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Pensamento algébrico nos Anos Iniciais: o que diz a BNCC?

Vamos refletir sobre como colocar em prática este campo do conhecimento desde o ciclo da alfabetização

POR:
Selene Coletti
Foto: Getty Image

Em 2016 participei de um grupo de estudos em minha cidade, o Projeto Observatório da Educação (OBEDUC), formado por professores, onde discutíamos temas da Matemática relevantes às práticas pedagógicas. Buscávamos na teoria a luz para elaborar propostas que aplicávamos em nossas classes, trazíamos para serem discutidas no grupo por meio de narrativas de aulas. Eram momentos de muitas trocas, reflexões que permitiam mudar o nosso olhar sobre a nossa própria prática a partir do investimento na problematização e na escuta de nossos alunos.

Foi nesse grupo que fui apresentada ao pensamento algébrico, que antes de estudarmos, me assustou um pouco, pois pensava “como é possível abordar este aspecto da Matemática com as crianças pequenas?”. Aprofundar os estudos, no viés do grupo, permitiu-me perceber o quanto era possível trabalhá-lo desde a Educação Infantil. Pude elaborar e aplicar diferentes propostas e principalmente discuti-las, o que enriquecia ainda mais o trabalho. Isso mostra também como investir na nossa formação continuada é fundamental!

Um pouco de “história”
Vamos voltar um pouco no tempo para entender o contexto no qual a álgebra “aparece” nos Anos Iniciais a partir de alguns documentos.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN-1997), no bloco de conteúdo Números e Operações, enfatizava que embora pudesse ser desenvolvida uma pré-álgebra nas séries iniciais, era nas séries finais que o trabalho algébrico deveria acontecer.

Em 2012, o Ministério da Educação publicou o documento “Elementos conceituais e metodológicos para definição dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento do ciclo de alfabetização (1º, 2º e 3º anos) do Ensino Fundamental” com o objetivo de subsidiar a elaboração do Programa Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), iniciando as discussões sobre a álgebra nos Anos Iniciais e buscando desenvolver o pensamento algébrico.

Na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a álgebra aparece como uma unidade temática a ser trabalhada a partir do primeiro ano e se estende ao longo do percurso escolar.

BNCC de Matemática

Entenda as principais mudanças propostas para o componente em relação aos Parâmetros Curriculares Nacionais e como levá-las para sala de aula:

Mas de que Álgebra estamos falando?
Assim como eu me espantei com o termo, muitos outros professores também poderão se assustar pensando em como trabalhar a álgebra desde tão cedo.

Talvez o susto se deva, como foi o meu caso, por ligar a álgebra àquelas equações, letras, números sem muito sentido para aqueles que não são da área da Matemática.

É evidente que não é desta álgebra que estamos falando. Vale considerar antes de mais nada que álgebra e pensamento algébrico são indissociáveis e complementares, porém não vamos discutir aqui tais ligações.

Essa Álgebra Inicial ou Álgebra nos Anos Iniciais – Early Algebra – que aparece nos atuais documentos pode ser definida como “o desenvolvimento de um modo de pensar que antecede o uso da linguagem algébrica”. Por isso, pode ser mais viável falarmos em um trabalho com pensamento algébrico, como pontuam alguns estudiosos, ao invés de álgebra.

Nessa linha, a BNCC propõe um trabalho com as ideias de regularidade, generalizações de padrão e propriedades de igualdade. Para que isso se concretize é necessário abordar sequências recursivas e repetitivas, seja na ação de completar uma sequência com elementos ausentes, seja na construção de sequências seguindo uma determinada regra de formação. Além de um trabalho com a relação da equivalência possibilitando que o aluno compreenda que o sinal de igualdade (=) não indica apenas o resultado de uma operação.

Aprofunde seus conhecimentos

Quer saber mais sobre essa unidade temática e porque ela já aparece nos Anos Iniciais na Base? Faça o curso de NOVA ESCOLA sobre Álgebra no Ensino Fundamental 1 e entenda como ela pode auxiliar na aprendizagem de conceitos mais elaborados de outras etapas da escola.

Esses estudos serão retomados, aprofundados e ampliados - como propõe a BNCC - ao longo do percurso escolar.

