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Qual é a situação dos professores brasileiros durante a pandemia?

Pesquisa feita por NOVA ESCOLA mostra a experiência dos educadores nesse período, os desafios e as expectativas sobre o futuro

POR:
Ana Paula Bimbati
Foto: Getty Image

“Para mim, gravar vídeos é muito difícil. No começo, eu chorava porque não conseguia. Queria um contato pessoal com as crianças. É difícil pensar na Educação Infantil a distância”, conta a professora Tais de Paiva Fonseca, de Educação Infantil, da rede municipal de Belo Horizonte (MG), sobre sua experiência no período da quarentena.

Ela é um dos 8.121 docentes que responderam à pesquisa “A situação dos professores no Brasil durante a pandemia”*, realizada por NOVA ESCOLA entre os dias 16 e 28 de maio de 2020. O levantamento buscou mapear alguns cenários vivenciados pelos educadores brasileiros no ensino remoto. “Em NOVA ESCOLA, o tempo todo, temos o propósito de entender as necessidades dos professores e gestores e nos manter próximos deles, compartilhando soluções e boas práticas em nossas reportagens, cursos, formações e outros conteúdos”, explica Ana Ligia Scachetti, gerente pedagógica, sobre como nasceu a pesquisa.

Apesar de nascer de um objetivo interno da NOVA ESCOLA, o conhecimento da situação dos docentes durante a pandemia também pode colaborar para que outras organizações e atores da sociedade desenvolvam ações de apoio aos desafios que os professores têm se deparado no ensino remoto.

Para entender melhor o cenário, a pesquisa foi dividida em quatro eixos:

1. Situação dos professores;
2. Situação da rede;
3. Participação dos alunos e famílias nas atividades; e
4. Perspectivas para o retorno das atividades presenciais.

Abaixo você encontrará um breve panorama dos dados e algumas histórias de professores que participaram da pesquisa e compartilham um pouco a rotina de quem teve que trocar a sala de aula pelo ensino remoto.

situação dos professores

Tais de Paiva Fonseca faz parte dos 30% dos professores que classificaram a experiência de ensino remoto como ruim ou péssima. Ela grava toda semana dois vídeos e envia no grupo de WhatsApp para que os pais e responsáveis pelos pequenos compartilhem com as crianças. A falta de intimidade dela com a câmera e o fato do contato com a turma ter um intermediário tornam a experiência de lecionar mais complicada para a docente. “É difícil também pensar que um adulto vai assistir você e pode te julgar”, relata.

A ausência de capacitação, de estrutura para docentes e estudantes, a adaptação do formato de aula e o baixo retorno dos alunos são outros fatores apontados pelos educadores como negativos no ensino e aprendizagem a distância. De acordo com a pesquisa, apenas 5% dos professores que responderam o questionário avaliaram esse momento como excelente.

Já a professora Renata Del Tedesco, do Ensino Fundamental 1 na rede municipal de São Paulo (SP), atribuiu nota 6 (regular) para sua experiência. “Alfabetizar virtualmente tem sido um desafio e tanto. Não consigo fazer da mesma forma as intervenções necessárias”, conta.

Para Ernesto Martins Faria, diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), apesar das dificuldades encontradas diariamente pelos docentes, é preciso olhar a experiência com generosidade. “O Brasil nunca tinha feito ensino remoto em massa para Educação Básica. Estamos aprendendo a fazer dentro de uma necessidade”, avalia Ernesto. O Iede, em parceria com o Comitê Técnico da Educação do Instituto Rui Barbosa (CTE-IRB), acaba de lançar também o estudo “A Educação não pode esperar”, que mapeia iniciativas para minimizar os impactos negativos à Educação em razão das ações de enfrentamento ao novo coronavírus (confira aqui).

A falta de uma estrutura sólida do formato remoto fez com que muitas escolas tivessem que se adaptar rapidamente, mas nem tudo caminha como de acordo com o programado para o ano letivo. Nesse cenário, 36% dos professores respondentes da pesquisa afirmaram estar na segunda quinzena de maio realizando atividades de revisão do 1º bimestre com os estudantes.

A principal opção de fonte de materiais e atividades utilizadas pelos respondentes para planejamento nesse momento de pandemia são os disponibilizados pela rede ou pela escola, correspondendo a 59% das respostas.

Saúde emocional dos professores

Com tantos desafios profissionais e vivenciando um cenário instável de um país que já computa mais de 60 mil mortes por Covid-19, muitos professores relataram um impacto na saúde emocional. Em relação ao período pré-pandemia, 28% dos respondentes avaliaram o estado mental como péssimo. “Os fatores de estresse são intensificados pelo fato de que a maioria dos professores são mulheres e elas estão encarando, também, a dupla jornada, sendo responsáveis pela maior parte do cuidado com a família, a casa e os filhos”, comenta Ana Ligia.

