSO DO PROJETO

1. Pergunte aos alunos onde eles se informam sobre notícias e novidades em geral e questione quais mídias eles utilizam. Se necessário, cite exemplos como televisão, YouTube e Twitter. Convide-os a produzir conteúdos no mesmo estilo, acompanhando acontecimentos da escola.

2. Discuta as etapas de criação dos conteúdos: levantamento de pauta, criação de roteiro, busca de informações/apuração, redação e publicação.

3. Defina a pauta da cobertura jornalística e os formatos que serão explorados (vídeos, texto digital ou em jornal-mural, galeria de imagens, cobertura no Instagram ou Twitter, etc), de acordo com os recursos disponíveis e com as mídias que são acessadas pelo público da escola. Envolva professores de outras áreas e converse com a gestão da escola para que atividades previstas no dia a dia da instituição sejam incluídas na cobertura realizada pelos estudantes.

4. Oriente e apoie os estudantes na produção de conteúdos, sempre promovendo reflexões sobre as escolhas que fazem e destacando como isso ocorre na produção dos materiais que eles mesmos consomem.

5. Apoie-os na finalização e na publicação dos conteúdos. Combine como esse material será disseminado para a escola.

6. Sistematize o que foi aprendido durante o processo, com a ajuda dos estudantes. Converse sobre os desafios superados e liste cuidados a serem tomados nas próximas produções.

Este conteúdo é parte do projeto Educamídia, do Instituto Palavra Aberta, com apoio do Google.org, para incentivar a Educação Midiática e a liberdade de expressão.

Tags

Guias

Tags

Guias

Tags

Guias