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Sala de aula invertida e rotação por estações: conheça dois modelos de metodologias ativas

Elas podem contribuir com práticas em diversos contextos – remoto, presencial e semipresencial –, em realidades com muita ou pouca tecnologia digital

POR:
Ingrid Yurie

Consultoria: Fernando Trevisani

Crédito: Getty Images

Na busca por meios para manter as crianças e os adolescentes engajados e favorecer a aprendizagem no ensino remoto e semipresencial, as estratégias de aulas ativas ganharam destaque. Elas dizem respeito a propostas pedagógicas em que o aluno tem um papel mais ativo na sua aprendizagem, sendo protagonista da construção do seu conhecimento. Permitem que estudantes aprendam de diferentes formas, maior independência do professor para realizar atividades e a personalização do ensino, o que pode ser especialmente útil para turmas com estudantes em diferentes níveis de aprendizagem e currículos que precisaram ser adaptados. Além disso, nesse momento delicado de retomada das atividades presenciais, são um recurso para aprender e ensinar de forma mais prazerosa e motivadora. “Também otimizam o tempo e a interação com o professor e o conteúdo, e possibilitam a avaliação ao longo do processo”, explica Ailton Camargo, professor na Escola Municipal Zilma Thibes Mello, em Iperó (SP).

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Para além do contexto da pandemia, essas estratégias têm um papel fundamental na formação dos estudantes para os desafios presentes e futuros de um mundo em constante transformação que exige, mais do que dominar uma informação ou técnica, a capacidade de pensamento crítico e criativo, dentre outras competências. 

“Elas promovem a aprendizagem de conteúdos previstos no currículo ao mesmo tempo em que trabalham outras competências socioemocionais e relacionais, apoiando o estudante a transformar informação em conhecimento, em diálogo com seus pares e sob a orientação do professor”, elucida Marly Machado Campos, educadora e consultora de um dos cursos de Metodologias Ativas de NOVA ESCOLA. 

Dentre os vários modelos existentes, a sala de aula invertida e a rotação por estações estão entre as mais adotadas hoje e podem contribuir com práticas em diversos contextos: remoto, presencial e semipresencial, em realidades com muita ou pouca tecnologia digital. “Por um lado, o essencial é promover experiências de aprendizagem significativas, independentemente das condições. Por outro, não podemos parar a luta por mais estrutura na sala de aula”, reforça Ailton. 

Sala de aula invertida: conhecimentos prévios para avançar na aprendizagem

O modelo de sala de aula invertida existe há muito tempo, mas foi retomado e ressignificado pelo ensino híbrido. Se antes consistia quase sempre em pedir para os estudantes lerem algum conteúdo sobre o tema antes da aula, agora as possibilidades são mais amplas. É possível, por exemplo, propor um jogo digital ou analógico ou pedir que a turma assista a um vídeo. Após o contato inicial com a temática, os estudantes também devem realizar alguma pequena atividade, ainda sozinhos. A ideia é que reflitam sobre o assunto e possam aproveitar melhor o momento seguinte, em conjunto com o professor e os colegas, para fazer perguntas e avançar na construção do conhecimento. 

“Ao realizar uma atividade sozinho, o estudante mobiliza conhecimentos prévios, os relaciona com novas informações e levanta questionamentos, que serão objeto de discussão em grupo, argumentando e compartilhando seus achados, ou em outra atividade que o professor possa estruturar para o momento seguinte. É assim que a metodologia permite ao aluno ter autonomia e um papel de fato ativo”, explica Marly.

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Essa etapa inicial também serve para o professor planejar o próximo passo, porque poderá observar os principais pontos em que os estudantes tiveram dúvidas e o que mais os engajou. Por isso, é interessante que ao menos uma das atividades seja realizada por meio de uma plataforma digital, para que o docente tenha acesso mais rapidamente aos dados. Essas produções também são importantes para compor a avaliação dos estudantes e a do próprio modelo, bem como servir de fio condutor entre o momento remoto e o presencial. 

Foi pensando sobre a sua prática, também respaldado por estudos sobre o ensino híbrido, que o professor Ailton, que leciona História, percebeu que, para essa estratégia de aula ativa funcionar melhor, é necessário, antes de tudo, motivar os estudantes a estudar em casa. “Uma aula antes, promovo uma atividade engajadora.      Para trabalhar a Guerra Fria, por exemplo, montei um jogo em que eles tinham algumas pistas para desvendar uma cena relacionada ao tema. Isso gerou uma série de curiosidades nos alunos. Então, quando foram para casa, pesquisaram com mais ânimo e voltaram na outra aula já com mais insumos para continuarmos o jogo”, relata o docente. 

