Como priorizar as habilidades matemáticas no processo de alfabetização?
Veja como colocar em prática a priorização de habilidades da BNCC com seus alunos
POR: Selene ColettiImplementar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) nas salas de aula por meio dos currículos estaduais e municipais a ela adequados, era um grande desafio para o ano letivo de 2020. Em relação a Matemática o desafio era ainda maior, pois os dados de proficiência nas avaliações que temos conhecimento mostram números pouco animadores, além da forma como muitos professores ensinam o componente curricular e como os alunos aprendem.
Para contrapor esse quadro, a BNCC propõe a Matemática com foco no letramento matemático que por sua vez está imbricado com a alfabetização matemática, abordado numa dessas primeiras conversas aqui nesse espaço. Isto implica em um trabalho que vai além do simples decorar fórmulas ou regras.
Dessa forma, a Base propõe que se desenvolva habilidades como raciocinar, representar, comunicar e argumentar matematicamente de modo a favorecer o levantamento de hipóteses, de formular e resolver problemas em diferentes contextos lançando mão da utilização de conceitos, procedimentos, fatos e ferramentas matemáticos.
Entretanto, veio a pandemia e a implantação da BNCC na prática ficou em segundo plano. Implantá-la, na atual situação, tornou-se um desafio ainda maior, porém que precisa ser viabilizado.
E então como fica a BNCC na pandemia?
É possível perceber que aqueles que estavam engajados na adequação dos currículos à BNCC estão procurando dar continuidade ao trabalho iniciado nos primeiros dias letivos, de trazer as propostas intencionais em seus planos de aulas, de investir em uma matemática que priorize a resolução de problemas mesmo à distância.
Evidente que aqueles que ainda não conseguiram compreender ou mesmo se desprender daquela matemática desconectada com o compreender continuam investindo em exercícios repetitivos também a distância.
Assim, as desigualdades já existentes e reconhecidas vão se firmando e muitas vezes aumentando.
Mesmo com cada escola seguindo seu próprio caminho, procurando aproximar-se de seus alunos por diferentes meios midiáticos, é importante pensar e refletir sobre esse trabalho com o ensino da matemática que deve permear os currículos adequados à BNCC e que precisam chegar às salas de aula, mesmo nesse momento tão peculiar. Como estamos trabalhando essas propostas em nossas aulas a distância? Elas estão dialogando com a resolução de problemas ou com a repetição de exercícios e mais exercícios?
A alfabetização matemática na perspectiva do letramento
É importante lembrar que precisamos investir na alfabetização matemática permitindo que nossos alunos saibam ler o mundo usando as ideias matemáticas, agindo criticamente, o que, por sua vez, implica em investir no letramento matemático. Ou seja, nas práticas sociais como saber ler e interpretar gráficos e tabelas, saber fazer estimativas, interpretar contas de luz, telefone, água, formas de comprar e vender diferentes produtos, dentre tantas outras.
Este é um processo que se inicia na Educação Infantil continuado ao longo dos anos iniciais para que se consolide nos anos finais.
Para isso, na atual situação e depois que retornarmos às aulas presenciais, algumas habilidades precisam ser priorizadas com o objetivo de garantir a aprendizagem a todos nesse cenário tão atípico que vem sendo desenhado:
> Contar, ler, escrever, ordenar, comparar, compor e decompor números;
> Resolver e elaborar problemas envolvendo as quatro operações, as medidas de grandezas em situações do cotidiano, utilizando estratégias diversas como o cálculo, cálculo mental e algoritmo;
> Identificar regularidades em sequências;
> Identificar, classificar e comparar figuras;
> Ler, interpretar e comparar dados em tabelas de dupla entrada;
> Realizar pesquisas envolvendo variáveis, organizando os dados por meio de tabelas e gráficos, com ou sem uso de tecnologias, apresentando os resultados por meio de textos escritos.
Como trabalhar com as habilidades prioritárias?
Essas habilidades são construídas a partir do investimento em aulas que desafiem a turma a raciocinar, usar argumentos para explicar suas ideias e convencer os colegas sobre as mesmas.
Para tal é preciso favorecer o trabalho em grupo, a articulação de pontos de vista, ações de leitura e representação do pensamento bem como de suas conclusões.
Por isso, desde já é necessário repensar a nossa prática e a nossa relação com a Matemática, revendo as propostas enviadas para nossos alunos durante o período de pandemia.
Investir em sugestões que promovam o pensar e o explicar como pensaram. Você, professor e professora, poderá propor um jogo e depois criar um desafio a partir dele, solicitando que expliquem como resolveram. Para tal poderão fazê-lo por meio de um áudio. O aluno terá que articular seu pensamento para explicitá-lo na gravação. Posteriormente, quando ele estiver “craque” nesse tipo de proposta, poderá propor-lhe que escreva, certamente, estará mais fácil.
Uma amiga professora me mostrou vídeos nos quais as crianças de uma classe de Educação Infantil propunham desafios matemáticos para os colegas, demonstrando muita desenvoltura. Tudo começou com um menino desafiando os colegas a contar até 100. Uma dupla de alunas propôs outro desafio para a turma: diante de 6 copos sendo 3 sem água e 3 com água colorida, montar uma sequencia, movendo apenas um copo para ficar um com água colorida e um sem água, assim sucessivamente. Conforme a turma ia respondendo, as meninas iam comentando, ao final, mostraram a forma como pensaram para resolver que, por sinal, era diferente daquela dada por um colega. Vale ressaltar que isso aconteceu no grupo de WhatsApp da classe. Muito interessante e encantador ver a atuação das crianças.
Se numa classe com crianças pequenas está dando certo, imaginem com as maiores do Fundamental 1. É uma boa ideia para desenvolver a argumentação, pois o “desafiado” terá que explicar como resolveu o problema e o “desafiador” analisar a resposta e contra argumentar. Muitas habilidades estarão em jogo e o resultado será espetacular!
Seguindo essa linha, você poderá propor situações-problemas em que os alunos troquem as soluções encontradas e tenham que explicar como resolveram entre si, seja gravando um áudio, um vídeo ou escrevendo um texto . Será uma boa oportunidade para promover as trocas de pontos de vista e desenvolverem a argumentação.
Caso queira seguir a proposta inicial, você poderá começar desafiando um aluno e solicitar que ele resolva, escolhendo um outro amigo e assim consecutivamente até que todos tenham participado.
Há muitas possibilidades, basta abrirmos nosso olhar e nos desprendermos do antigo. Vamos seguir nos reinventando e reinventando a Matemática, um grande desafio para todos nós.
E você, professor e professora, quais habilidades matemáticas vem priorizando em suas aulas a distância? Elas estão dialogando com a alfabetização e o letramento matemáticos? São desafios para sua turma? Reflitamos.
Até a próxima,
Selene
Selene Coletti é professora há 39 anos na rede pública. Atua na Educação Infantil e foi alfabetizadora por 10 anos tendo trabalhado do 1º ao 5º ano. Recebeu, em 2016, da Fundação Victor Civita, o Prêmio Educador Nota 10 com o projeto “Mapas do Tesouro que são um tesouro”, na área de Matemática. Foi diretora de escola e recebeu, em 2004, o Prêmio “Gestão para o Sucesso Escolar”, do Instituto Protagonistes/Fundação Lemann. Atuou como coordenadora do Núcleo de Formação Continuada do município. Atualmente é formadora da Educação Infantil, na Prefeitura de Itatiba.
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