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Como colocar em prática a Aprendizagem Baseada em Projetos?

Conheça as etapas fundamentais desta metodologia ativa e as experiências de professores que a desenvolveram com suas turmas

POR:
Thais Paiva
Foto: Getty Images

Toda descoberta começa com uma pergunta. “Como a vida surgiu?”, “onde estamos?”, “do que nosso planeta é feito?” e tantas outras indagações foram o ponto de partida para investigações que mudariam o mundo. Muitas vezes, o conhecimento é resultado da curiosidade, do interesse ou de um incômodo: quanto mais importante a resposta que se deseja, mais ativo e engajado se torna o processo pela sua busca.

Essa máxima, que está por trás das grandes descobertas da humanidade, vale para todo e qualquer processo de aprendizagem e é um dos pilares da Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP). Trata-se de uma metodologia ativa que, por meio da proposição de uma questão disparadora ou de um desafio, convoca os estudantes a aprender por meio da resolução de situações-problema do cotidiano. 

Adolfo Tanzi Neto, doutor em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem e especialista em metodologias ativas para o contexto escolar, explica que a ABP tem o potencial de mobilizar o estudante em seus aspectos social, emocional e cognitivo. Isso porque os projetos dialogam com a realidade da turma e não são apenas executados, mas construídos pelos alunos, o que gera envolvimento e protagonismo. 

Mas, para que isso ocorra, é preciso fugir de modelos pré-formatados e, de fato, incluir os estudantes no planejamento e dar autonomia para que sigam diferentes trilhas. “Muitas vezes, o que acaba acontecendo é a escola ou o professor já vir com um projeto pronto, fechado. E o interessante da aprendizagem por projetos é justamente ela ter a mão do aluno, ser uma co-construção”, destaca. 

Apesar desse caráter flexível, Adolfo diz que é possível delinear um fio condutor ao se trabalhar com a metodologia: a proposição de uma questão disparadora leva ao levantamento de hipóteses, que conduzem à investigação e, por fim, à elaboração de um produto final com uma possível solução para a problemática. Nessa jornada, os alunos trabalham em grupos e aprendem de forma coletiva e colaborativa. No botão abaixo, acesse o roteiro com um passo a passo para planejar um projeto.

 

 

Em todo esse processo, o papel do professor é, sobretudo, o de mediador, orientando os estudantes. Ele precisa acompanhar as produções, indicar melhorias e estimular as aprendizagens. “O professor tem de ajudar os alunos a encontrar caminhos, e não entregar a solução de bandeja”, resume. 

Um desafio degrau a degrau

Para iniciar um projeto e definir a sua questão motivadora, toda problemática é válida. Por exemplo, como otimizar o tempo para descer da sala de aula e chegar até o pátio, como aconteceu com duas turmas do 9º ano do Colégio Ser, em Sorocaba (SP). “A ideia surgiu a partir de um incômodo dos estudantes. A escola havia passado por uma reforma, e algumas salas ficaram distantes da escada já construída no colégio. Os alunos dessas novas salas levavam um tempo muito grande para ir ao pátio e ao banheiro. Então, pedi para que eles propusessem a construção de uma nova escada”, conta Cícero Inacio dos Santos, então professor de Matemática da escola. 

Os alunos foram então divididos em quatro grupos por sala. A partir de equações de primeiro grau, eles começaram a desenvolver um projeto para a construção de uma planta baixa de escada que ligasse os dois patamares de forma mais eficiente. 

A pesquisa também envolveu a conversa com especialistas para orientá-los sobre conceitos como planta baixa, escalas, cortes etc. “Um dos convidados foi a mãe de um aluno, que é arquiteta. Foi muito legal porque, além de trazer esses conhecimentos, foi uma forma de aproximar as famílias e abrir o projeto para fora da escola”, afirma Cícero, que hoje atua como coordenador do Sesi, em Jundiaí (SP). 

Com as informações em mãos, os estudantes aprofundaram-se nas pesquisas sobre modelos de escadas e suas regras de construção e foram para o pátio a fim de discutir o melhor local e formato para a edificação. Dois grupos convergiram para o mesmo lugar, enquanto os outros buscaram novas opções. A escola, inclusive, já vinha desenvolvendo uma planta para a nova escada com um engenheiro, mas os alunos não tinham acesso a ela. No fim, dois grupos colocaram a escada justamente onde seria a nova construção, ou seja, acertaram o melhor local. 

