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Como se aproximar das famílias que não estão interagindo como você esperava?

Os professores não podem se sentir culpados por não conseguirem atenção dos familiares das crianças na pandemia, mas devem entender os motivos e buscar novas abordagens

POR:
Evandro Tortora
Foto: Getty Images

Depois de quase quatro meses afastados das crianças, muitos de nós temos desenvolvido algumas atividades a distância com as crianças. Há alguns meses eu escrevi um texto apontando que nossas interações com as famílias precisavam ser revista

s, afinal, com ou sem pandemia, a presença das redes sociais  e as interações por meios digitais seriam mais comuns para algumas crianças e seus familiares.

De lá pra cá, muita coisa já aconteceu! Nesse tempo, tivemos muitas interações dentro das redes sociais. Tenho conversado sobre essa nova experiência com várias colegas. Assim como acontece comigo, minhas colegas relatam que algumas famílias têm interagido com vigor dentro dos grupos e mostrando-se participativas nas redes socais, mas outras nem tanto. Parece que estas últimas se sentem mais intimidadas e parecem não estar dispostas a participar. Uma amiga querida estava insatisfeita com seu grupo de WhatsApp “parado” e, apesar dos seus esforços, não conseguia muitas interações com as famílias. Se este é o seu caso, eu quero compartilhar contigo algumas reflexões sobre os motivos pelos quais isso pode estar acontecendo.

Confira planos de atividade para uso a distância
alinhados à BNCC de Educação Infantil

Apelo aqui para sua sensibilidade. Acho que ser sensível deve ser característica de todo professor e nesses tempos difíceis devemos ser mais sensíveis ainda!

Primeiramente, precisamos entender que nem todas as famílias têm internet disponível para essas interações. Com pacotes de dados limitados, fica complicado interagir por meio de vídeos e fotos em redes sociais. Esses casos devem ser pensados com atenção e sugestões de interação devem ocorrer de outras formas com a escola.

Agora vamos para outro cenário, no qual existe acesso à internet em um aparelho de celular e mesmo assim não há interações em seu grupo de WhatsApp ou as famílias não enviam as fotos ou vídeos que você pede. Colega, pense comigo: tem uma pandemia lá fora, as famílias estão passando por momentos difíceis em suas casas. Algumas estão enfrentando o luto ou o medo de serem infectadas por um vírus que causa uma doença possivelmente fatal apenas por precisarem sair de casa para trabalhar. Então, ao chegarem em casa e olharem o celular, está lá a professora do seu filho querendo que ele “pule corda com ele e mandem fotos pelo Whatsapp” ou que ele “faça uma pintura com a criança e mande uma foto no grupo”, por exemplo.

Qual o sentido destas atividades? Em que momento você ouviu estas famílias para saber o que seria possível propor a elas?  Como estas atividades ganham significado dentro do cotidiano das famílias? Como estas famílias se sentiriam mais confortáveis na interação pelas redes sociais?

Outro ponto para servir de reflexão vem deste relato que compartilho aqui: uma família me enviava, com frequência, fotos dos desenhos que a criança fazia, mas nunca enviava no grupo da turma. No meio dos elogios que fiz ao desenho e incentivos dados a criança, a mãe do menino pediu para que não postasse o desenho no grupo, mas apenas mantivesse comigo porque a mesa em que a criança tirava as fotos do desenho não era muito bonita. Colegas, pensem nesse relato! Nós estamos entrando dentro da casa das nossas crianças e, às vezes, as crianças entram dentro da nossa! Trata-se de um grau de intimidade que não deve acontecer se realmente não estivermos confortáveis com isso, seja lá qual for o motivo.

O que estou tentando discutir aqui é que, para além de apenas sugerir atividades a serem feitas nas casas das crianças, precisamos ser sensíveis às rotinas e aos tempos e espaços em que estas atividades acontecem, bem como pensar melhor nessas atividades. Por “ser sensível” eu quero dizer ter empatia e ser compreensível com as condições das famílias de dar ou não algum retorno neste momento e levar em conta que certas exigências não podem acontecer da nossa parte sem que elas se sintam confortáveis.

Algumas colegas podem criticar esta postura e dizer que, neste momento, é também obrigação da família criar condições para desenvolvimento das crianças com a ajuda das atividades que o professor propõe. Essas colegas podem salientar, por exemplo, que a responsabilidade do professor é propor uma atividade alinhada à BNCC e o da família é responder de alguma forma à sugestão desta atividade. Pois bem, eu discordo destas colegas e convido você a refletir comigo para repensar esta prática que se assemelha a uma “educação a distância”.

Ao prepararmos uma vivência às crianças, estamos querendo envolvê-la numa ação que provoque diferentes experiências, por meio das quais acontecem as aprendizagens esperadas (como quando planejamos brincadeiras e interações considerando os campos de experiencia da BNCC).  

Na escola, você está participando desta vivência com a criança, a qual está na companhia de seus colegas ou sozinha, mas sob o olhar de um professor (profissional da Educação Infantil) dedicado a planejar oportunidades de aprendizagens, dentro de contextos planejados previamente, com materiais escolhidos a dedo para que as crianças tenham uma vivência de qualidade naquele momento. Durante todos os momentos você pode presenciar conquistas das crianças com o surgimento de novas aprendizagens e de trocas de experiências dentro desta atividade. Você faz registros fotográficos ou escritos (intencionais), as crianças produzem pinturas ou desenhos com que servirão para sua avaliação, além de verificar se a criança gostou de participar daquele momento conversando com ela.

