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Habilidades socioemocionais: O papel da Educação Física na perspectiva do desenvolvimento integral do aluno

Disciplina pode contribuir para a transformação do ensino ao reconhecer a importância do corpo, do movimento e dos sentimentos humanos no processo de ensino e aprendizagem

POR:
Luiz Gustavo Bonatto Rufino
Crédito: Getty Images

Se houvesse uma votação hipotética para se excluir uma disciplina do currículo escolar, por qualquer que fosse o motivo, é bem provável que a Educação Física fosse uma das mais cotadas para isso.

Alguns justificariam dizendo que não cai no vestibular. Outros falariam que seria preciso deixar mais espaço para as linguagens e a aprendizagem Matemática, por exemplo. Outros ainda considerariam ela apenas como uma atividade, um momento de lazer ou recreação que, por isso, poderia ser substituída ou negligenciada. Muitos questionariam se essa disciplina reprova e se ela “vale nota”. Por todos esses crivos, seria pouco provável que ela sobrevivesse.

No entanto, por trás de todos esses argumentos está implícito uma ideia de escola, de ensino e de Educação, as quais tem visões distorcidas sobre o corpo, o movimento humano e sobre o que entendemos de teoria e de prática em nossa vida. Assim, compreender e problematizar essas perspectivas nos possibilita refletir sobre o ensino-aprendizagem como forma de projetar o futuro da Educação.

Um histórico do componente

Nesse cenário, desde que adentrou o currículo escolar brasileiro sob o pseudônimo de “ginástica”, a partir da Reforma Couto Ferraz em 1854, a Educação Física tem se sustentado de modo mais ou menos estável como disciplina em toda a Educação Básica.

É claro que ela passou por muitos desafios, sendo ora entendida apenas como ginástica (em sua compreensão mais antiga), ora como sinônimo de esporte – advém daí a ideia de se ensinar apenas alguns esportes coletivos, como o voleibol, futebol/futsal, handebol e basquetebol –, ora como tematização das práticas corporais por meio da cultura corporal de movimento.

Em sua história, ela passou por diversas legislações, ao menos três constituições, diferentes formas de governo – do Império à República, um regime militar, um processo de redemocratização – e inúmeras reformas curriculares. Entretanto, é de se reconhecer que, com o passar do tempo, deixou-se de ser vista como uma mera atividade para ser um componente curricular obrigatório.

No entanto, ainda hoje sofre com processos de incompreensão e desvalorização. Nesse texto, refletiremos sobre seu papel a partir da ideia de corpo, suas transformações ao longo do tempo e seu possível impacto dentro da escola.

Com base em novas configurações e compreensões sobre o corpo no século 21, cabe pensar de que forma a Educação Física pode contribuir com a transformação do ensino, sobretudo considerando as atuais perspectivas de metodologias ativas e de desenvolvimento de competências socioemocionais na escola.

A perspectiva do corpo e a escola

Historicamente, a importância do corpo foi deixada de lado, como um mero coadjuvante da vida humana. A escola, naturalmente, também assumiu esse paradigma. Dessa forma, durante muito tempo, aprender foi sinônimo de desenvolver habilidades cognitivas. Alunos enfileirados, quietos e controlados - era assim que muitas escolas compreendiam o corpo e o ensino.

Quem já assistiu ao clipe ou ouviu a clássica música Another brick in the wall, da banda inglesa Pink Floyd, sabe como é isso. Não é à toa que muitos pensadores, como o francês Michel Foucault, mostraram que a escola apresenta o funcionamento e a estrutura muito semelhantes ao sistema carcerário.

A Educação Física, dentro dessa conjuntura, acabou se tornando um dos poucos momentos em que esse corpo ganhava destaque: movimentando-se, sorrindo, suando, sentindo prazer e interagindo. A possibilidade de se expressar. A disciplina, justamente por apresentar uma relação tão intensa com o corpo, acabou sendo considerada como um componente de menor importância, já que pouco contribuía, dentro dessa perspectiva ultrapassada, com o desenvolvimento da razão, da fé e do pensamento filosófico mais “elevado”.

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Quando o corpo passou a ser visto como o protagonista na escola, esse paradigma antigo de Educação teve que ser transformado. Os métodos ativos apresentados por John Dewey ainda no início do século 20 e as contribuições de pensadores como Jean Piaget, Lev Vygotsky, Maria Montessori, Rudolf Steiner, Célestin Freinet e Adolphe Ferrière, assim como o manifesto dos pioneiros da Educação Nova no Brasil e a crítica de Paulo Freire ao processo de Educação bancária, entre tantos outros, ajudaram a pensar a repensar o processo de ensino-aprendizagem e deram ao corpo um maior protagonismo.

