Dia das Mulheres: como garantir a representatividade feminina em sala de aula durante todo o ano
Conheça caminhos e experiências para levar a temática para turmas do Ensino Fundamental
POR: Aline NaomiCom a aproximação do Dia Internacional da Mulher, as escolas costumam se movimentar para organizar atividades que deem destaque às mulheres. A data, no entanto, não deve ser utilizada para ações pontuais, mas como oportunidade de refletir sobre como a temática está inserida na rotina e no currículo escolar.
As mulheres sentem desde cedo os efeitos da desigualdade. Um estudo realizado por pesquisadores das Universidades de Nova York, Illinois e Princeton, nos Estados Unidos, revelou que aos seis anos as meninas passam a duvidar mais da própria capacidade do que os meninos.
“Levar para a sala de aula biografias de mulheres significa falar de uma Educação muito mais rica e diversa, que consiga superar a história única”, explica Gina Vieira, professora de Língua Portuguesa na rede estadual de Brasília e formadora de educadores. Ela explica que a história única, como diz a escritora Chimamanda Ngozi Adichie, é aquela que reforça a ideia de que apenas os homens protagonizaram os grandes momentos históricos.
Siga as pegadas das mulheres na arqueologia e na história
Confira reflexões, entrevistas e uma sugestão de atividade para trabalhar com alunas e alunos os papéis e a emancipação das mulheres ao longo da história, desde as primeiras sociedades humanas,
Essa crença em uma suposta superioridade dos homens afeta diretamente a identidade das alunas. “Minha autoestima não é uma construção que faço sozinha. Eu a construo a partir de minhas relações com o mundo”, comenta Gina. “Se estou imersa em um mundo onde só vejo homens em destaque, só leio obras de homens e os livros apresentam apenas feitos de homens, isso vai me constituir como sujeito.”
Marilucia Marques, especialista do Instituto Unibanco, reforça a importância de trazer a questão do protagonismo das mulheres durante todo o ano letivo. “Quando você atua de forma pontual, você fragiliza o debate e não cuida da complexidade dessa discussão”, explica.
Ela também salienta que esse debate deve ser promovido de forma coletiva pela escola. “Não tem como o professor atuar sozinho em nenhuma discussão de gênero e raça”, afirma. “Isso significa que toda a instituição — o corpo docente e a gestão escolar — precisa assumir que existem essas desigualdades.”
Para além de mulheres brancas
A representatividade também deve contemplar a diversidade racial
Ao falar da história de mulheres é essencial olhar para outros marcadores sociais, como raça ou território. Para Gina, o olhar para o contexto da comunidade escolar é crucial para pensar como incluir esses outros recortes. “Se fosse desenvolver um projeto em uma comunidade ribeirinha, traria uma abordagem. Se estivesse em uma escola do campo, traria outra”, exemplifica a professora. Dessa forma, quando a representatividade dialoga com a realidade dos estudantes, ela se torna ainda mais significativa.
Caso não seja possível encontrar mulheres em determinada área, Marilucia enfatiza a importância de trazer essa questão para a sala de aula e dar espaço ao debate dos motivos por trás dessa desigualdade. “Você não pode falar de mulheres na ciência só com cientistas brancas e não mencionar a ausência [ou o número menor] de mulheres negras”, aponta especialista.
Como trabalhar o tema nos Anos Iniciais
Larissa de Assis, professora e atualmente coordenadora pedagógica na Escola Classe 303, em São Sebastião (DF), tinha o desejo de valorizar a história das mulheres responsáveis por seus alunos. Aliada a essa ideia, identificou a necessidade de trabalhar a interpretação de texto com eles. Com isso, nasceu o projeto “O sabor da minha história”, com uma turma do 3º ano do Ensino Fundamental.
Cartas de afeto para mulheres inspiradoras
Entenda como trabalhar o gênero textual previsto na BNCC e, ao mesmo tempo, promover a valorização de mulheres importantes na vida dos alunos.
Durante a iniciativa, os estudantes foram apresentados à escritora negra Cristiane Sobral e realizaram exercícios de gramática e interpretação de texto a partir de seus poemas. Por fim, a professora pediu que cada um escolhesse uma receita de família e escrevesse a biografia de quem costuma prepará-la. “A ideia era valorizar os pequenos momentos que as crianças têm com mulheres importantes em suas vidas”, explica.
