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Avaliação diagnóstica ganha ainda mais importância no planejamento do segundo semestre

Prolongamento do ensino remoto intensificou a necessidade dessa prática. Educadores contam suas experiências e falam da relevância desses dados para o avanço da aprendizagem na retomada presencial

POR:
Victor Santos
Crédito: Getty Images

Com a chegada do segundo semestre de 2021, as redes públicas de ensino encontram-se em momentos diferentes em relação à retomada das aulas presenciais. Algumas já realizaram um retorno gradual há algum tempo, outras se preparam para consolidar essa volta agora em agosto, e ainda há um terceiro grupo que seguirá trabalhando remotamente. No entanto, todas elas convergem em um ponto: as preocupações que envolvem a aprendizagem dos estudantes ao longo da pandemia. E o principal instrumento que as escolas têm colocado em prática para mensurar esses conhecimentos é a avaliação diagnóstica.

“Trata-se de um tipo de avaliação que pode ser desenvolvido pelo próprio professor para a sua turma ou aplicada de maneira sistêmica pelas redes de ensino”, sintetiza Romualdo Portela de Oliveira, diretor de pesquisa e avaliação do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). “É, literalmente, um diagnóstico: ela dá um feedback para os educadores, mostrando os tópicos que os estudantes apresentam maior dificuldade e auxiliando, assim, na priorização dos assuntos que devem ser tratados, de modo a garantir que eles consigam progredir”.

A questão é que essa prática, que sempre foi usada no ambiente escolar, ganha agora atenção redobrada. Isso porque o ensino remoto emergencial, iniciado em 2020 com a pandemia e o fechamento das escolas, gerou, inevitavelmente, consequências na aprendizagem dos alunos.

“Inicialmente, é preciso considerar que tipo de interação o estudante teve com a escola nesse período remoto e por quanto tempo”, explica Romualdo. “A partir daí, as avaliações diagnósticas ajudam a identificar o que o aluno conseguiu aprender e a comparar com o que se supunha que deveria ter aprendido ao longo desse período de interrupção das atividades presenciais”. Desse modo, de acordo com o especialista, o professor obtém uma série de informações essenciais para construir um plano de trabalho que atenda às necessidades dos estudantes.

Esse é um processo que envolve muitas etapas de trabalho e complexidades para o seu planejamento, execução e análise. Nesse contexto, NOVA ESCOLA buscou ouvir a experiência de duas professoras de escolas públicas que elaboraram avaliações diagnósticas. Elas e o especialista Romualdo explicam como desenvolver essa prática de maneira efetiva – e sempre colocando a aprendizagem dos alunos no centro do processo.

(Re)planejamento do segundo semestre escolar

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A experiência de uma avaliação diagnóstica municipal

A professora Priscila da Silva de Medeiros atua há 18 anos com Ensino Fundamental 1 na rede municipal de Rancharia (SP), localizada a 508 quilômetros da capital paulista, e possui uma experiência recente com avaliação diagnóstica. Ela, que trabalhava até o ano passado com o 4º e o 5º ano na Escola Municipal Lázara Nogueira Severo Lins e atualmente é supervisora de Ensino Fundamental na cidade, conta que, no município, a avaliação diagnóstica é sempre realizada pela equipe de supervisão da Secretaria de Educação, com o apoio dos coordenadores pedagógicos das escolas.

Priscila atuou diretamente nesse processo em 2021 e compartilha como foi. “Em abril deste ano, momento em que ainda trabalhávamos com o ensino remoto, convocamos todos os alunos da rede municipal para uma avaliação diagnóstica a ser realizada nas escolas. Tudo foi aprovado por um comitê de volta às aulas composto por pais, professores e profissionais da saúde”, relata. “Optamos por receber 35% de alunos por dia em cada escola, uma média de três crianças por sala a cada duas horas. Então, um grupo comparecia das 7 às 9 horas, outro das 9 às 11 horas, e assim sucessivamente.”

Além de todos os protocolos sanitários devidamente cumpridos, a professora e supervisora relembra que a logística foi complicada. “Rancharia é o sexto município em extensão territorial no estado de São Paulo. Temos muitos alunos da zona rural que precisavam ser transportados de volta para suas casas após essas duas horas de avaliação.”