Motivação e maior capacidade argumentativa

A professora Aline Regina Melo, que leciona Ciências para o Ensino Fundamental 2 na rede particular de Guarulhos (SP), também teve uma experiência positiva com a sala de aula invertida. Antes da pandemia, ela usou a metodologia para trabalhar o sistema nervoso com uma turma de 6º ano.

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Primeiro, ela fez uma curadoria dos conteúdos para a os alunos acessarem em casa: selecionou uma atividade para os estudantes relembrarem o que é um sistema, um vídeo curto sobre o que é o sistema nervoso, outro sobre o que é um neurônio e a imagem dos componentes que o formam. Também preparou um questionário pelo Google Formulários sobre os vídeos. Os estudantes que acertaram poucas questões complementaram os estudos com a leitura do livro didático, em trechos recomendados pela professora e que tinham relação com o que foi estudado antes. Já os que obtiveram melhor pontuação criaram conteúdos sobre o assunto para o mural coletivo virtual da turma. Nesse processo, destaca-se a análise dos dados do formulário desenvolvido pela professora, pois eles embasaram o modelo de atividade posterior que os estudantes tiveram que fazer. Já em aula, discutiram o tema, as dúvidas que surgiram e fizeram exercícios juntos. 

“A aprendizagem se torna mais significativa, e os alunos desenvolvem a capacidade argumentativa, porque eles têm mais propriedade para discutir e fazer as próprias perguntas quando chegam na aula. Também percebo que ficam muito motivados de não terem que ficar só parados, ouvindo o professor”, conta Aline. 

Durante a pandemia, Aline passou a realizar o mesmo trabalho virtualmente. Ela enviava os conteúdos aos alunos por meio do Google Sala de Aula, e depois eles faziam um encontro por videoconferência. “O momento de discussão é um dos mais importantes, porque eles aprendem uns com os outros”, pontua. 

Adaptação a contextos com menos acesso a tecnologias digitais

Em contato com uma rede de educadores por meio da plataforma Vivescer, uma iniciativa de formação de professores do Instituto Península, Marly Campos conta que vários educadores de escolas públicas têm conseguido adaptar a sala de aula invertida para contextos de pouco acesso a tecnologias digitais. “O professor está buscando soluções. O importante é que ele tenha um material estruturado e planejado, além de formação e condições para poder realizar esse trabalho”. 

Em geral, os professores enviam textos impressos e uma série de atividades para os estudantes realizarem em casa, enquanto coletam e analisam o que os alunos produziram no período anterior, para planejar os passos seguintes. Depois, se o contexto da turma permitir e com a frequência que for possível, promovem encontros online e síncronos por meio de uma plataforma como o WhatsApp, apenas trocando mensagens. O momento serve para resolver dúvidas e promover debates e trocas.

Para se inspirar: Inverta a sala de aula no Fundamental 1 no ensino remoto

Entenda como fazer esse trabalho na prática, dicas para estimular a autonomia das crianças, como fazer o acompanhamento das atividades e sugestões de ferramentas para usar nas atividades não presenciais. 

A professora Flavia Moura destaca que já desenvolveu o ensino híbrido com poucos recursos tecnológicos, quando lecionava na Escola Municipal Rio de Janeiro, no Rio de Janeiro (RJ). Para tanto, oferecia materiais impressos, utilizava o próprio material didático dos estudantes, baixava vídeos e os transferia por bluetooth, pendrive ou usando o wi-fi da escola, e imprimia formulário de perguntas para os alunos responderem. “No encontro seguinte, estimulava que eles fossem à frente da sala falar um pouco sobre o que entenderam do assunto, o que motivava muito a turma”, lembra. 

Atividades variadas que os alunos possam fazer em casa é a sugestão da professora Aline Melo. Ela indica a observação de plantas no quintal e na rua, e a partir de registros fotográficos ou por meio de desenhos, pode solicitar a realização de experimentos, a leitura de um texto ou a elaboração de perguntas sobre o conteúdo que, inclusive, depois poderão ser respondidas por colegas. Dependendo da infraestrutura da escola, também é possível que os estudantes façam os dois momentos presencialmente, utilizando os computadores disponíveis na unidade para pesquisa e realização de atividades. 

