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Sem aulas e em casa: a realidade dos professores que estão sem atividades durante a quarentena

Com aulas televisionadas pela secretaria ou em redes que optaram pela paralisação das atividades, educadores utilizam o tempo parados para investir em formação

POR:
Paula Salas

As fotos desta reportagem foram tiradas remotamente pela fotógrafa Tainá Frota, através de videochamada com a professora Jaqueline Ritter.

A professora Jaqueline Ritter conta para NOVA ESCOLA como está durante a suspensão das aulas presenciais e sem atividades on-line. Crédito: Tainá Frota/NOVA ESCOLA

"Eu tenho vivido um dia de cada vez. Sempre com esperança em dias melhores. Aproveito para fazer coisas que vão me fazer bem mentalmente e aprender mais para que na volta possa auxiliar meus alunos", resume a Jaqueline Ritter, professora de Fundamental 1 na rede municipal de São Leopoldo (RS). Desde 19 de março a educadora está sem atividades. "Nosso município optou por esperar o retorno presencial para não deixar nenhum aluno para trás", explica. Apenas na volta às aulas o calendário será reorganizado e as escolas poderão enviar atividades para os alunos realizarem em casa como forma de complementar a carga horária.

Antecipar as férias escolares foi a medida mais comum aderida pelas escolas após a suspensão das aulas para evitar a disseminação do coronavírus. É o que mostra um levantamento respondido por 3.978 redes municipais de ensino (71% do total), realizado pela União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed). Assim como o município de São Leopoldo, 40% das redes não tinham definição sobre atividades remotas quando a pesquisa foi realizada, entre os dias 27 de abril e 04 de maio. Entre as redes paradas, o perfil socioeconômico da maioria dos alunos é considerado abaixo da média do seu estado, e 90% eram de municípios pequenos, com até 50 mil habitantes. Das secretarias sem atividades, 59% afirmaram que desejavam implantar o ensino remoto, mas não encontraram meios possíveis.

Diante desse cenário, os professores Jaqueline Ritter, Sérgio Barsanulfo, Dilene Ferreira, Pedro Andrade*, Talita Seniuk e Aletícia da Silva contam qual é a situação de suas redes e o que fazem neste momento distantes da escola:

Se fazer presente a distância

A decisão da rede da professora Jaqueline foi esperar o retorno presencial, enquanto isso a professora busca, por iniciativa própria, manter contato com as famílias. Crédito: Tainá Frota/NOVA ESCOLA

Apesar de estar sem atividades, a professora Jaqueline mantém um grupo de WhatsApp com as famílias de seus alunos do 1º ano. O grupo criado no início do ano, antes da quarentena, é o espaço utilizado pela educadora para compartilhar sugestões de leitura, vídeos e brincadeiras para que os pais e responsáveis façam em casa com as crianças. Como não há aulas, as sugestões são pontuais. Os alunos também mandam fotos e mensagens para a professora, que costuma responder por vídeo ou áudio, já que os alunos ainda estão iniciando o processo de alfabetização.

Outro processo interrompido pela quarentena foi o da adaptação. “Um dia uma mãe comentou que seu filho sentia muita saudade, mas que não lembrava o nome dos colegas", relembra. Para fortalecer a relação entre a turma, a professora confeccionou  álbuns de figurinha com a foto impressa de todos os alunos. No final do álbum, as crianças tinham um caça-palavras com os nomes dos colegas e um espaço para que desenhassem o que sentem falta da escola. O álbum entrou como parte de um kit que Jaqueline criou para distribuir para os alunos. Além do material, a professora enviou um livro de literatura, doces, um caderno de leitura, um lápis decorado e uma carta com sua foto para que as crianças lembrassem dela. "Agora estou dando um tempo para mandar um áudio para cada aluno e ter um retorno de como foi enfeitar o álbum e saber como estão se sentindo", diz.