Já em relação à elaboração das atividades, Priscila diz que a palavra-chave foi equilíbrio. “Juntamente com a equipe de supervisores e com os coordenadores das escolas, nós elencamos quais seriam as aprendizagens básicas que deveríamos ter nessas avaliações diagnósticas”, detalha. “Para ter um norte, partimos das habilidades da BNCC e das expectativas de aprendizagem do estado de São Paulo. E tentamos construir um equilíbrio: nada muito básico, mas nada muito além do essencial. A partir disso, criamos as atividades avaliativas.”

Após a realização da avaliação, iniciou-se o processo de tabulação, começando pelos professores. “A tabela é enviada para os educadores preencherem conforme o desempenho da sala, a partir dos números que saíram da avaliação dos estudantes da sua turma. Em seguida, ele entrega para o coordenador pedagógico, que faz uma tabulação geral da escola. Por fim, eles mandam para a secretaria, que monta a tabulação geral do município”, detalha a supervisora.

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Construindo a avaliação diagnóstica na escola

O Maranhão é um dos estados brasileiros que está consolidando a retomada gradual às atividades presenciais em agosto de 2021. Esse fato confere um peso ainda maior para as avaliações diagnósticas, de acordo com a professora Jullie Anne Kuntz Truss, que atua na rede estadual. Jullie leciona Filosofia para o 9° ano e dá apoio pedagógico no Ensino Fundamental 2, no Centro de Ensino Professor Ezelberto Martins, na capital maranhense.

Ela explica que as avaliações diagnósticas já aconteciam de modo contínuo na escola e ocorriam no início de cada ano letivo e de cada bimestre, que lá é chamado de período. “Normalmente, os professores levavam em consideração a BNCC, o currículo, enfim, tudo o que costumavam passar. No entanto, a diferença é que o ensino remoto emergencial fez com que os educadores priorizassem o essencial de cada conteúdo em suas aulas remotas. “Com isso, as avaliações vão nos ajudar a alinhar as expectativas: já que houve essa priorização, não necessariamente conseguimos passar tudo o que era previsto. Então, de que ponto a gente parte agora?”, questiona Jullie.

A professoa Jullie conta que o processo de construção desse instrumento se dá em cada instituição de ensino. “É interessante que cada escola possa organizar suas avaliações diagnósticas da melhor forma, a partir da sua realidade. Muitas vezes, dentro de um mesmo estado, temos contextos bastante diferentes”, aponta a profissional. Ela destaca, por exemplo, que na sua escola 30% dos estudantes não possuíam acesso regular à internet e precisaram usar materiais impressos.

Assim, partindo dessas vivências, a equipe pedagógica investiu em muito diálogo e em reuniões remotas para elaborar essas avaliações da maneira mais uniforme possível. “Procuramos ter o mesmo número de questões, e em um formato-padrão que fizesse sentido para os estudantes, porque é muito ruim quando cada componente curricular é avaliado de um jeito, como quando um pede por formulário, outro por redação e outro ainda por envio de fotos da atividade”, relata a professora, “e vamos também procurar integrar as experiências que eles tiveram nesses meses de ensino remoto, até para que fique algo mais leve.”

A proposta de não colocar um peso gigantesco sobre essas avaliações diagnósticas é, inclusive, um dos pontos centrais do trabalho. “Quando a gente fala em avaliação, os estudantes já ficam com receio, vinculam avaliação a notas. Então, é importante ter esse olhar de carinho e de cuidado, mostrar que estamos juntos e que as avaliações diagnósticas são, realmente, apenas para a gente poder trabalhar melhor, um termômetro para vermos como a turma está”, pontua Jullie.

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Esse curso tem o objetivo de apoiar redes de ensino, escolas e professores a aprofundar seus conhecimentos sobre as competências gerais apresentadas no Capítulo Introdutório da Base Nacional Comum Curricular, bem como orientar o planejamento de práticas pedagógicas que promovam o seu desenvolvimento ao longo da Educação Básica

 

Depois do diagnóstico: mais dados, mais intervenções personalizadas

De acordo com a professora e supervisora Priscila de Medeiros, a experiência da avaliação diagnóstica em Rancharia, interior de São Paulo, foi bastante proveitosa no que diz respeito às informações obtidas. Na avaliação de Língua Portuguesa do 1º ano, por exemplo, foi identificado um porcentual de 87% de alunos não alfabetizados em nível pré-silábico, ou seja, crianças que ainda estão em níveis de escrita bem rudimentares. “No 2º ano, temos 64% de crianças não alfabetizadas, o que é um número muito grande – teríamos entre 7% e 9% num momento sem pandemia. Quando vamos para o 3º ano, verificamos que temos ainda 36% de alunos não alfabetizados. Em épocas normais, essa porcentagem seria de 2% a 3%, ou seja, temos um número dez vezes maior.”

