Alfabetização e letramento matemático: da decoreba à realidade
Alfabetizar matematicamente não é somente ensinar os números e sua grafia; veja quais são os caminhos para mudar sua prática
POR: Selene ColettiMatemática... muitos adultos e até mesmo crianças que estão começando o percurso escolar torcem o nariz quando ouvem o nome desse componente curricular. A Matemática é temida pela grande maioria das pessoas – consequência de experiências pouco exitosas já nos primeiros anos escolares.
Minha experiência com a Matemática não fugiu à regra: sou fruto de uma época em que o ensino se baseava em decorar e seguir fórmulas e modelos para “tirar” boas notas, o que não implicava em compreender o que se fazia. Tudo era baseado na memorização – e haja memória!!! Tabuada, modelos de problemas (a professora mudava apenas os números), muitas contas, muitas lições... fazia-se tudo, mas não se entendia quase nada.
Foi justamente essa relação que me fez, inicialmente, “detestá-la”. Foi também ela que, posteriormente, influenciou a forma como eu trabalharia a disciplina enquanto professora com meus alunos. Já na carreira docente, a formação continuada fez me enxergar a importância da Matemática no dia a dia e o quanto ela pode ser prazerosa e significativa.
Essa mudança refletiu na sala de aula. Procurei incentivar os meus alunos no mesmo movimento que havia feito: a descoberta da beleza da Matemática. Por meio das brincadeiras, jogos, situações problemas e rodas de conversa, por exemplo, procurei dar um sentido para o processo de ensino e aprendizagem. Aprendi a perguntar e a ouvir meus alunos. Por meio dos registros que fazia das aulas, busquei entender como pensavam para trazer novos desafios e, assim, permitir que vivenciassem uma nova relação com a Matemática – muito diferente daquela que tive nas minhas experiências escolares.
Matemática: da decoreba à realidade
Infelizmente, tanto tempo depois, ainda existe aquela Matemática distanciada da realidade e pautada na transmissão das informações e nas fórmulas, descontextualizada do mundo.
Mesmo antes de entrar na escola as crianças, no seu dia a dia, estão envolvidas com aspectos quantitativos da realidade, classificando, ordenando, quantificando, medindo, mantendo uma boa relação com a Matemática. Isto é facilmente constatado se observarmos os pequenos brincando com a exploração do seu próprio corpo, com os diferentes brinquedos, caixas vazias, bolas e outros objetos do seu cotidiano.
Entretanto, ao entrar na escola (desde a Educação Infantil), essa relação vai se tornando monótona e sem vida. Principalmente nos primeiros anos do Fundamental, o trabalho fica centrado na aquisição da leitura e escrita enquanto que a Matemática vai ficando para trás ou se resume em alguns momentos de contagem, registro da chamada, calendário.
O caminho para esta mudança começa justamente quando, como professores, conseguimos enxergar a Matemática como sendo necessária para a sustentação de outras áreas do conhecimento e como uma ciência que incorpora novos conhecimentos. A Matemática permeia o nosso dia a dia e permite entendê-lo melhor.
Caminhos para a mudança
Trata-se de uma mudança de paradigma que implica em investir na alfabetização matemática como componente do letramento da língua materna. E o que isto significa? Significa uma mudança de olhar para a nossa prática. Significa dar voz e vez para nossos alunos, vê-los como seres pensantes capazes de refletir sobre os mais variados assuntos.
Significa que alfabetizar matematicamente não é somente ensinar os números e sua grafia, a contagem de forma mecânica ou a mera decodificação (como mencionei inicialmente ao trazer minha experiência). Mas, como a teoria nos mostra, significa, sobretudo, explorar além da decodificação dos números, trazer a compreensão das diferentes relações intrínsecas ao contexto social nas quais estão inseridas. É preciso pensar no trabalho não só com as competências ligadas à quantificação, mas também com a medição, ordenação, classificação, resolução de problemas, tomada de decisões e diferentes tipos de representação: escrita, numérica, alfabética, visual, simbólica.
Significa trazer as práticas sociais matemáticas para dentro da escola: os contextos de contagem, os brinquedos, as brincadeiras, os jogos, os materiais manipulativos, os textos, os registros, os gêneros textuais, a calculadora, o celular e os diferentes softwares que permeiam o nosso dia a dia e o das crianças.
- Pense no momento ideal do processo de aprendizagem do aluno para aplicar um jogo
- Quanto tempo você tem disponível: sempre faça um planejamento de quantas aulas você poderá usar para fazer esse tipo de atividade, se o tempo de aula é o necessário
- Qual a intenção pedagógica? A BNCC traz a importância da intenção pedagógica das atividades. Por isso, na hora de escolher um jogo matemático, pense qual é a intenção ao apresentar o jogo para turma, ele não é para ser um passatempo, por exemplo.
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Significa pensar e planejar propostas nas quais os alunos sejam os protagonistas, isto é, participem do processo de construção do conhecimento a partir da sua vivência. Que eles possam trazer suas experiências e ideias para realmente compreender o que estão fazendo, explorando e agindo sobre e com o objeto, com os parceiros (tantos os colegas quanto o professor).
Nesse movimento, o professor também é protagonista no sentido de saber planejar as boas perguntas e fazer questionamentos pertinentes que permitam o avanço dos alunos. É uma tarefa que requer muito estudo e pesquisa de sua própria prática.
E você, professor e professora, já parou para refletir o quanto a sua experiência com a Matemática influencia a sua prática e o ensino com significado para os seus alunos? E sobre o seu trabalho com a alfabetização matemática na perspectiva do letramento? Essas são questões importantes que precisam ser retomadas constantemente, principalmente neste começo de ano letivo a fim de revermos e ampliarmos a qualidade de nosso trabalho.
Um abraço,
Selene
Selene Coletti é professora há 39 anos na rede pública. Atua na Educação Infantil e foi alfabetizadora por 10 anos tendo trabalhado do 1º ao 5º ano. Recebeu, em 2016, da Fundação Victor Civita, o Prêmio Educador Nota 10 com o projeto “Mapas do Tesouro que são um tesouro”, na área de Matemática. Foi diretora de escola e recebeu, em 2004, o Prêmio “Gestão para o Sucesso Escolar”, do Instituto Protagonistes/Fundação Lemann . Atualmente é formadora da Educação Infantil, na Prefeitura de Itatiba.
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