Jaqueline criou um álbum de figurinhas para que os alunos lembrasse do nome de todos os colegas. Crédito: Tainá Frota/NOVA ESCOLA

Enquanto espera o retorno às aulas, a professora replanejou sua rotina e busca manter um olhar positivo. "No início [da quarentena] estava muito angustiada e preocupada, mas pensei que não adiantava, não tinha o que fazer. Então, decidi investir na minha saúde mental", relata. "Tenho aproveitado esse tempo para aprender mais, investir em coisas que trabalhando não conseguiria fazer". Neste tempo de quarentena, a professora também separa um tempo para confeccionar jogos ou atividades que possa usar na volta às aulas. Leitura, cursos, lives e formações também entraram na rotina. Desde maio, sua rede está oferecendo formações semanais on-line sobre temas variados como ferramentas digitais, gestão democrática, gestão de conhecimento, equidade e racismo.

Para pensar em futuras ações, a secretaria solicitou recentemente para as escolas enviarem para as famílias um formulário sobre este período em casa e as possibilidades para iniciar o ensino remoto. Eles também pediram contribuição dos professores para pensar nos protocolos do retorno. Em sua escola, Jaqueline tem reuniões virtuais com toda a equipe para replanejarem as atividades deste ano fazendo as atividades deste ano fazendo uma priorização dos conteúdos curriculares

Apesar de estar se preparando para volta, ainda não há planos do retorno. "Eu fico muito preocupada, porque professor de alunos pequenos têm o afeto e o toque sempre. Não sei como vai ser quando voltar. Vamos ter que ressignificar", diz. No início ela entende que será necessário planejar muito bem o acolhimento para verificar como os alunos estão emocionalmente. "Vai ser um momento feliz quando pudermos voltar, Mas também será um momento de apreensão, porque não sabemos a realidade que vai nos esperar", explica.

Perspectiva legal do ensino remoto

A medida provisória 934/2020 flexibilizou os 200 dias letivos e determinou que deveriam ser garantidas as 800 horas obrigatórias. Atualmente, a medida se tornou um projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados em 30 de junho e será encaminhada para a votação no Senado.

“Quem ainda não se estruturou [para oferecer ensino remoto], precisa se estruturar o antes possível”, afirma a advogada Alessandra Gotti, presidente-executiva do Instituto Articule, consultora da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e do Conselho Nacional de Educação (CNE), e colunista de Direito à Educação no site NOVA ESCOLA. Para ela, a suspensão total das atividades “pode gerar evasão escolar e perdas cognitivas difíceis de mensurar, o que é justamente o que se deseja evitar”.

O direito à Educação básica é assegurado pela Constituição no artigo 208. Do ponto de vista legal, ações do Ministério Público, Defensoria Pública ou da Sociedade Civil Organizada poderiam exigir providências das redes e sistemas de ensino. No entanto, a advogada não vê que a via judicial seja a melhor alternativa no momento. Para ela, é preferível investir no diálogo com as instituições - gestores da Educação, sistemas de justiça e órgãos de controle-, e no senso de responsabilidade e missão das secretarias em garantir acesso à Educação.

Em processo de aprendizagem
Desde o dia 16 de março até 17 de junho, Sérgio Barsanulfo, professor de Geografia na rede municipal de Goiânia (GO), esteve sem atividades. Ao iniciar a quarentena, a rede disponibilizou teleaulas em uma emissora local. No entanto, não houve envolvimentos dos professores nas atividades. "Não fazíamos acompanhamento, não tínhamos nenhuma obrigação", relata. Além das aulas televisionadas, foi criado um portal para disponibilizar atividades on-line, já que o levantamento realizado pela secretaria identificou que a maioria dos alunos teriam acesso à internet

Mas só em junho Sérgio começou a participar de uma formação que buscava preparar os professores da rede a elaborar conteúdos on-line. "Recebemos orientações de como gravar um vídeo, como planejar uma aula para a internet e os cuidados com direitos autorais", exemplifica. No fim do curso, os educadores devem preparar e enviar uma atividade alinhada à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para avaliação da secretaria, a qual posteriormente será publicada na plataforma, atualizada semanalmente.