A professora Jullie Truss também ressalta esse trabalho mais orientado a dados, que, inclusive, se fortaleceu em sua escola desde o ensino remoto emergencial implementado em 2020. “Tudo aquilo que é relacionado ao desenvolvimento dos alunos está muito mais documentado. Com a pandemia, realmente nós, professores, tivemos de nos unir e, a partir de então, temos conversado mais, trocado mais. Os professores estão gerando dados, entendendo a importância de ter planilhas, de quantificar, de mensurar.”

Dessa forma, como explica o diretor de pesquisa e avaliação do Cenpec, Romualdo Portela de Oliveira, as avaliações diagnósticas tornam-se uma das principais fontes desse tipo de informação. “A leitura dos dados obtidos vai permitir aos professores entender as diferenças que existem entre os seus alunos, e é provável que eles encontrem grupos muito distintos. O grau de diferenciação entre estudantes de uma mesma sala já existia e foi amplificado na pandemia”, destaca o especialista. “A avaliação diagnóstica é a melhor ferramenta disponível para que o professor possa planejar adequadamente as atividades que precisam ser desenvolvidas para cada um desses grupos.”

A partir da experiência com a avaliação diagnóstica de sua cidade, a educadora Priscila salienta que esse planejamento feito de maneira adequada é, de fato, a chave para um trabalho bem-sucedido com foco na aprendizagem. “Por aqui, todos os resultados obtidos nesse tipo de avaliação são discutidos em horário de trabalho pedagógico coletivo (HTPC) e em reuniões de replanejamento. No caso da diagnóstica feita em abril, os dados auxiliaram no planejamento dos conteúdos do 3º bimestre. Ao sistematizar objetivamente o que a sua sala não atingiu, os professores conseguiram fazer um planejamento mais ajustado à realidade da turma.”

A perspectiva de construir um planejamento mais personalizado, no contexto de cada turma, é algo que a professora Jullie também vê como um dos maiores ganhos das avaliações diagnósticas. “Durante esse período, os estudantes desenvolveram aprendizagens diferentes. Então, o foco é identificar o que há de potencial, o que foi mais desenvolvido e os pontos que precisam ser melhorados”, comenta. “As avaliações diagnósticas funcionam como um instrumento para mapear essas habilidades. Por meio dos seus resultados, os professores podem fazer o replanejamento com base em evidências e não em inferências”, conclui.

Planejamento e replanejamento contínuos – e com cautela
Educadores destacam que o processo de recuperação e avanço da aprendizagem é lento e complexo e requer empatia e diálogo com a realidade dos estudantes 

O trabalho com foco em aprendizagem, que tem na avaliação diagnóstica um dos seus principais instrumentos, é complexo e deve envolver muita empatia, segundo enfatizaram os educadores consultados por esta reportagem. “É cruel usarmos expressões como ‘prejuízos irreversíveis na educação’. Estamos colocando um peso nos professores e alunos, que neste momento precisam de acolhimento”, reforça a educadora Jullie. No nosso caso, nós, professores, não podemos nos culpar porque o aluno não aprendeu determinado conteúdo. O que temos de fazer é, partindo das avaliações diagnósticas, nos questionar: o que foi efetivo? O que não funcionou? E onde não funcionou?”

A professora e supervisora Priscila de Medeiros também ressalta a importância desses questionamentos e de explorar esses diagnósticos no longo prazo, comparando e verificando os avanços na aprendizagem. “Aqui no município, já aplicamos uma segunda avaliação em julho de 2021. Foi uma avaliação periódica de fim de bimestre, mas, mesmo assim, vai dar para fazer um comparativo com a atividade diagnóstica de abril, e avaliar o que avançou e o que não avançou, para então propor novas intervenções.”

Para o diretor de pesquisa e avaliação do Cenpec, Romualdo Portela de Oliveira, é justamente essa perspectiva de cautela e olhar para o longo prazo que vai auxiliar os educadores nesse trabalho com a aprendizagem após os desafios trazidos pela pandemia. “A ideia embutida nas avaliações em larga escala é justamente obter uma série histórica para perceber os avanços e os desdobramentos em cada contexto”, aponta o especialista. “É preciso ter em mente que esse processo de readequação curricular pode levar um bom tempo e precisa ser feito com cuidado – sempre dialogando com a situação concreta dos alunos.”

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