“Tento manter a calma porque, realmente, a rotina está mais pesada. Você leva mais tempo para fazer as coisas [de trabalho] e ainda precisa cuidar das tarefas de casa”, comenta a professora Renata. Além desses pontos, o risco de contaminação, a insegurança em relação ao futuro, a falta de reconhecimento das famílias e gestores e a sensação de não conseguir dar conta de todas as demandas domésticas, familiares e profissionais aparecem entre as preocupações destacadas pelos professores.

Levando isso em conta, Ernesto pontua a importância do apoio das redes e da necessidade de manterem uma relação humana positiva com os educadores. “Eles precisam ser tratados como profissionais, que têm responsabilidades nesse período, como têm no presencial, mas, nesse momento, é importante o acolhimento e cuidado”, pondera.

situação das redes

A pesquisa também perguntou aos professores sobre a oferta de formação por parte das redes durante esse momento de pandemia. Mais de 50% dos educadores disseram que não receberam qualquer formação para atuar com o ensino remoto. Entre os educadores que receberam formação, os professores do Ensino Médio foram os mais beneficiados (56,6%) em comparação com outras etapas de ensino.

“Tem experiências interessantes pelo país, como da rede estadual do Espírito Santo, que tem uma estrutura para formação e pensada para tecnologias Eles têm lives semanais, disponibilizaram tutoriais, cursos para tecnologia”, explica Ernesto. O Iede aborda esta experiência e outras pelos diferentes estados brasileiros no estudo “A Educação não pode parar”.

Mas nem só do digital vivem os professores e alunos na quarentena. “Dos meus 23 alunos do 1º ano do Fundamental 1, apenas oito conseguem acessar o Google Sala de Aula”, conta Renata. Esse é um dos motivos pelos quais muitas redes públicas têm optado por oferecer materiais impressos aos alunos.

PARTICIPAÇÃO DOS ALUNOS E FAMÍLIAS

A participação das famílias e dos alunos é uma grande questão no ensino remoto, seja por falta de engajamento ou de acesso à infraestrutura e internet. Entre os respondentes, 38,6% afirmam que a maioria dos estudantes tem participado das atividades.

“Entendo que para os alunos é bem difícil também. Os pais comentam que os filhos estão com preguiça, desmotivados”, explica a professora Renata. “Penso que a gente precisa fazer a Educação chegar até os alunos. Precisamos manter eles em contato com a escola, mas a situação é difícil”.

 

Na rede particular, os professores disseram que 58% das famílias estão participando do que é proposto. Enquanto na rede pública, o número cai para 36%. “Com isso, vemos que há um risco da desigualdade se acentuar por conta da pandemia. Temos que ficar muito atentos a isso e continuar buscando maneiras para garantir que todas as crianças e adolescentes tenham seu direito à Educação assegurado”, sugere a gerente pedagógica de NOVA ESCOLA. Caso isso não ocorra durante o período de isolamento social, Ana Ligia pontua que é importante que os alunos tenham o direito de resgatar os temas trabalhados durante a pandemia.

perspectivas sobre o retorno

A volta às aulas é incerta, mas já há discussões no Brasil sobre esse momento. Para os professores que responderam à pesquisa, 74% acreditam que a volta à escola se dará no segundo semestre de 2020. Apenas 19% acham que vão voltar em 2021.

“A gente conversou sobre isso entre os professores, porque na Educação Infantil é complicado. Como vamos manter o isolamento? Tenho 20 crianças em uma sala que dormem uma do lado da outra”, relata a professora Tais. Os receios para o retorno são de diferentes naturezas. Entre eles estão a defasagem da aprendizagem; a readaptação ao presencial; a falta de medidas preventivas e o estado psicológico dos alunos, famílias e equipe escolar no período pós-pandemia.

RETRATOS DA QUARENTENA

Nas próximas semanas, NOVA ESCOLA vai aprofundar as situações vivenciadas pelos educadores em uma série especial de 10 reportagens sobre os retratos da quarentena. A primeira reportagem foi publicada hoje e aborda a saúde emocional dos educadores durante a pandemia.

*A pesquisa A situação dos professores no Brasil durante a pandemia foi realizada entre os dias 16 e 28 de maio de 2020 por meio de um questionário on-line disponível no site de NOVA ESCOLA. Ao todo, foram coletadas 9.557 respostas, sendo 8.121 (85,7%) delas de professores da Educação Básica.