Convite para pensar a saúde mental na escola
A psiquiatra Nise da Silveira revolucionou o tratamento de saúde mental por meio da inserção da arte nos cuidados com seus pacientes. Quais inspirações e aprendizados do seu trabalho podemos levar para a Educação?
POR: Ana Carolina C D'Agostini
As formas de tratamento de saúde mental no Brasil já foram diversas. O encarceramento dos vistos como "loucos" em manicômios, o uso de choques elétricos, a camisa de força e a lobotomia – intervenção cirúrgica no cérebro – foram alguns dos métodos amplamente utilizados no país para cuidar daqueles que sofriam algum tipo de transtorno. Tais recursos terapêuticos influenciavam, inclusive, a forma como pessoas que sofriam questões de saúde mental eram vistas e acolhidas na sociedade, inclusive nas escolas. Entretanto, uma figura brasileira, chamada Nise da Silveira, foi responsável por revolucionar o tratamento da chamada "loucura" no país e no mundo e, até hoje, é referência quanto a formas mais humanizadas de acolher aqueles que estão enfrentando alguma questão de saúde mental, ajudando a diminuir também o estigma que essas pessoas carregam.
Nise da Silveira foi uma médica psiquiatra alagoana. Nascida em Maceió, em 1905, foi a única mulher a se formar em Medicina em uma turma de 157 alunos. Aos 29 anos, começou a trabalhar em um hospital psiquiátrico no Rio de Janeiro e se opôs às formas de tratamento convencionais da época. Para ela, o isolamento, os choques e a camisa de força não eram as maneiras mais efetivas de se cuidar de um paciente em sofrimento. Como punição por não seguir o protocolo, foi transferida para o setor de Terapia Ocupacional do hospital – e foi justamente ali que ela começou a explorar outras formas de cuidar da "loucura". Priorizando relações de afeto e usando as Artes Plásticas e a modelagem como canais de comunicação com os seus pacientes psiquiátricos graves, que já não se expressavam verbalmente, ela encontrou uma forma de dar "voz" ao que não havia palavras. O resultado foi a produção de um ateliê em seu setor de trabalho, que atraiu a atenção de profissionais não só de saúde mental, como também de críticos de arte. Posteriormente, devido à abundância de produções, nasceu o Museu de Imagens do Inconsciente, no Rio de Janeiro, um espaço dedicado à exibição das obras produzidas por esses pacientes que hoje já conta com mais de 360 mil trabalhos. Nise também foi a responsável por introduzir a Psicologia Junguiana (ou Analítica) no Brasil, linha teórica criada pelo suíço Carl Gustav Jung que tem foco na experiência simbólica da mente humana.


Embora Nise da Silveira não tenha tido contribuições diretas na Educação, ela tem muito a inspirar e a ensinar a esse setor. Nise mostra que devemos buscar formas de acessar as pessoas e que cada uma delas tem um universo interno imenso a ser explorado. Ela nos ensina que não devemos buscar a normatização, e sim a pluralidade, que quando encontra vias de expressão adequadas, é capaz de fortalecer não somente a pessoa, mas também todo o ambiente.
Para a psiquiatra, os vistos como "desajustados", "loucos" e "diferentes", não deveriam ser silenciados, excluídos e marginalizados. Eles precisavam ser vistos em sua singularidade e potencialidade, que só se torna visível quando é criado espaço intencional para tal. Nise suscita questionamentos sobre políticas públicas específicas de saúde mental na escola e nos convida a pensar na real inclusão de alunos com deficiência na escola. Ela nos provoca a pensar em formas de cuidados com professores que enfrentam questões de saúde mental e precisam se afastar de suas atribuições ou seguir trabalhando como se nada estivesse acontecendo. Nise da Silveira continua atual e mais que necessária para repensarmos a interface entre Educação e saúde mental.
Ana Carolina C D'Agostini
Ana Carolina C D'Agostini é psicóloga e pedagoga com formação pela PUC-SP, especialização em psicologia pela Universidade Federal de São Paulo e mestre em Psicologia da Educação pela Columbia University. Trabalha com projetos em competências socioemocionais e é consultora do projeto de Saúde Emocional da Nova Escola.
Tags
Assuntos Relacionados