Sérgio está no processo de criação de sua primeira aula on-line. "Dificuldades tenho muitas. Nunca tinha utilizado essas ferramentas, mas estou aprendendo. É um desafio. Estou inseguro, mas não vai ser algo impossível", relata. Por enquanto, ele irá elaborar uma atividade, mas ainda não tem certeza sobre a frequência que deverá produzir esses conteúdos, como será a avaliação ou acompanhamento.

A volta às aulas ou a reorganização do calendário também é incerta. No entanto, o educador vê que será necessária uma adaptação inclusive dos espaços físicos da escola.

Durante este tempo parado, o professor percebe altos e baixos, porém diz ser alguém privilegiado. "Não paramos de receber o salário, consigo sobreviver com tranquilidade, não me falta nada", afirma. Em relação a sua rotina, ele conta ser metódico, o que o levou a criar novos hábitos. "Tenho obrigações diárias, faço caminhadas com regularidade. Fiz cursos, li livros e assisti muitos filmes e documentários nesse período", conta.

Apesar de desafiador, Sérgio vê de forma positiva que seja possível levar a prática pedagógica até os alunos mesmo que remotamente. A sua preocupação neste momento é com o bem-estar dos alunos. "As aulas [e conteúdos], diante desta realidade, são algo pequeno. A vida não recuperamos, mas o tempo, sim", enfatiza Sérgio.

Aguardando o retorno
Na rede municipal de Serra (ES), o último dia de aulas presenciais foi 17 de março. A orientação dada aos professores era que a rede entraria em quarentena, sem contato presencial ou atividades remotas.

Dilene Ferreira, professora de Fundamental 1, conta que, no primeiro momento, quis realizar atividades ou pelo menos conversar com as famílias. "Entrei em contato com a diretora, mas a orientação era que toda a prefeitura precisava ter as mesmas ações", afirma. A preocupação era garantir que todos tivessem o mesmo acesso e evitar que uma parcela dos estudantes fosse excluído das iniciativas.

Até agora a professora não conseguiu ter contato com as famílias, apesar do interesse. "Como nem todos professores tinham interesse no contato, não foi permitido que falássemos com as famílias porque criaria um questionamento na comunidade", explica. Ela diz, no entanto, que a gestão da escola mantém esse contato por ações como a entrega de merenda ou comunicados feitos via Facebook. As atividades lúdicas on-line e indicações de leitura são disponibilizadas pela própria secretaria. Além das ações para os alunos, a rede ofereceu em junho uma formação on-line de três semanas voltada para o bem-estar dos educadores.

Neste momento, as discussões no município estão focadas nos protocolos de segurança que serão necessários e na organização dessa volta. A proposta inicial é que os alunos mais velhos voltem antes e seja realizado um revezamento – uma semana uma parte da turma vai à escola, e a outra fica em casa com atividades, na semana seguinte invertem. No entanto, a professora ainda se sente insegura em relação à volta. "Imagino meus alunos nessa situação, dá um pânico imaginar. Sou muito positiva, mas tenho muito receio", confessa.

A expectativa é poder retornar às aulas presenciais em agosto. No entanto, isso ainda pode mudar. "Já está sendo pensada a reorganização do ano letivo, mas está tudo em aberto, é difícil prever com o aumento de casos", conta. Para garantir as horas obrigatórias e a aprendizagem, algumas estratégias estão sendo estudados como, por exemplo, ter aula aos sábados e aumentar as horas de aula por dia. Uma preocupação da rede, segundo a professora, é que quando for para voltar, todas as escolas retornem ao mesmo tempo.

