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Clássicos da Literatura: como trabalhar a obra de Machado de Assis dentro e fora da sala de aula

Crônicas e contos do autor, com linguagem coloquial, retrato de situações do cotidiano e diálogo com temas atuais, são excelentes ferramentas para a formação de leitores

POR:
Aline Naomi

Crédito: Getty Images

Segundo João Cezar de Castro Rocha, escritor e professor titular de Literatura Comparada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a leitura de obras clássicas é fundamental para a formação de leitores. 

“A literatura pode ser vista na formação como uma maneira especial de decodificação de textos complexos. Uma decodificação acrescida de um aspecto muito importante, que é o aspecto lúdico.”

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Entre os principais autores clássicos brasileiros está Machado de Assis (1839-1908), um dos maiores nomes da literatura nacional. Para o especialista, é um erro pensar que suas obras não são apropriadas para a formação de um jovem leitor, uma vez que a escrita machadiana é uma das mais coloquiais da literatura brasileira. “O segredo de Machado de Assis não é uma aparente complexidade sintática nem um vocabulário rebuscado. Seu segredo é que, com poucos elementos, ele convoca a imaginação do leitor.” 

Importância do autor

Em 1855, aos 15 anos de idade, Machado de Assis publicou seu primeiro poema. Desde então, só parou de escrever em 1908, ano de sua morte. Para o professor João Cezar, a importância do autor está no fato de que ele foi um homem integralmente das letras, exercitando a literatura ao escrever textos de todos os gêneros. “Machado de Assis é, sobretudo, um operário das letras que se dedica a vida inteira a se aperfeiçoar. Não seria esse o verdadeiro modelo que a escola deveria buscar?”, indaga o especialista.

Eleito o primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras, em 1897, Machado de Assis sabia da importância da leitura para se tornar um bom escritor. “Mais do que um escritor, ele foi um excepcional leitor, com uma capacidade única de ir dos contemporâneos aos clássicos”, ressalta o professor. “Machado de Assis nos ensina que, para entender o mundo e para que nos tornemos pessoas mais interessantes, só há um caminho: a leitura.”


Como trabalhar alguns clássicos

Para abordar a obra de Machado de Assis nas escolas, João Cezar diz que é necessário os professores considerarem a dimensão e a complexidade das produções do autor. Ele recomenda começar com uma seleção de crônicas. “A crônica tem um vocabulário muito cotidiano, trata de temas do dia a dia e rompe essa fronteira entre clássico e contemporâneo, já que é um gênero utilizado pelos mais importantes escritores brasileiros”.

Posteriormente, é possível introduzir os contos do autor, desde os mais lúdicos, como “Um Apólogo”, até os mais complexos, como “A Cartomante”. “Eu escolheria poucos contos e tentaria adequá-los aos interesses dos alunos”, sugere.

Para os estudantes do Ensino Médio, ele indica a novela “O Alienista”, que trata de temas atuais, mas exige um maior tempo de leitura e também maior participação do professor para auxiliar os alunos no entendimento da obra. “Machado de Assis pode ser surpreendentemente importante para quem acredita que não se deve ensinar literatura clássica a adolescentes”, comenta.

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Machado de Assis na prática

Jane Valdirene Morás Schrader, que leciona na rede estadual do Paraná, compartilha da mesma opinião de João Cezar. Em 2013 e 2014, a professora trabalhou os contos “A Carteira” e “A Cartomante” com seus alunos da 2ª série do Ensino Médio do Colégio Estadual do Campo Castelo Branco, em São Miguel do Iguaçu. A proposta resultou em um artigo para o Programa de Desenvolvimento da Educação (PDE) de sua rede.

O pontapé inicial do projeto foi um estudo sobre a vida de Machado de Assis. Na época, os alunos realizaram uma pesquisa sobre o tema e depois, em grupos, apresentaram os resultados. Em um segundo momento, houve a leitura e o estudo dos contos. “Fizemos uma atividade escrita baseada nos elementos composicionais do gênero”, lembra a docente.

Após três meses trabalhando o texto, cada grupo foi responsável por fazer uma produção em vídeo com a dramatização dos contos. O trabalho final foi apresentado para toda a comunidade escolar.

