Estamos preparados para o Novo Ensino Médio em 2022?
Gestores, educadores e especialistas contam como está a implementação das mudanças que deveriam chegar às escolas no próximo ano
POR: Paula SalasOs desafios do Ensino Médio são históricos e diversos. Entre eles estão a falta de conexão da escola com a realidade dos alunos, os currículos muito conteudistas e a necessidade de ingresso ao mercado de trabalho. Esses e outros aspectos resultam nas altas taxas de evasão escolar. Com o modelo em crise, a mudança era necessária. Foi assim que surgiu a Lei do Novo Ensino Médio, em 2017, a qual trouxe mudanças estruturais na etapa. “Estava na hora! Perdemos muitos alunos porque não estávamos inovando. Esse novo modelo pode diminuir a distância entre a escola e o aluno e permitir a concretização do seu protagonismo”, afirma Edna Nogueira, diretora da Escola Estadual Solon Borges dos Reis, na capital paulista.
“É um modelo que vai na direção certa, inspirado no que sabemos que tem dado certo em outros lugares”, complementa Rita Jobim, coordenadora de Políticas Educacionais do Instituto Unibanco. As novidades, que você pode lembrar quais são ao longo desta reportagem, estavam previstas para se tornarem obrigatórias cinco anos após a homologação do marco legal, ou seja, em 2022. O que ninguém imaginava é que teríamos uma pandemia no meio do caminho.
Em julho deste ano, o Ministério da Educação publicou um novo cronograma que coloca para 2022 a implementação dos referenciais curriculares no 1º ano. No 2º e no 3º ano, essas mudanças devem acontecer em 2023 e em 2024, respectivamente. Também estabelece que até 2024 deverá haver um esforço de monitoramento dos novos referenciais curriculares e de formação continuada dos educadores.
Para a coordenadora do Instituto Unibanco, a nova configuração pode ser uma forma de atrair quem se afastou da escola durante o ensino remoto. “Justamente por ser um modelo que torna a escola mais significativa, capaz de engajar e se conectar ao mundo do trabalho, pode ser um esforço para mitigar os impactos da pandemia”, aponta. “É necessário colocar as instituições de ensino como um lugar que vai fazer diferença para o futuro dos alunos, que ajudará a construir outros caminhos, que é um investimento [de tempo e esforço] que vale a pena”, completa.
Nesse cenário, teremos o Novo Ensino Médio no próximo ano letivo? Levamos esse questionamento para as secretarias, educadores e especialistas. Nesta reportagem, veja como está a implementação em escolas estaduais de Seabra (BA), São Paulo (SP), Capinzal (SC) e João Pessoa (PB) – para saber como está o processo em outros estados, confira aqui.
Os desafios e o que será possível
“Até ser concretizado é um processo, mas é possível implementar em 2022”, acredita Rita. “Temos de pensar no como [e no que vai ser possível implementar]. É um cenário incerto de uma mudança que vai apenas começar no próximo ano”, acrescenta Bruna Caruso, especialista em Ensino Médio.
Idealmente, 2021 seria um momento de teste e de comunicação com as escolas. Segundo Rita, é grave isso não ter acontecido, porque aumenta a resistência. “É um processo que deveria começar mais azeitado. Não houve boa comunicação nem uma formação”, observa.
Essa também foi a percepção de muitos educadores. “Criou-se uma insegurança muito grande em relação ao Novo Ensino Médio, por exemplo, que este iria diminuir a carga horária do professor da formação geral”, diz Celcino Teixeira, diretor do Colégio Estadual de Seabra, na Bahia.
Os desafios também existem do ponto de vista financeiro: “É um modelo que demanda mais investimento para estrutura, remuneração de professores, merenda e logística, entre outros”, indica a especialista do Instituto Unibanco. Pensando nesse ponto, é essencial um cuidado para não aumentar a desigualdade entre os estados e até mesmo dentro das redes por conta de limitações em escolas menores, longe dos grandes centros. “É necessário lutar por mais investimento, mas não significa que devemos parar o processo de implementação”, afirma.