Rotação por estações: diversidade de experiências e colaboração

Inspirada na Educação Infantil, em que as crianças têm seus cantinhos de aprendizagem, o modelo de rotação por estações envolve a movimentação dos alunos pelos espaços e trabalha o protagonismo e a colaboração. Consiste em dividir a turma em pequenos grupos e oferecer a cada um deles uma estação para realizar uma atividade em determinado período de tempo, sob orientação do educador. Podem ser todas dentro de uma mesma sala de aula ou espalhadas pela escola, a depender do propósito e da infraestrutura. Ao longo do período, os grupos rotacionam pelas estações.

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O ideal é que cada uma promova um tipo diferente de experiência, que não precisa seguir uma sequência específica para fazer sentido, e que em pelo menos uma delas seja utilizado um recurso tecnológico. Isso é importante não apenas para o letramento digital dos estudantes, mas também para que o professor possa coletar dados de forma mais ágil e personalizar as rotações seguintes. 

“A rotação por estações é uma oportunidade de apresentar um mesmo tema de diferentes formas”, resume Marly. Assim, uma estação pode ter um recurso visual, outra um texto ou um áudio. As propostas podem incluir um debate, um experimento, outros tipos de produção ou um jogo. Elas podem aprofundar um mesmo assunto ou abordar diferentes temas que se complementam e enriquecem o olhar do aluno. 

“Tudo isso permite ao estudante ser ativo, mobilizar e aplicar conhecimentos e identificar, de acordo com o seu perfil, a melhor forma de aprender, além de desenvolver várias competências”, complementa a especialista. Dentre elas estão gerenciar o tempo, porque as atividades precisam ser cumpridas em determinado período, e trabalhar em grupo de forma colaborativa. Além disso, aprimoram a capacidade de aprender e de construir conhecimentos de forma multimodal, além do incentivo ao protagonismo e da postura ativa diante do aprendizado. 

Atividades práticas e interações

Antes da pandemia, uma rotação por estações que misturava Ciências e Matemática foi a proposta da professora Flavia Moura e de sua colega Carla Fernanda Ferreira Pires para o 7º ano da Escola Municipal Rio de Janeiro, no Rio de Janeiro (RJ). 

Para começar, a dupla realizou um extenso planejamento, olhando para os materiais necessários, o papel de cada uma nas estações e o que era esperado dos estudantes. Assim, conceberam uma atividade que envolvia construir representações 2D e 3D de bactérias com formas geométricas, relacionando conceitos das duas áreas de conhecimento (Ciências e Matemática). Em uma das estações, os estudantes leram um texto sobre o Reino Monera, discutiram, sortearam uma carta com três perguntas e desafiaram o colega a responder. Em outra, construíram três formas diferentes de bactérias em modelos 3D usando massinha. Na última, elaboraram um modelo de célula bacteriana com formas geométricas 2D utilizando recortes de papéis coloridos. 

Ainda, os estudantes puderam ajudar uns aos outros durante todos momentos. Havia revistas e outros materiais para leitura e um crachá de monitor para quem quisesse voltar às estações que já tinham passado e ajudar os colegas que eventualmente precisassem. “Ensinando o aluno aprende muito mais e o colega, por afinidade de linguagem e percepção, também compreende com mais facilidade”, diz Flavia. 

Idealmente, em contextos com mais acesso às tecnologias digitais, haveria também uma estação que permitiria ao professor coletar dados virtualmente. Mesmo em cenários em que isso não possível, é possível se inspirar e adaptar para cada realidade. “A tecnologia ajuda, mas não pode ser um impeditivo para realizar esse trabalho”, afirma Flavia.

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Além de usar os modelos com as turmas de Anos Finais, também é possível adaptar para trabalhar com os mais novos. Neste Nova Escola Box, entenda como usar estratégias de ensino híbrido para planejar aulas de Matemática, remotas ou semi-presenciais, sobre grandezas e medidas.


á no contexto pandêmico e remoto, a professora Aline desenvolveu se inspirou na rotação por estações abordando o tema das vacinas. Em uma sala de videoconferência, dividiu o grande grupo em salas menores e deu uma atividade para cada um, que deveriam realizar em até 10 minutos. A primeira consistia em assistir a um vídeo sobre vacinas e fazer um mapa mental do tema. Na sequência, realizar alguns exercícios e, por fim, resolver um jogo que a professora criou por meio do Escape Factory. “Para cada tarefa que cumpriam com êxito, eles ganhavam pontos. No final, revisamos tudo juntos, e os pontos que os grupos ganharam em cada atividade foram usados para trocar lances em um jogo de batalha naval com a turma toda”, conta Aline. 