O que já está encaminhado é começar atividades remotas impressas em julho. A equipe prevê uma reunião para organizar como seriam as propostas. A opção por não serem atividades on-line partiu do princípio de garantir a equidade. "Da minha turma, pelo menos 10 alunos não teriam como acessar on-line", diz.

Enquanto espera as orientações de um retorno, seja remoto ou presencial, a professora conta que tem buscado preencher os dias com atividades variadas e tentado coisas novas. "Fiz pão pela primeira vez", conta rindo. Além das atividades domésticas e de acompanhar sua filha nas aulas on-line, Dilene fez cursos, assistiu filmes e revisitou livros que estavam abandonados ou que sempre quis ler.

Ela conta que no início sentiu muita ansiedade, mas percebeu que era melhor esperar. Hoje, se sente mais tranquila. Uma de suas preocupações durante a quarentena é o bem-estar das famílias e como as crianças estão emocionalmente. "Fico imaginando como eles estão, quais sentimentos passaram e não entenderam. Vai ser necessário lidar não só com a defasagem, mas com as crianças machucadas [emocionalmente]", diz e complementa que as emoções vão precisar ser expressadas. Por isso, entende que será necessário garantir na volta um tempo para conversar sobre essa experiência antes de entrar nos conteúdos.

Quais são as orientações para a reorganização do calendário escolar?

O Parecer Nº5/2020 trata das orientações e diretrizes do CNE para a reorganização do calendário escolar e de como computar as atividades não presenciais para fim de garantir o cumprimento das 800 horas obrigatórias.

Calendário escolar
Vale lembrar que os pareceres do CNE não tem caráter de lei. O parecer do órgão determina parâmetros para orientar os conselhos estaduais e municipais no desenvolvimento das diretrizes de cada rede e sistema de ensino. Apesar de ser altamente indicado, oferecer atividades remotas é facultativo. O obrigatório é garantir as 800 horas previstas de atividades letivas.

A gestão e organização do calendário é responsabilidade dos sistemas, redes ou instituições de ensino. Diante da suspensão das aulas presenciais, a reorganização do planejamento escolar busca garantir o atendimento dos objetivos de aprendizagem previstos nos currículos – além do cumprimento das horas obrigatórias. 

Entre as medidas apontadas pelo parecer existe a possibilidade de estender o ano letivo de 2020 para 2021 - possibilidade que aparece no artigo 23 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Com o retorno das aulas presenciais, é possível complementar a carga horária com atividades remotas no contra turno ou escolher repor todas as horas obrigatórias presencialmente – nesse caso seria necessário utilizar o período de recesso escolar e sábados, ou ampliar a jornada diária dos alunos na escola.

Contabilização das atividades realizadas durante a quarentena
As atividades que poderiam computar para as horas obrigatórias teriam que atender processos como: planejamento dos objetivos de aprendizagem, interação, acompanhamento, avaliação. Os formatos podem variar, desde atividades impressas até as digitais, como videoaulas, conteúdos organizados em plataformas virtuais de ensino e aprendizagem, redes sociais, e-mail, blogs, entre outros; por meio de programas de televisão ou rádio.

Para computar as iniciativas remotas e reduzir as horas que seriam garantidas presencialmente será necessário apresentar:

- os objetivos de aprendizagem da BNCC relacionados ao respectivo currículo e/ou proposta pedagógica que se pretende atingir;

- as formas de interação (mediadas ou não por tecnologias digitais de informação e comunicação) com o estudante para atingir tais objetivos;

- a estimativa de carga horária equivalente para o atingimento deste objetivo de aprendizagem considerando as formas de interação previstas;

- a forma de registro de participação dos estudantes, inferida a partir da realização das atividades entregues (por meio digital durante o período de suspensão das aulas ou ao final, com apresentação digital ou física), relacionadas aos planejamentos de estudo encaminhados pela escola e às habilidades e objetivos de aprendizagem curriculares; e

- as formas de avaliação não presenciais durante situação de emergência ou presencial após o fim da suspensão das aulas.

