Acolhida: como se conectar com a turma e promover a socialização
Se conectar com a garotada e promover situações para que os alunos se conheçam melhor é fundamental para começar o ano com o pé direito
POR: Beatriz Vichessi
O início do ano letivo é sempre um marco na vida de educadores, bebês, crianças e adolescentes. Alguns sentem medo - sobretudo quem estiver indo à escola pela primeira vez na vida. Outros receiam se separar dos pais.
Há quem fique ansioso, querendo logo descobrir as novidades, reencontrar os amigos.
Também existem aqueles que se mostram cheios de curiosidade sobre o espaço, a turma nova, o material escolar. Há ainda os que chegam tristonhos ou até mau humorados, lamentando o fim das férias ou a mudança de unidade escolar.
Todas essas sensações e sentimentos precisam ser tomados como válidos e significativos e considerados no planejamento escolar.
“Adultos têm vários recursos para lidar com medo, ansiedade e outras reações ao primeiro dia em um emprego novo, por exemplo”, diz Valdeli Vieira, psicanalista e psicoterapueta da clínica Espaço Potencial, em São Paulo. Já as crianças e adolescentes, não.
“Eles ainda estão aprendendo, criando um repertório. Justamente por isso, o que sentem precisa ser legitimado e eles têm de ser acolhidos e recebidos com carinho”.
Uma boa dose de paciência também é necessário, já que nem sempre os alunos verbalizam o que estão sentindo diretamente. Ansiedade e medo podem vir à tona em forma de dor de barriga, insônia na noite anterior, escape de xixi, dor de cabeça.
Educar e cuidar
"Nas últimas décadas, vem se consolidando, na Educação Infantil, a concepção que vincula educar e cuidar, entendendo o cuidado como algo indissociável do processo educativo.
Nesse contexto, as creches e pré-escolas, ao acolher as vivências e os conhecimentos construídos pelas crianças no ambiente da família e no contexto de sua comunidade, e articulá-los em suas propostas pedagógicas, têm o objetivo de ampliar o universo de experiências, conhecimentos e habilidades dessas crianças, diversificando e consolidando novas aprendizagens, atuando de maneira complementar à educação familiar – especialmente quando se trata da educação dos bebês e das crianças bem pequenas, que envolve aprendizagens muito próximas aos dois contextos (familiar e escolar), como a socialização, a autonomia e a comunicação.”
Base Nacional Comum Curricular
A ideia de que o cuidar e o educar são indissociáveis na Educação Infantil é um dos tópicos abordados pela educadora Karina Rizek no curso "Rotina das crianças: momentos de higiene e alimentação". Nesse curso, além de entender as escolas de Educação Infantil, os professores poderão explorar a autonomia e protagonismo dos pequenos, relação com os campos de experiência da BNCC e estratégias que potencializam a participação ativa das crianças nos momentos de cuidado com a alimentação e a higiene. Clique aqui para saber mais.
Para que a volta às aulas seja saborosa e desperte nos alunos o interesse pelas atividades, desafios e aprendizagens que virão pela frente, pensar no que fazer para você se conectar com a turma e no que promover para a garotada se entrosar são tarefas fundamentais do planejamento.
Nenhuma dessas duas questões são supérfluas diante de outras, como o planejamento bimestre a bimestre. Lembre-se de que a escola, o principal espaço frequentado por crianças e adolescentes, não é um ambiente de plena felicidade. Valdeli explica que ele também é um lugar desafiador e complexo, dada a necessidade de conhecer gente nova, conviver com pessoas muito diferentes de si e dos familiares, tolerar frustrações, lidar com autoridade, adquirir conhecimentos e desenvolver habilidades.
Desde o primeiro momento na escola, a criança vai criando uma imagem interna do que é aquele ambiente, do que significa aprender, do que é estudar. Reafirma crenças ou elabora novas. Consequentemente, isso modula o processo de aprendizagem dela. “Daí a importância de o professor ajudá-la no dia a dia, sendo uma figura que acolhe e dá segurança”, reforça.
Embora o início do ano seja mais marcado como esse período de conexão, o fortalecimento das relações interpessoais deve estar no radar do professor ao longo de todo o ano.
Disponibilidade, empatia e reciprocidade para se conectar com a turma
Você sabia que o que você faz e fala reverbera no comportamento e na aprendizagem dos alunos? Henri Wallon, Lev Vygotsky e Jean Piaget, grandes teóricos da Educação, defendiam há tempos que que não se pode separar afetividade e cognição. E, de acordo com Daniele Mônica Boetcher Eckert e Vilmar Malacarne, no artigo Afetividade e Emoções na Instituição Escolar, “no ato de ensinar, a matéria-prima não é apenas o conhecimento, mas a pessoa humana, o ser que conhece, que aprende, que cresce e que transforma a sua realidade e a dos outros. E essa pessoa humana não é apenas razão, é também conhecimento sentimento e amorosidade. Só aprendemos quando nos relacionamos, fazemos vínculos sociais (...).”. Por isso mesmo, estabelecer uma relação afetuosa com os alunos é primordial desde os primeiros dias de aula.