Para adaptar ao modelo semipresencial no contexto da pandemia, em que a rotação pelas estações, agrupamentos e o compartilhamento de objetos não é possível, Aline recomenda criar as atividades de cada estação e oferecer uma de cada vez, cronometrando o tempo de execução para a sala inteira, mas a serem realizadas individualmente. Se parte da turma estiver em casa com acesso síncrono à aula, também é possível participar. Se não tiverem acesso às tecnologias digitais, ainda podem realizar as atividades das estações em casa, cronometrando o tempo sozinhos.


Metodologias ativas, presente e futuro

As estratégias de sala de aula invertida e rotação por estações ganharam mais destaque a partir do retorno semipresencial das escolas durante a pandemia, que exige para a maior parte das turmas uma alternância entre momentos presenciais e remotos a fim de reduzir a quantidade de pessoas circulando pelos espaços. É a partir desse empenho em planejar como garantir as aprendizagens da melhor forma nesse contexto que muitas escolas têm promovido uma transformação nas formas de ensinar e aprender, e que tem tudo para ficar. 

“Temos um bom conjunto de professores dedicados, implicados com o momento atual, e se a escola pública promover valorização e capacitação docente, vai dar um passo muito grande, acelerando o processo de inovação”, indica Marly. 

O professor Ailton vai na mesma linha, mas lembra que, além dos esforços e criatividade dos professores, é necessário garantir acesso à internet e a equipamentos tecnológicos de qualidade para todos, educadores e estudantes. “É preciso que o Estado invista para que o professor consiga trabalhar nesses modelos e os alunos tenham acesso, principalmente porque a internet é importante para agilizar a coleta de dados e proporcionar experiências engajadoras”. 

Nesse processo de implementar estratégias de metodologias ativas, Marly convida gestores e educadores a interpretarem os “erros” que vão acontecer não como fracassos, mas como indícios de que é preciso mudar de rumo. E, para tanto, o professor não está sozinho. “Os alunos devem ser nossos parceiros nessa construção. Então, precisamos ouvi-los sobre como tem sido essas aulas, o que também gera maior vínculo com a aprendizagem, além de mover o professor da posição de quem sabe o que tem que ser feito para a de quem pesquisa quais podem ser os melhores caminhos”. 

Para a professora Aline, esse processo tem sido trabalhoso, mas gratificante: “Vale a pena quando vejo que os estudantes se interessaram pelo assunto e de fato aprenderam. E o mais importante é que venho percebendo que isso cultiva neles o prazer em aprender”.

Como começar a usar estratégias ativas

Especialistas e professores entrevistados apontam caminhos e possibilidades para iniciar e aprimorar essas práticas 

Verifique as condições disponíveis. Para começar a experimentar as estratégias de aulas ativas, e mesmo para aprimorá-las, é necessário considerar as condições que se tem para realizar o trabalho. “Além da infraestrutura física e o acesso à internet e às tecnologias digitais, é preciso uma gestão aberta que apoie o processo, o professor e sua formação”, destaca Marly. 

Conheça o perfil da turma. O professor deve conversar com os alunos para saber, por exemplo, quais assuntos são mais interessantes para eles, que tipo de atividades gostam mais e quais agrupamentos funcionam melhor. 

Comece de maneira simples. Decidida a estratégia, Ailton recomenda começar devagar. “Faça apenas duas estações para rotação e proponha um roteiro de estudos simples em casa. Não precisa chegar com muitas estratégias para fazer a personalização aula a aula”. 

Faça adequações. Ajustar as estratégias ativas a diferentes etapas da Educação e níveis de desenvolvimento de cada turma também é possível. Basta planejar as estratégias de acordo com as competências e habilidades a serem desenvolvidas. “Depois é entender como eles respondem, o que interessa e o que não engaja, para redesenhar a estratégia e torná-la cada vez mais personalizada”, orienta a professora Aline. 

Considere o nível de autonomia dos alunos. Para os mais novos pode ser melhor organizar atividades e roteiros de estudo bem definidos e estruturados, enquanto para as turmas de Ensino Médio é possível deixar as possibilidades mais abertas e com espaços para intervenções dos próprios estudantes. 

Experimente novas possibilidades. Conforme as experiências avançam, é possível testar outras opções, ouvindo também as contribuições dos estudantes, como mesclar a sala de aula invertida com a rotação por estações. Para tanto, os estudantes fazem pesquisas e atividades relacionadas ao tema em casa e, no momento seguinte, participam da rotação por estações, recebendo mais informações e diferentes possibilidades de experimentação.