Para saber as orientações específicas de cada etapa, acesse aqui o Parecer na íntegra.

FONTES: Parecer nº5/2020, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei 9394/96), e Alessandra Gotti, fundadora e presidente-executiva do Instituto Articule, consultora da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e do Conselho Nacional de Educação (CNE), e colunista de Direito à Educação no site de NOVA ESCOLA.

Falta de possibilidades
Na pequena cidade de Pedro Andrade*, professor de Ciências no Fundamental 2 na rede estadual da Bahia, uma parte considerável dos alunos são de zona rural. "Não tínhamos como acessar os alunos fora da escola", conta. Para os alunos do Ensino Médio, a rede está oferecendo teleaulas. Para os professores, ferramentas on-line para os educadores se organizarem remotamente. No entanto, cada escola teve autonomia para decidir os caminhos a serem seguidos. A escola de Pedro percebeu que atividades on-line não seriam possíveis pelo perfil socioeconômico dos alunos. Mesmo as atividades impressas, por conta da distância, ficavam inviáveis para todas as famílias irem buscar. "A direção ficou diante desse dilema de atender só uma parte dos alunos. Então, decidimos não fazer nada até poder voltar ao presencial", conta.

As discussões sobre a volta às aulas e calendários já estão acontecendo, no entanto, ainda não há uma orientação. A expectativa é que sábados sejam letivos e que hajam atividades no contra turno para complementar a carga horária. Também há a perspectiva de reduzir as férias do final do ano e concluir o ano letivo no começo de 2021. No entanto, o professor acredita que será muito desafiador. "A gurizada já reclamava da quantidade de atividades. Dar trabalho dobrado vai ser muito difícil", afirma. Outra preocupação do professor é em relação ao psicológico dos alunos, cuidados com a saúde e medidas para prevenir a covid-19, e a organização e planejamento dos conteúdos em um tempo mais curto. "Vamos lidar com o que for possível". 

Com o horizonte dos desafios no segundo semestre, neste período o professor focou em terminar sua tese doutorado que deve ser defendida no final do ano. "No início, fiquei bem angustiado com o meu papel como professor. Sentia que deixava meus meninos na mão. Mas não tem jeito diante da realidade, então aceitei a situação. Não adianta ficar agoniado. Decidi guardar essa energia para as aulas presenciais", reflete.

Como Jaqueline, outros professores também aproveitaram este momento sem aulas on-line para fazer cursos on-line e investir na própria formação. Crédito: Tainá Frota/NOVA ESCOLA

Professores sem atividades
Talita Seniuk é professora em uma escola no campo na rede estadual em Campo Novo do Parecis (MT). Ela dá aula de História para o Fundamental 2 e Ensino Médio. Para os alunos mais velhos também leciona Sociologia e Filosofia.

Mesmo disponibilizando seu e-mail para tirar dúvidas ou conversar, a comunicação com os alunos e suas famílias é limitada por conta de questões de infraestrutura tecnológica e acesso à internet. Poucos entram em contato com a professora. Existem diversos problemas estruturais que dificultam o acesso dos alunos, mesmo com a disponibilização dos conteúdos em diferentes meios. "A energia cai com frequência, logo a internet também. A escola, às vezes, passa dias sem internet. Para acessar o canal de televisão é necessário ter parabólica, o que dificulta muito para os alunos. Tudo isso torna mais difícil o acesso dos alunos", relata.

A instituição utiliza suas redes sociais para postar informações relevantes e interagir por mensagem com as famílias. "A escola está fazendo o melhor possível para manter a comunidade amparada", conta. As atividades semanais de todas as disciplinas para todas as turmas são disponibilizadas na plataforma da secretaria. Para os alunos sem acesso à internet, atividades impressas foram disponibilizadas. O Ensino Médio especificamente também tem aulas on-line que são transmitidas pela televisão e posteriormente disponibilizadas no YouTube. No entanto, os professores não foram envolvidos na elaboração ou acompanhamento dessas atividades.