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O conto “A Cartomante” também foi o escolhido pela professora Claudia Fiorillo, da rede municipal de São Paulo, para trabalhar com os estudantes, mas do Ensino Fundamental. Em 2018, ela abordou o texto com os alunos do 7º e do 8º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Major Silvio Fleming, dentro do projeto Academia Estudantil de Letras. A proposta também envolveu a dramatização da obra do autor, além do estudo de produções literárias complementares.

Ao longo de um ano, os estudantes permaneceram no contraturno escolar para ler e discutir os textos, reescrever passagens adaptando-as para os tempos atuais e encenar as histórias. “Até então, os alunos não conheciam Machado de Assis. Eles o achavam chato e prolixo, mas conseguimos trabalhar algumas obras. Os estudantes se aproximaram mais da literatura e passaram a querer ler mais o autor”, conta Claudia.

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A dica da professora Jane é começar com a biografia, para que a turma saiba quem ele foi e, a partir daí, dar um contexto sobre o período histórico e o movimento literário a que ele pertenceu. Ela destaca que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) oferece uma possibilidade bem mais dinâmica para desenvolver o estudo literário, não somente do período em si, mas focado no estilo do texto e nas ideias do autor. “O estudo de Machado de Assis não precisa se voltar apenas ao movimento literário do autor, mas também pode conversar com outras obras e focar no desenvolvimento das habilidades específicas para determinado ano.”

Claudia acredita que a intertextualidade com obras de outros autores, sejam clássicos ou contemporâneos, é importante para que o aluno entenda melhor a produção de Machado de Assis. “Nós discutimos e lemos outras coisas, como Edgar Allan Poe. Para essa compreensão, além do diálogo com outras obras, também é necessário ter metodologias e objetivos claros, avaliações constantes, observações silenciosas, oportunidades de escuta e desenvolvimento da empatia”, finaliza a professora. 

8 sugestões de contos para despertar o interesse dos alunos

Confira as indicações dos professores entrevistados nesta matéria, com links para o Portal Domínio Público, que reúne a obra completa do autor*

Ensino Fundamental 1

Um Apólogo

No conto, uma linha e uma agulha discutem quem é a mais importante. Nessa disputa de vaidades, Machado de Assis ironiza sentimentos humanos, como a inveja e os ciúmes.


Ensino Fundamental 2

Ideias do Canário

Macedo, um professor que se dedica ao estudo de pássaros, se surpreende quando encontra um canário que sabe falar. Ele começa então a conversar com o pássaro sobre suas experiências e visão de mundo. 

Conto de Escola

Narrado em primeira pessoa, o conto começa com uma lembrança do personagem Pilar de quando era menino. A história se passa em uma escola do Rio de Janeiro em 1840 e permite paralelos com os dias atuais. 

A Cartomante

Retrata um triângulo amoroso: Vilela é casado com Rita, que passa a se aproximar do amigo de infância do marido, Camilo. Ao longo da trama, uma misteriosa e sinistra cartomante interfere no caminho das personagens.

Ensino Médio

A Carteira

Honório encontra na rua uma carteira recheada de dinheiro, o que lhe traz um dilema: pagar uma dívida que precisa quitar ou devolver a carteira ao seu dono? Com ironia, o autor critica a sociedade carioca de seu tempo a partir dessa situação.

Caso da Vara

Damião é um seminarista fugitivo que tem medo de voltar para casa, pois acredita que seu pai o levará de volta ao seminário. Ele se esconde na casa de Sinhá Rita, que promete ajudá-lo. Porém, os maus-tratos dela com sua escrava, Lucrécia, deixam Damião em conflito.

Mariana
No conto de 1871, a trama central é o amor não correspondido de Mariana, uma escrava, por Coutinho, o senhor de escravos. Apesar de não ser abertamente abolicionista, a obra faz uma crítica à sociedade escravocrata brasileira do século 19.

O Alienista

Conta a história do Dr. Simão Bacamarte, um médico que se dedica aos estudos da mente e à psiquiatria. Ao se mudar para Itaguaí, Rio de Janeiro, ele abre uma clínica para estudar a loucura e acaba internando todos os moradores da cidade, até ele mesmo se internar.

*A produção completa do autor também pode ser acessada na Biblioteca Digital do MEC

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