A Educação Física não se manteve indiferente a esse movimento. Também fez suas contribuições para reconfigurar as formas de ensiná-la na escola. Surgiram novas formas de se conceber o ensino das práticas corporais dando maior atenção, por exemplo, ao jogo como um fenômeno crucial para a aprendizagem dos alunos. Somada a isso, a visão de inclusão de todos auxiliou nessa prerrogativa do direito, do acesso e do envolvimento de todos em prol da diversidade.

Por que mudar o lugar do corpo

A escola que desvalorizava o corpo e homogeneizava os comportamentos e as identidades não encontra mais espaço em nosso mundo plural, diverso e multifacetado. Ela se torna pouco atrativa para os alunos. Por isso, chegou-se à conclusão de que é impossível aprender de forma significativa sem valorizar e reconhecer a importância do corpo, do movimento e da cultura vinculada às práticas corporais e à diversidade humana.

Um dos resultados mais evidentes desse processo foi o crescimento da preocupação com os sentimentos, emoções e sentidos dos alunos. Se, anteriormente, o foco era se o aluno aprendeu ou não, ficou evidente que se aprende mais, e de forma muito mais proveitosa e significativa, à medida que damos atenção às nossas emoções. Surge assim a valorização das competências socioemocionais, a qual podemos entender como uma forma de darmos voz ao corpo.

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A Educação Física frente às novas considerações sobre o corpo

Dentro desse novo paradigma de escola e de processo de ensino-aprendizagem, a Educação Física apresenta uma importância crucial. Ela é o componente que sempre possibilitou dar destaque ao corpo, reconhecendo seu protagonismo.

Hoje, o que é tido como novo na forma de ensinar, são práticas tradicionais na Educação Física. Por exemplo, metodologias baseadas em dinâmicas de grupo é algo que fazemos o tempo todo durante nossas aulas de esportes. A ideia aprendizagem baseada em problemas também acontece frequentemente, pois na nossa disciplina resolvemos problemas nas atividades e dinâmicas corporais a cada instante.

Os modelos híbridos também estão presentes. Temos a sala de aula invertida quando invertemos a dinâmica de apresentação de conceitos prévios anterior ao momento do encontro de nossa aula; e a rotações por estações, em atividades em circuito.

A aprendizagem por meio de jogos, ou gamificação, também é encontrada nos jogos e brincadeiras que fundamentam nosso currículo. Essa descoberta me permitiu reconhecer que a Educação Física tem muito a contribuir com o processo educativo atual, no qual os demais componentes curriculares buscam dar ao corpo o protagonismo.

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Também são necessárias mudanças no componente

A experiência com a aprendizagem ativa não quer dizer que o componente está isento da necessidade de se transformar. Precisamos deixar de lado práticas tradicionais, como a valorização e o reconhecimento apenas dos alunos mais habilidosos.

Falta também diversidade nos conteúdos trabalhados dentro das unidades temáticas e fugir de estruturas de aulas muito tradicionais. Porém, como vimos, esse é um caminho sem volta: ou a Educação Física assume o protagonismo que lhe é devido ou ela continuará sendo desvalorizada.           

Dentro desse novo paradigma que busco estruturar minhas práticas na escola. Desde o momento que entro nas escolas em que atuo, tenho que fazer escolhas: vou realizar filas? Dividirei a turma por gênero? Vou trabalhar apenas os quatro esportes clássicos? Quando estou falando com um aluno ou uma aluna, vou me abaixar para ficar na mesma altura dele? Como vou falar com eles? São pequenas ações que percebemos que ainda precisamos lutar contra práticas do passado que estão cristalizadas em nós mesmos. 

      

Independentemente do que acontecer com a Educação do futuro, uma certeza é que o corpo não deixará de estar presente. Rindo e chorando, se alegrando com cada aprendizado novo, se frustrando algumas vezes, sentindo medo ou encantamento. Ele sempre estará. Quem sabe um dia tenhamos não apenas o corpo na escola, mas a escola do corpo!

Luiz Gustavo Bonatto Rufino 

Luiz Gustavo Bonatto Rufino é professor na rede pública municipal de Paulínia (SP) e de Campinas (SP) e no Centro Universitário de Jaguariúna (UniEduk). Graduado em Educação Física e em Pedagogia, tem pós-graduação em Docência do Ensino Superior, mestrado em Desenvolvimento Humano e Tecnologias e doutorado em Ciências da Motricidade. Possui experiência profissional na docência em todos os níveis de ensino, bem como em processos de formação inicial e continuada de educadores, produção de livros e de outros materiais didáticos, assessorias e consultorias pedagógicas e educativas. Em 2019, foi vencedor do Prêmio Educador Nota 10 com o projeto “Ressignificando as visões sobre o corpo”.

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