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Por ser um processo gradual, ela vê que é preciso dar o primeiro passo. “O modelo vai necessitar de melhorias com o tempo. Não vamos ter um momento em que teremos todas as condições. Apesar dos desafios, da pandemia ter prejudicado a implementação, temos de continuar”, defende. Ela destaca que as redes estão seguindo o caminho que vê como mais adequado: uma implementação gradual.
Nesse contexto, Rita percebe que este é um momento em que as secretarias devem investir em formação e comunicação. “A comunicação começa na escuta de todos os envolvidos para tirar dúvidas”, explica. “Tem de ser uma comunicação formativa. Não só informar como vai ser, mas formar sobre o como. A secretaria deve consultar a perspectiva da escola e pensar nas ações de implementação que façam sentido na ponta”, complementa Bruna Caruso.
Além disso, para Rita, as formações de professores e gestores devem acontecer não apenas em cursos on-line oferecidos pelas secretarias e institutos externos, mas também, em momentos na escola de estudo coletivo e de trocas de experiências. E de acordo com Bruna, após a implementação, também é necessário pensar em ações de monitoramento e acompanhamento para conseguir endereçar os problemas.
Outro assunto importante que não pode ficar fora do radar no próximo ano é repensar a forma de avaliar os alunos. Também devem ser consideradas as mudanças necessárias nas avaliações externas, como o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
As mudanças do Novo Ensino Médio
Relembre quais são as novidades previstas para a etapa
A Reforma do Ensino Médio (ou o Novo Ensino Médio) foi estabelecida pela Lei nº 13.415/2017, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). O texto estabelece um aumento do tempo mínimo de permanência do estudante na escola de 800 horas para mil horas anuais até 2022.
As 3 mil horas obrigatórias ao longo dos três anos foram divididas em duas partes: 60% (ou 1,8 mil horas) devem ser dedicadas à formação comum, isto é, ao conteúdo que será igual para todos os estudantes, com os componentes curriculares e um trabalho organizado por áreas de conhecimento. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Médio, homologada em dezembro de 2018, traz os direcionamentos das competências e habilidades que devem ser desenvolvidas nessa parte.
As demais 1,2 mil horas representam a parcela flexível do currículo, isto é, aquela que cada aluno poderá escolher com base nos seus interesses. Aqui entram os itinerários formativos, que consistem no conjunto articulado de unidades curriculares, que promovem aprofundamento em uma (ou mais) área(s) do conhecimento. Eles são compostos por disciplinas eletivas, projeto de vida e as trilhas de aprofundamento. Há também a possibilidade de esse itinerário ser de formação técnica e profissional.
A implementação em Seabra
A Bahia é um dos estados que sentiram bastante o impacto da pandemia na implementação do Novo Ensino Médio e já anunciou um novo cronograma. O Conselho Estadual de Educação da Bahia estabeleceu a obrigatoriedade do Novo Ensino Médio apenas a partir de 2023, e não em 2022 como determina a Lei do Novo Ensino Médio, de 2017. “Iniciamos [o processo de implementação] no fim de 2019, mas quando começamos a decolar veio a pandemia. Agora estamos retomando o trabalho”, explica Celcino, diretor do Colégio Estadual de Seabra.
Essa mudança deve-se ao fato de que ainda não foi homologado o currículo alinhado à BNCC. Em novembro de 2021 foi entregue ao Conselho o Documento Curricular Referencial da Bahia, que vai nortear a elaboração dos currículos. Este é considerado um dos primeiros passos para começar a implementação.
Apesar da mudança do cronograma, as escolas já darão início à transição em 2022 e devem apresentar ao Conselho a matriz curricular alinhada aos documentos orientadores. No Colégio Estadual de Seabra, além da adaptação para o novo modelo de Ensino Médio, a escola também está em processo de se tornar uma instituição de tempo integral. “Estamos nos preparando, aprendendo com os erros e acertos para pensar o que vamos fazer em 2022”, conta o diretor.
Além disso, a instituição enfrenta grande desafio deixado pela pandemia: apenas 40% dos alunos estão participando das atividades escolares, que retornaram de forma presencial em outubro. A ausência da maioria dos estudantes tem impactado a organização dos próximos passos do Novo Ensino Médio.