Você sabia?
Além de Henri Wallon, Lev Vygotsky e Jean Piaget, o americano Doug Lemov apresenta técnicas para desenvolver um bom relacionamento entre o professor e o aluno. Em seu livro "Aula Nota 10", Lemov apresenta 49 técnicas de ensino adotadas por bons professores. Entre suas ideias, ele trata do conceito de proximidade com os alunos e de comportamentos docentes que podem ser favoráveis para uma boa aula – e conviviência.
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Gestos aparentemente simples - os chamados “pequenos nadas”, conforme Antonio Carlos Gomes da Costa no artigo Pedagogia da Presença – como dizer “bom dia” na hora da chegada dos estudantes e “até amanhã, espero por você” no momento da saída – colaboram demais para dar um tom de respeito e carinho na relação professor-aluno.
Com o passar do tempo, isso impacta no clima das aulas, que tende a ser cada vez melhor.
“O professor, geralmente, é a pessoa com quem o aluno tem mais contato durante a maior parte do dia”, diz Rosemary Torres, supervisora pedagógica e professora da EM Maria Ovídia Junqueira, em Poços de Caldas (MG). Nada mais esperado, então, que a relação entre eles seja humanizada, de verdade. “Quando o convívio do educador com a turma é marcado por vínculos afetivos legítimos, também se estabelece um clima de confiança entre educador e família”, fala Patricia Montezano, formadora de professores e co-autora do projeto de Educação socioemocional Semente.
Com bebês e crianças pequenas, palavras e gestos carinhosos são muito potentes. Os pequenos, no início da vida escolar, buscam por afeto a maior parte do tempo. Lembre-se: eles deixam o colo dos pais para ficar no seu! Evidentemente, a escola é um espaço para exploração e conquista de autonomia. No entanto, o aconchego proporcionado pelo toque humano se faz necessário durante a Educação Infantil justamente para que se sintam confiantes para dar os primeiros passos sozinhos e fazer descobertas.
Com o avançar da escolaridade, a preocupação com o vínculo afetivo parece ir afrouxando e as relações vão se tornando distante entre professores e alunos. Só tem a ganhar o educador que se mantém atento e promove uma escuta atenta e aposta na empatia e na afetividade
“Os estudantes se interessam mais pelo que ele tem a dizer já que sabem que o professor se interessa por eles. A turma se mostra mais receptiva a desafios”, afirma Rosemary, de Poços de Caldas. Greice Ruba Lopez, professora na EE Romeu Montoro, na capital paulista, por exemplo, têm o hábito de abraçar, gosta de falar olhando nos olhos dos estudantes do Ensino Médio e demonstra um interesse genuíno em saber como cada um está, quais os sonhos que têm, etc. “Eu recepciono os alunos no começo do ano com alguma lembrancinha em cima da mesa de cada um. Quero que todos se sintam queridos por mim porque eu me interesso por eles de verdade”, conta.
Socialização da turma
Rafael Locateli, coordenador pedagógico da EE Romeu Montoro, afirma com ênfase: “quando os alunos são bem tratados na escola, gostam dos colegas e fazem amizades, se sentem bem-vindos no ambiente e tomam gosto por lá estar”.
Para ele, ajudar na criação e no reforço de vínculos entre eles é uma das maneiras para que aprendam a se respeitar. “Investir nisso também evita conflitos entre tribos diferentes, diminui o número de depredações e beneficia a aprendizagem”, avalia Rafael.
Na Romeu, todo o plano de acolhimento tem como um dos objetivos deixar bem claro para os estudantes que o momento do início do ano é todo pensado por causa deles e para eles e quem faz parte do grêmio é convidado pela gestão escolar para ajudar a recepcionar os recém-chegados. “A turma do grêmio é protagonista do acolhimento. Apresenta as ferramentas e os espaços que temos na escola para que todos participem, como a rádio que funciona durante os horários de intervalo ”, conta Rafael.
Greice, que leciona Biologia na Romeu, conta que desenvolve um projeto sobre identidade e faz com que ele comece logo nos primeiros dias de aula justamente para promover momentos de socialização entre os alunos.
“Muitos são de outras escolas, chegam sem amigos, sem referencial. Ajudá-los a se conhecer é meu papel também”, fala. Depois de se apresentar para a classe, ela organiza a turma em duplas e pede que um se apresente ao outro e contem a história de seu nome. “Depois, um apresenta o outro para a turma toda. Isso faz com que eles fiquem curiosos por conhecer mais os colegas, fiquem sabendo de gostos em comum, etc”, diz. Para Greice, está mais do que comprovado que estudantes que criam vínculos entre si formam turmas fortes, um ajuda o outro a estudar. “Se eles não se enxergam como colegas, ficam apáticos, não se interessam pelo que acontece na escola”.
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