A proposta é que na volta às aulas as turmas possam discutir sobre os assuntos indicados e ter um feedback das atividades realizadas. O mesmo se aplica para as atividades que foram disponibilizadas impressas. "Eu procuro motivá-los para que não percam o engajamento nos estudos", conta Talita. No início da quarentena, já antecipando essa realidade, a professora orientou seus alunos que revisassem os conteúdos que já haviam trabalhado, levassem o livro didático para casa, elaborassem mapas mentais e anotações para que pudessem discutir na volta às aulas. "Para que não ficassem enferrujados e facilitar a mediação na volta", explica. Todos receberam essa orientação, no entanto a turma de 6º ano não tem livros suficientes para que todos pudessem levar para casa. "Eles também levaram um trabalho bimestral que espero que façam", conta.

Com o aumento dos casos de covid-19 no estado, ainda não há planos definidos sobre o retorno. Segundo a educadora, a secretaria estuda as alternativas de volta às aulas e replanejamento do calendário. Uma das dificuldades encontradas é a logística de deslocamento dos alunos e a limitação de transporte escolar disponível, o que dificultaria aumentar o horário de cada período. "Uma alternativa seria aulas à noite, porque nesse período não temos outras turmas usando a escola e aos sábados e domingos. Mas não sabemos ao certo", relata. Mesmo sem uma orientação ou perspectiva de quando será o retorno, a professora se preocupa com a evasão e como ficará o calendário escolar. Como muitos professores que têm turmas do 3º ano do Ensino Médio, a professora preocupa-se especialmente como a quarentena pode afetar a conclusão desses estudantes.

Durante a quarentena, sem atividades ligadas à escola, Talita tem aproveitado para investir em sua formação. Participa de eventos e cursos on-line, coloca leitura em dia e escreve artigos. Ela também reserva um tempo para pensar em projetos para o próximo ano. "Sinto falta do trabalho, da escola. Gosto da rotina. O melhor que podemos fazer no momento é aderir ao isolamento e aproveitar da melhor forma possível", diz.

Volta gradual
Em Colinas do Tocantins (TO) as aulas foram suspensas no dia 12 de março. A professora Aletícia da Silva dá aula de História na rede estadual para o Fundamental 2 e Ensino Médio em uma escola militarizada no centro da cidade.

"A primeira orientação é que fossemos para casa e que voltaríamos em uma semana", conta a educadora. "Como temos um aplicativo próprio, continuaríamos abastecendo as atividades por lá para manter os alunos ativos até voltarmos na semana seguinte", explica. No entanto, chegou um segundo decreto que determinou férias até o final de abril.

Na volta não houve orientação de uma retomada da atividade. "Entendemos que não tinha como voltar. A minha escola tinha, mas outras não", explica a professora. Dessa forma, a rede permaneceu sem atividades.

Os procedimentos de retomada de gradual foram discutidos em junho. Na primeira fase, seriam elaboradas atividades impressas apenas para o 3º ano do Ensino Médio com foco em conteúdos da matriz do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Em agosto, começaria a segunda fase, na qual voltariam presencialmente todos os alunos do Ensino Médio em um esquema de revezamento. A previsão é que retorno do Fundamental 2 seja apenas a partir de setembro. "A previsão é que os alunos do 3º ano terminem o ano até 31 de dezembro. Os outros continuam até o final de janeiro", conta. Essa previsão, segundo a educadora, se baseia na curva de número de casos no estado.

Além de disponibilizar as atividades impressas na escola, as propostas são postadas também no Google Sala de Aula para os alunos que preferirem fazer on-line ou imprimirem em casa. O roteiro de elaboração das atividades para o 3º ano do Médio indica que os professores devem incluir informações como as habilidades da BNCC, os objetivos de aprendizagem, o tema da atividade, o tempo previsto e as orientações da proposta. Quem escolher buscar a versão impressa, deve ir à escola na segunda-feira retirar o pacote com os roteiros de todas as disciplinas e devem entregar as atividades prontas na sexta-feira.