Olha que cenário bonito, não é? Dá até saudade da rotina da escola. Mas agora pense se dentro da casa das crianças é possível que a família consiga fazer esse tipo de planejamento e ter esse olhar sobre as vivências dos pequenos? Pode ser que não. Me arrisco a dizer que quase todas   as famílias da minha turma não conseguem ter esse olhar e o mesmo pode acontecer com as de suas crianças. Nesse sentido, o valor que você dá às vivências com as crianças não é o mesmo que as famílias dão e o “valor pedagógico” que você tanto preza pode fazer significado apenas para você. Às vezes, algumas colegas são pressionadas pelos coordenadores pedagógicos ou pela direção a planejar algo nesse sentido. No contexto atual, essas exigências devem ser revistas. Não existe “educação a distância” para Educação Infantil.

- Evandro, então você está dizendo que devemos desistir, deixar que as famílias enviem apenas aquilo que quiserem e que não precisamos exigir nada delas?

Sim e não. Pensando que os familiares não são professores, não podemos exigir que eles deem conta de um trabalho que é da escola. Mas não devemos perder de vista qual o nosso real papel nesse contexto de pandemia: buscar “uma aproximação virtual dos professores com as famílias, de modo a estreitar vínculos”, como ressalta o Parecer 05/2020 do Conselho Nacional de Educação. Como é que nos aproximamos de alguém? Exigindo que façam atividades que ao menos possam fazer sentido às famílias? Eu sugiro uma abordagem diferente...

A primeira coisa que devemos fazer aqui é ouvir as famílias e tentar entender um pouco suas ansiedades. Eu tive essa experiência no meu grupo de WhatsApp em que preparei alguns formulários para serem respondidos on-line para ouvir os responsáveis sobre o que esperavam do professor e da escola nesse período, além de avaliar as vivências que estavam sendo propostas. No último formulário, tive algumas respostas que me fizeram refletir! Há famílias que realmente querem atividades com objetivos mais claros, assim como planejamos na escola, mas algumas outras chegaram a pedir desculpas por não conseguirem desenvolver as brincadeiras  propostas (por mais simples que elas fossem). Logo, replanejei várias das minhas intervenções, incluindo a periodicidades e os registros que peço às famílias.

Sugiro que daqui a diante você pense comigo em novas formas de interação com as famílias e diversificar esse retorno, de modo a utilizar fotos, textos, desenhos, áudios ou vídeos que as famílias compartilhem em grupos ou individualmente. É preciso também dar espaço para a criação das famílias e, num movimento espontâneo, algumas propostas de atividade podem surgir das próprias crianças.

Além disso, sugiro que busquemos aprender uns com os outros! Há colegas produzindo conteúdos muito bacanas para nos inspirarmos e poder interagir de outras formas com as famílias. Por exemplo:

1. Algumas escolas que estão promovendo lives com as famílias e com as crianças: com as famílias, os adultos conversam abertamente sobre o desenvolvimento das crianças e os desafios do isolamento social, já com as crianças as lives são para apresentar seus bichinhos de estimação ou compartilhar brincadeiras com os amigos. Aqui, quem quiser só assistir, pode ficar ali só vendo ou pode abrir a câmera e entrar no papo.

2. Eu organizei uma eleição pelo Google Forms para escolhermos um nome para nosso grupo e uma foto para ele. As crianças ficaram supermotivadas e postaram vários áudios. Agora, no WhatsApp, somos o “Grupo Ninjas”! Nas próximas interações, vamos tentar explorar um pouco mais dessa ideia sobre a eleição (pensando que em breve falaremos muito sobre eleições no Brasil) e explorar esse novo personagem que deu nome ao nosso grupo. 

3. Minhas amigas têm produzido vídeos de histórias em que convidam as crianças mandar áudios no WhatsApp com músicas preferidas cantando junto de suas famílias ou pedindo para que alguém do grupo cante uma música que queria ouvir. (Foi num desses momentos que uma família talentosa colocou até um som de viola ao fundo do áudio enquanto criança que cantava! <3 )

4. Sugerir alguma atividade que seja mais incomum ou que já acontecia dentro da escola com uma nova proposta para o âmbito das famílias. Aqui no site você encontra planos de atividade com adaptações para sua realização em casa. Acesse esse link, escolha um plano e clique na aba “ADAPTAÇÃO PARA O ENSINO REMOTO” para conhecer as propostas.

Enfim, colegas, espero que esse texto te faça refletir um pouco sobre suas propostas de interação com as famílias. Não se sinta culpado por não conseguir atenção das famílias, mas procure entender seus motivos e sugerir novas interações. Pode acontecer de alguma família não se comprometer com a atividade proposta porque realmente ignorou a sugestão, mas não tome esse comportamento como um padrão! Há sim famílias (em sua maioria) que por outros tantos motivos não interagem nas redes sociais e ser sensível a estes motivos pode ser o primeiro passo para ampliar essas interações.

Um abraço carinhoso!

Evandro Tortora é professor de Educação Infantil há 7 anos na Prefeitura Municipal de Campinas, licenciado em Pedagogia e Matemática e doutor em Educação para Ciência pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Bauru. Além da docência na Educação Infantil, tem experiência com pesquisas na área da Educação Infantil e Educação Matemática, bem como desenvolve ações de formação continuada para professoras e professores da Educação Infantil e do Ensino Fundamental.

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