Em 2021, os alunos já começaram a ter atividades de projeto de vida e as disciplinas eletivas. Para o próximo ano, ampliarão o leque de disciplinas ofertadas e farão um primeiro teste das trilhas de aprofundamento. “Os professores adquiriram novas habilidades [com a experiência de eletivas deste ano]. Os alunos chegam com uma noção do que querem fazer [e do que esperar], então em 2022 será melhor”, reflete Celcino.
Para se adaptar ao trabalho por áreas do conhecimento, o diretor vê que será necessário mudar a forma de pensar e de organizar o trabalho docente. “Viemos de uma cultura de disciplinas. É um desafio que vamos ter, porque nunca trabalhamos por áreas. A interdisciplinaridade não acontecia na prática. É uma novidade para o próximo ano”, aponta o gestor escolar.
Ele explica que será possível consolidar esse trabalho com a chegada do novo material didático, que já terá esse olhar por áreas, e um esforço da coordenação de apoio e organização da equipe. “Vamos montar um esquema para que os professores planejem de forma coletiva”, explica. Para tal, será necessário garantir que coincidam os horários dedicados ao planejamento.
Outro ponto de atenção para o próximo ano, de acordo com Celcino, é a adequação do espaço físico das escolas. A arquitetura, segundo acompanhamento do Movimento pela Base, é uma das únicas ações na frente de implementação que já foi iniciada e está em elaboração no estado da Bahia. “Estamos passando por uma reforma muito grande. A escola está em processo de modernização do espaço”, relata o diretor. “Não sabemos a instituição que teremos em 2022. Precisamos ver esse novo espaço para perceber as outras adequações que serão necessárias.”
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A experiência na capital paulista
Na Escola Estadual Solon Borges dos Reis, os professores e gestores preparam-se para as mudanças. Neste ano, receberam as disciplinas do programa Inova (tecnologia e inovação, projeto de vida e as eletivas), iniciativa da Secretaria Estadual que contemplava as escolas de tempo integral. “Foi muito interessante, porque tivemos um bom resultado, especialmente com as eletivas. Quando falamos de projeto de vida, desmitificamos que o nosso aluno de periferia não pensa em uma profissão [que exija Ensino Superior]”, relata Edna Nogueira, diretora da instituição. Além disso, em 2021, o 1º ano já trabalhou dentro do novo currículo alinhado à BNCC.
No próximo ano, os alunos do 2º ano começarão a ter as trilhas de aprofundamento e serão oferecidos cinco itinerários na escola, inclusive de formação técnica. Segundo a secretaria, todas as escolas ofertarão pelo menos dois itinerários, além da formação técnica profissionalizante. Com a conclusão do período da rematrícula, a rede já divulgou a preferência dos alunos por trilhas que integram mais de uma área do conhecimento, especialmente Ciências Humanas e Linguagens. Na EE Solon Borges dos Reis, Edna conta que o processo de apresentação das possibilidades foi on-line. “Esclarecemos o que eram os itinerários, lemos as ementas e explicamos o que podiam esperar. Foi surpreendente, pois eles sabiam o que escolher.”
Em 2022, a escola também ampliará a carga horária de todos os alunos e passará a ofertar as eletivas para as turmas do período noturno. No entanto, a instituição tem um desafio pela frente: “O aluno do 2º ano geralmente já trabalha. Nem sempre ele vai conseguir fazer essa expansão da carga horária no presencial”, alerta a diretora. Um caminho encontrado é ofertar algumas disciplinas de forma remota por meio da plataforma do Centro de Mídias de São Paulo. “Só vamos usar a ferramenta em si, pois a aula vai ser preparada pelo nosso professor, pensando naquela turma”, ressalta. Além desse conteúdo, também estão previstos encontros presenciais, como plantão de dúvidas e momentos de interação em grupo.
Para dar conta de todas as mudanças, a diretora conta que a coordenação pedagógica tem desenvolvido um trabalho de acompanhamento próximo dos professores. A ideia é apoiá-los nos estudos e planejamento que o novo formato exigirá, especialmente para aqueles que assumirem componentes da parte flexível do currículo.