No dia 29 de junho, a rede começou o plano de retomada gradual. A professora conta que no primeiro dia foi realizada uma aula inaugural com todos os alunos do 3º ano e se sentiu muito nervosa. "Parecia meu primeiro dia de aula apesar de estar em sala de aula há 12 anos", relembra.

Para elaborar as atividades, não houve um direcionamento em relação aos conteúdos a serem priorizados, a escolha é dos professores. Cada professor tem um número de atividades que pode enviar. Aletícia conta que, por semana, receberá 70 atividades para corrigir. Na seleção dos assuntos trabalhados, ela buscou escolher temas essenciais e priorizar aqueles que tivessem relação com outras disciplinas. "Tenho três aulas por semana, duas são impressas e uma é pelo Google Meets [chamada de vídeo]", explica

A professora explica que ela escolheu continuar utilizando o livro didático, disponibilizou seu WhatsApp para tirar dúvidas, fez indicação de boas referências sobre os assuntos trabalhados e tem um encontro virtual por semana com os alunos. No entanto, essa foi a estratégia escolhida pela educadora. A secretaria não deu orientações das ferramentas a serem utilizadas.

"Eles mostraram o básico. Sentimos que ficou a responsabilidade do professor em criar, aprender e utilizar as ferramentas e materiais que preferir", diz. Apesar de sentir falta do direcionamento, em sua escola há uma forte rede de apoio. "A gente é muito solidário, compartilhamos conhecimentos, nos ajudamos", explica. Ela também destaca o esforço da coordenação disciplinar –  equipe que divide a gestão escolar de escolas militares com a equipe pedagógica. Eles são responsáveis por áreas administrativas, disciplinares e patrimoniais das instituições militarizadas e, nesse momento, também no suporte com as ferramentas digitais e no apoio em manter os grupos e encontros on-line organizados.

Apesar dos planos de retorno já estarem mais delineados, a professora sente receio do impacto do tempo sem estudo. "Tem alunos que começaram a trabalhar, foram para a fazenda ajudar os pais ou ficaram cuidando dos irmãos. Tenho medo que passem todo esse tempo parados. O retorno para voltar à rotina e ao ritmo vai ser muito trabalhoso", relata.

Nos meses que esteve sem atividades, a professora conta que passou por diferentes fases. "Veio o desespero completo, a tristeza, o medo de morrer. Depois fiquei tranquila, com esperança", explica. No início, a mudança drástica de uma rotina agitada com uma grande demanda física para ficar isolada em casa foi difícil. "Eu mudei minha alimentação e as minhas atividades físicas", conta. "O que me salvou foi a arte: o cinema, a música, os livros", destaca. Além disso, a professora conta que foi importante diminuir o consumo de notícias diárias para controlar as crises de ansiedade que haviam se tornado mais frequentes. Neste momento, ela avalia que tem lhe feito bem voltar a produzir aulas aos alunos e que o retorno gradual também positivo para evitar uma nova mudança drástica.

Apesar das inseguranças, Aletícia reforça a importância de passar segurança para os alunos. "Quero mostrar que tudo está sendo pensado com cuidado para que não desanimem", afirma. Como todos os professores, apesar das dificuldades do retorno, ela busca se preparar psicologicamente e pedagogicamente para os desafios do ensino híbrido e para o acolhimento dos alunos depois de um longo período sem atividades ou sem contato com os educadores.

Nas próximas semanas, NOVA ESCOLA vai aprofundar as situações vivenciadas pelos educadores em uma série especial de 10 reportagens sobre os retratos da quarentena. Esta é a terceira reportagem. Confira as outras já publicadas da série:

*nome fantasia. O professor optou por se manter anônimo.

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