Com o projeto, Larissa conseguiu promover uma aproximação entre os estudantes e suas mães, avós e tias. A turma também pôde conhecer melhor suas origens. Além disso, a professora despertou o interesse dos alunos — e também dos familiares — pela poeta Cristiane Sobral.
“A pessoa pensa que só quem escreve livro é quem é branca, rica, nascida em berço de ouro. Ela [a mãe de um aluno] pensou: ‘eu também posso pensar, né?’ Teve outra que me falou: ‘professora, eu achei o site da Cristiane Sobral e assisto [à escritora] no YouTube enquanto faço minhas coisas’”, relata.
A potência da literatura produzida por mulheres
Estimule a leitura ao propor experiências literárias diversas com livros de diferentes gêneros literários escritos por mulheres, de forma que os alunos percebam as marcas de autoria
Mudanças na rota do projeto
Maria Kleire Mendes, professora de Ciência do Colégio Municipal Professora Didi Andrade, em Itabira (MG), decidiu fazer um projeto sobre a merenda escolar para trabalhar a iniciação científica dos estudantes dos anos finais do Fundamental. A proposta era investigar a origem dos alimentos e como eles chegam à escola. Nessa pesquisa, descobriram que as empresas familiares que forneciam os produtos eram, em sua maioria, lideradas por mulheres.
Foi assim que começou o projeto “Mulheres na agricultura familiar de Itabira”. Para dar início à proposta, uma nutricionista explicou aos estudantes como o cardápio da merenda era montado, para que eles entendessem o embasamento teórico que está por trás da alimentação oferecida na escola. Em seguida, conversaram com as agricultoras para investigar como é a produção dos alimentos e os desafios que elas enfrentam. A proposta era conhecer a história dessas mulheres que cultivam os produtos fornecidos à escola — inclusive, os estudantes descobriram que uma delas era mãe de um colega da turma.
A Ciência das mulheres
Conheça a participação das mulheres no campo científico ao longo da História e mapeie estratégias para estimular a participação de todos nas aulas de Ciência
“As meninas ficaram orgulhosas [de ver outras mulheres nesse lugar de destaque], e os meninos passaram a respeitar mais essas mulheres”, comentou a professora, lembrando-se da atividade — que foi premiada pelo Desafio Criativos da Escola. Ana Luiza Damasceno, uma das alunas que participou do projeto, explica o impacto positivo que teve em sua vida. “As mulheres são a grande maioria na agricultura familiar, e é muito gratificante para mim, como mulher, ver isso.”
Trabalhos como o dad professora Maria Kleire e Larissa permitem aprendizagens que vão além dos conteúdos curriculares. “Fortalecemos a autoestima das meninas ao apresentar outras possibilidades identitárias, mas, mais do que isso, ajudamos os meninos a pensar sobre as mulheres a partir de outra perspectiva”, finaliza Gina.
Por onde começar?
Para te ajudar a dar os primeiros passos, as especialistas compartilham sugestões.
Gina indica dois livros que podem ajudar os educadores a trazer mais mulheres para a sala de aula:
- Histórias de ninar para garotas rebeldes, por Elena Favilli e Francesca Cavallo (VR Editora) — a obra também foi adaptada para o formato podcast.
- Enciclopédia negra: biografias afro-brasileiras, de Flávio dos Santos Gomes, Jaime Lauriano e Lilia Moritz Schwarcz (Companhia das Letras).
Especialmente neste contexto de pandemia, Marilucia sugere trabalhar com a biografia de mulheres que foram fundamentais no combate à pandemia, como:
- Jaqueline Goes, biomédica negra que coordenou a equipe responsável pelo sequenciamento do genoma do vírus responsável pela Covid-19.
- Margareth Dalcolmo, pesquisadora considerada uma das principais especialistas sobre a doença no Brasil e referência nacional e internacional nos estudos sobre doenças infectocontagiosas.
- Sarah Gilbert, professora de vacinologia na Universidade de Oxford e coordenadora do grupo de cientistas que desenvolveu a vacina da Astrazeneca.
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