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As mudanças em Capinzal
A rede estadual de Santa Catarina é uma das mais avançadas no processo de implementação, segundo acompanhamento do Movimento pela Base. A secretaria já publicou todas as ações de regulamentação necessárias e tem todos os documentos orientadores. Já foram apresentados às escolas 25 possibilidades de itinerários formativos e 13 relacionados à formação técnica. Também foram criados 25 componentes eletivos – todas as orientações e cadernos estão reunidos aqui.
Saionara Almeida, professora de Língua Portuguesa e Projeto de Vida na Escola de Educação Básica Mater Dolorum, em Capinzal (SC), viveu esse processo na prática. Desde 2017, a escola vem incorporando gradualmente as mudanças previstas no novo modelo e foi uma das escolhidas para ser piloto. “No começo da implementação, tivemos de nos debruçar e estudar a proposta. Continuamos nos aprofundando e fazendo cursos sobre o assunto”, explica a educadora. “Precisamos nos desconstruir, pensar no aluno que queremos formar.”
Ela destaca a importância da parceria e da troca entre os professores para alcançar a proposta do trabalho por áreas do conhecimento. “Temos um momento de planejamento, em que sentamos, estudamos e analisamos o que os alunos precisam”, compartilha. “Não é fácil trabalhar em grupo. Nas formações, tivemos de criar dinâmicas para interagir. Os professores também têm de ter abertura ao novo”, destaca.
Com as primeiras experiências do Novo Ensino Médio, a professora considera que a parte flexível do currículo é uma oportunidade para o aluno colocar mais a mão na massa. “Vejo o aluno indo para a sociedade e desenvolvendo habilidades. Cada escola do Brasil tem uma realidade diferente e precisa aproveitar a sua regionalidade”, reflete. Esse olhar para o contexto será fundamental para a construção das eletivas e trilhas de aprofundamento.
Em 2022, a escola terá as primeiras turmas com as trilhas de aprofundamento. Além dessa novidade, outro desafio diz respeito às turmas do noturno. Pela impossibilidade de aumento da carga horária, a duração do curso passará, a partir do próximo ano, a ser de quatro anos.
Uma preocupação, segundo Saionara, é em relação a como os alunos receberão essas mudanças e como será o trabalho docente. Para superar esses e outros desafios, ela destaca a importância da parceria entre a equipe escolar. “Se não tiver uma gestão que apoia o professor, fica difícil dar certo. Ela tem de construir, estudar e participar das aulas.”
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A situação em João Pessoa
Na rede estadual da Paraíba, em 2021, 150 escolas regulares e as Escolas Cidadãs Integrais (nome dado às instituições de tempo integral) foram piloto do Novo Ensino Médio. Em 2022, a previsão é de que todas já comecem o ano com o novo modelo.
A Escola Cidadã Integral Técnica Alice Carneiro, em João Pessoa, a capital paraibana, é uma dessas instituições. Em 2017, quando a escola se tornou de tempo integral, começou a trabalhar com alguns elementos do Novo Ensino Médio, como o projeto de vida e as eletivas. “No início, tivemos dificuldade para organizar o horário e para que as famílias entendessem a proposta, [para conseguir] conquistar a comunidade”, explica a diretora Neuzângela Pinheiro. Também foram pensadas estratégias para ampliar a articulação entre os professores e o planejamento de cada componente.
Hoje, a escola oferece a parte da formação comum e tem a parte diversificada do currículo com o projeto de vida, as disciplinas eletivas e as de aprofundamento. Além disso, também oferta os cursos técnicos de informática e hospedagem. “A centralidade de todo o trabalho é no protagonismo do aluno, é ele quem conduz a sua aprendizagem”, aponta a educadora. “A proposta é de que o estudante possa escolher o percurso mais interessante com base no seu projeto de vida. É o que trabalhamos desde o primeiro dia de aula”, salienta. Com isso, para o próximo ano, não há mudanças previstas, apenas a continuidade e a consolidação do trabalho que vem sendo realizado.
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