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O fluxo de pessoas na economia brasileira

Estudar o deslocamento de trabalhadores permite conhecer a produção nacional

POR:
Camila Camilo

As atividades produtivas de uma sociedade não alteram apenas o presente, mas deixam marcas profundas no passado, como na formação da população. Essa relação foi estudada pelos alunos do 4º ano da professora Cláudia Ricci, do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte. Eles analisaram o trânsito de pessoas em diferentes momentos da economia brasileira: na exploração do ouro e metais preciosos, na extração do látex e na industrialização do país (veja a linha do tempo abaixo). Os ciclos econômicos podem ser apresentados nos anos iniciais assim, sem restringir as aulas à descrição dos fatos, como se eles fossem estanques ao longo da História. "O mais importante é consultar materiais diferentes e desenvolver a ideia de mudanças e permanências", diz Marlene Pécora, autora de livros didáticos.

Antes de chegar aos ciclos e seus contextos, a sala de Cláudia se familiarizou com a ideia de mudança. Ela começou propondo a leitura de dois poemas de Roseana Murray, um sobre sair de uma casa para viver em outra (Mudança) e um segundo sobre alterações na paisagem (Memória). Em seguida, o grupo foi orientado a analisar as diferenças entre três imagens do livro didático sobre a Ladeira São Bento, em Salvador, em 1884, 1925 e 2010. Fotos semelhantes podem ser encontradas numa pesquisa no Google Imagens.

Em outra aula, a meninada ouviu Eu, de Paulo Tatit. A canção, que trata dos diferentes lugares do país por onde uma família passou, preparou a turma para a realização de entrevistas com familiares, feitas com base em um roteiro elaborado pela professora. Em casa, pais e avós contaram sobre sua origem, eventuais deslocamentos e quais deles estavam relacionados à economia. As informações foram sistematizadas no quadro por Cláudia, que aproveitou a discussão para apresentar o conceito de migração. "Um aluno questionou se o tio, representante farmacêutico, era migrante, pois viajava muito por causa da função. Expliquei que não, já que ele não tinha se mudado definitivamente", conta.

Com a garotada já habituada à ideia de que as pessoas podem sair de onde nasceram por causa do emprego, chegou o momento de entender como mudanças semelhantes ocorreram na história do país. "O objetivo era compreender que não se trata da transferência de uma única pessoa, mas de grandes deslocamentos por razões econômicas", conta a docente. Assim, ela passou a trabalhar a mineração, a extração da borracha e a industrialização com o cuidado de valorizar não apenas o produto principal de cada período mas também a existência de uma produção para consumo interno rica e organizada, que foi capaz de movimentar a vida do país e gerar riquezas.

Abordar atividades complementares - como a agropecuária, que abastecia o país, criava rotas comerciais e enriquecia os colonos - é fundamental dentro da perspectiva atual do ensino de História. "É preciso levar os alunos a entender que havia uma diversidade econômica dinâmica, que também envolvia senhores, escravos, homens livres e gerava riquezas nas diversas regiões brasileiras", diz Juliano Custódio Sobrinho, professor da Universidade Nove de Julho (Uninove). Além disso, essa abordagem permite atrelar a realidade local à do país, mesmo que sua cidade não esteja ligada a produtos de agroexportação da economia brasileira, como o ouro em Minas Gerais ou o açúcar em Pernambuco.

A produção econômica no Brasil
Diversos produtos foram explorados ao longo de nossa história e muitos deles ocorreram simultaneamente. Veja a seguir:

O fluxo de pessoas na economia brasileira. Bruno Algarve
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Pau-brasil A extração começa com a colonização em todo o litoral brasileiro. É feita com o auxílio da mão de obra nativa.

Cana-de-açúcar A produção ocorre no Nordeste, com a exploração da mão de obra escrava. A pecuária extensiva também é praticada.

Mineração As bandeiras vasculham o interior do país em busca de metais e pedras. A agropecuária é também explorada.

Café O café é o principal produto de exportação, ao lado da agropecuária, que movimenta as fazendas do império.

Borracha Com a descoberta do potencial da seringueira, começa a exploração do látex no Amazonas, em Rondônia e no Pará.

Indústria A indústria de manufatura dá lugar a um processo de maior industrialização entre 1945 e 1964 com apoio governamental.

Soja A monocultura da soja, extensiva e mecanizada, domina o Centro-Oeste, juntamente com a agroindústria.

Ampliando saberes sobre a economia

Para começar, os alunos leram um texto sobre a busca de paulistas e nordestinos pelo ouro nas serras de Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso. Descobriram que alguns municípios que têm "passa" no nome eram pontos de abastecimento que movimentavam a economia da colônia.

Depois, as crianças analisaram imagens de altares feitos de ouro, presentes em igrejas de antigos centros de extração. Elas comentaram que o metal havia sido roubado por Portugal. Sem desviar de seus objetivos, a professora deu atenção ao comentário explicando que a expressão "santo do pau oco" vem desse tempo - como os impostos eram altos, os mineradores escondiam ouro em imagens ocas de santos. O passo seguinte foi a leitura de uma gravura do alemão Johann Moritz Rugendas (1808-1852). Alguns perguntaram se os primeiros escravos eram migrantes, já que vieram de outros países. "Expliquei que não, porque eles vieram obrigados e chegaram aqui sem direitos", diz. A classe, dividida em duplas, analisou uma foto de trabalhadores de Serra Pelada, comparando-a com a gravura. A professora comentou que elas mostravam momentos distintos, e os estudantes perceberam que ambas eram formas diferentes de registro. Todos concluíram que o quadro retratava escravos e a foto trabalhadores livres, embora o segundo grupo passasse por dificuldades e sofrimento assim como o primeiro.

Na etapa posterior, as crianças identificaram objetos do dia a dia que são feitos de borracha, como alguns itens do estojo escolar. Elas leram, então, um texto sobre a seringueira, e Cláudia levantou as diferenças entre o seringueiro e o seringalista. Com base na leitura, todos concluíram que o primeiro saía de sua terra devendo o dinheiro da sua instalação e transporte e trabalhava exposto aos perigos da floresta. O segundo, o dono do seringal, enriquecia com a atividade.

Em seguida, os alunos estudaram a industrialização. Eles leram o depoimento de um trabalhador que ajudou a construir a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), no estado do Rio de Janeiro, em 1941, e debateram sobre os fluxos gerados pela indústria. Também é possível retomar as conclusões das entrevistas feitas na primeira etapa, explorando os trabalhos ligados à industrilização que levam as pessoas a se deslocar.

Por fim, cada um escolheu uma das atividades econômicas estudadas e escreveu uma carta como se fosse um trabalhador, seguindo um roteiro: de onde veio, por que deixou sua terra natal, que problemas enfrentou. Com a realização da sequência, a turma ganhou outra visão sobre os deslocamentos da mão de obra ao longo do tempo. "Mais do que uma perspectiva factual, é importante desenvolver uma reflexão histórica", diz João do Prado Ferraz de Carvalho, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

1 Entendendo as mudanças Utilizando textos, imagens, entrevistas com familares e outros recursos, mostre que as pessoas se deslocam por causa do trabalho.

2 Atividades econômicas Com base no contexto local e nas informações extraídas das conversas com os estudantes, eleja as atividades econômicas a ser tematizadas com atividades diversificadas.

3 Uma carta à família Proponha que os estudantes escolham uma das atividades econômicas e produzam uma carta, endereçada aos familiares, como se fossem trabalhadores do período.

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