Pode parecer algo muito complexo, mas se nos pautarmos no estudo e na pesquisa de nossa prática, encontraremos alternativas, assim como eu e meus colegas do grupo de estudos, achamos.

E como realizar esse trabalho?
Trabalhar propostas que desenvolvam o pensamento algébrico e dialoguem com as ideias da Base é pensar em caminhos que levem o aluno da observação à generalização. A criança tem uma aprendizagem sobre a álgebra antes mesmo de entrar para a escola. Ela pensa algebricamente percebendo padrões e estabelecendo generalizações.

Conhecedor de tais ideias, o professor, a partir de uma postura problematizadora, faz da sala de aula um espaço onde todos podem argumentar suas ideias. Trocar com os demais colegas. Para isso é preciso um trabalho planejado e intencional que promoverá as aprendizagens das crianças, permitindo que expressem livremente suas hipóteses, percebendo as possíveis generalizações.

Essa intencionalidade se manifesta nas escolhas das propostas, na forma como os alunos estarão organizados, nas intervenções a serem feitas, seja nos momentos do trabalho em grupo, ou da socialização e sistematização das produções. É nesse contexto que o pensamento algébrico vai ganhando espaço.

E na prática
Para que se possa refletir um pouco mais sobre o tema, apresento o e-book “O desenvolvimento do pensamento algébrico na Educação Básica: compartilhando propostas na sala de aula com o professor que ensina (ensinará) Matemática”, do Grupo Colaborativo em Matemática (GRUCOMAT), organizado pelas professoras Adair Mendes Nacarato e Isís Aparecida Custódio, no qual participo com algumas narrativas. Para acessar, clique aqui e fique por dentro de propostas produzidas por educadores dos diferentes segmentos e que poderão ser utilizadas com a sua turma.

Entretanto, não poderia deixar de comentar uma proposta que fiz em parceria com a amiga Rosana de Fátima Lima, em abril de 2016, quando participávamos do grupo de estudos que falei no início de nossa conversa. Acredito que poderá ser adaptada para a atual realidade (o ensino remoto) desde a Educação Infantil. Na época, levamos para nossas classes de 1º e 3º, em duas realidades bem diferentes, mas com a mesma vontade de aprender. A proposta foi trabalhar a regularidade em sequências repetitivas, nas quais as turmas precisavam descobrir qual era o “segredo”, ou seja, o motivo da sequência pela percepção de sua regularidade, utilizando fotos das crianças.

A minha classe, o 1º ano, em grupo, depois de discutir o que era um segredo, produziu diferentes sequências, que foram fotografadas e enviadas por WhatsApp (já naquela época) para a turma do 3º ano, da professora Rosana, descobrir.

Entretanto, antes do envio, muitas discussões ocorreram sobre as diferentes produções e com muitos questionamentos de como se descobrir o motivo e a continuidade da mesma.

Fotos: Arquivo pessoal

A partir daí as turmas trocaram mensagens descobrindo o segredo ou mesmo produzindo outros para que ambas pudessem “adivinhá-lo”. O uso das fotos, as trocas com a outra classe e as discussões encheram de significados a proposta tanto para as crianças como para nós professoras, que estávamos iniciando nosso percurso no pensamento algébrico. A participação e a motivação da turma mostraram o quanto é possível ampliar as ideias das crianças (e as nossas) bem como o quanto demanda planejamento, estudo e reflexões.

Este foi apenas um “spoiler” para que você, professor e professora, fique com curiosidade aguçada e busque novas possibilidades de trabalho. No meu próximo texto, vou apresentar detalhes de outras sugestões para o trabalho com o pensamento algébrico. Enquanto isso, aprecie e reflita.

Até a próxima,
Selene

Selene Coletti é professora há 39 anos na rede pública. Atua na Educação Infantil e foi alfabetizadora por 10 anos tendo trabalhado do 1º ao 5º ano. Recebeu, em 2016, da Fundação Victor Civita, o Prêmio Educador Nota 10 com o projeto “Mapas do Tesouro que são um tesouro”, na área de Matemática. Foi diretora de escola e recebeu, em 2004, o Prêmio “Gestão para o Sucesso Escolar”, do Instituto Protagonistes/Fundação Lemann. Atuou como coordenadora do Núcleo de Formação Continuada do município. Atualmente é formadora da Educação Infantil, na Prefeitura de Itatiba.