Para avaliar os alunos, o professor valeu-se de apresentações em seminários. Cada grupo recebeu uma nota de zero a dez, levando em consideração a justificativa para a escolha da escada, a apresentação e a acessibilidade do projeto. O conceito final de cada grupo foi a média das notas atribuídas pelos outros três grupos e pelo docente.

Com o projeto, Cícero acredita que os alunos puderam observar o uso da Matemática na prática e sua funcionalidade no dia a dia. “É um processo lento, mas esse tipo de aprendizagem realmente engaja. Quando eles começam a colocar a mão na massa, aquilo que estão aprendendo fica palpável”, ressalta.

Especial Metodologias Ativas

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Questão disparadora, levantamento de hipóteses e investigação

A experiência de Cícero é um exemplo de que, apesar de cada projeto possuir um caráter único, é possível distinguir e seguir algumas etapas essenciais na hora de planejar e desenvolver a ABP. 

O ponto de partida é uma questão disparadora, uma situação-problema próxima à realidade dos estudantes. O professor pode propô-la visando mobilizar determinados componentes curriculares e habilidades dos alunos, mas o mais interessante é que seja construída junto com a turma, a partir de seus interesses e curiosidades e dos problemas vivenciados pela comunidade. Para isso, é necessário diálogo. “A cultura do  professor, muitas vezes, já é trazer tudo pronto. Mas para trabalhar com essa metodologia é preciso fazer a escuta ativa dos alunos, para que eles apresentem problemáticas”, orienta o professor. 

Com a situação-problema apresentada, os estudantes passam a levantar e apresentar hipóteses para sua solução a partir dos seus conhecimentos acerca do tema. Nesse momento, também é desejável definir os grupos de trabalho e qual será o produto final do projeto. Também é hora de estabelecer as metas e os prazos, listar os materiais que serão utilizados e falar sobre as formas de avaliação ao longo do projeto, entre outros combinados. 

Em seguida, começa o processo de investigação. Os estudantes pesquisam conceitos, teorias e aplicações relacionados ao tema. As atividades propostas nessa etapa podem envolver diferentes metodologias ativas, como experimentos em laboratórios e oficinas, entre outros formatos que proporcionem o protagonismo da turma na busca desses conhecimentos. Os alunos também podem realizar entrevistas e pesquisas de campo e coletar informações com a própria comunidade, possibilitando o desenvolvimento da escuta ativa, da empatia e do diálogo. Esse percurso de projeto é sugestão de Aline Geraldi, formadora de professores e consultora pedagógica desta reportagem.

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Autoria e interdisciplinaridade

É principalmente nessa fase da investigação que os alunos vão imprimir sua autoria aos projetos. “Uma vez que tem caráter investigativo, um projeto não pode ser somente direcionado para a criação de determinado produto final. O esperado é que a investigação vá levando esses projetos para diferentes caminhos, campos de pesquisa e conhecimentos”, salienta Adolfo.

Assim, a questão da interdisciplinaridade também ganha relevância. Os projetos podem já nascer interdisciplinares, isto é, ser concebidos por dois ou mais professores de diferentes componentes curriculares, ou adquirir essa caraterística conforme seu desenvolvimento vai avançando. “O professor deve ter um olhar para como a situação-problema vai conversar com as descobertas dos estudantes. Está levando para uma questão interdisciplinar? Então vamos falar com outros professores, com especialistas das áreas. Essas pontes vão aparecer durante esse processo co-criado com os alunos. ABP não é só sistematização”, afirma o especialista.

Ensino híbrido e recomposição da aprendizagem

Outra metodologia ativa que pode ser levada para a prática é o ensino híbrido. Entenda como a estratégia pode contribuir com o desafio de lidar com as defasagens deixadas pela pandemia.

Desenvolvimento, apresentação e avaliação

Com esse acúmulo de informação, inicia-se o exercício de solucionar o problema proposto na questão disparadora, ou seja, o desenvolvimento do produto final que pode ser um protótipo, um artefato, uma campanha de conscientização, um vídeo, um aplicativo, uma atividade de storytelling etc. Debates entre a turma também podem preceder essa etapa a fim de que os alunos troquem descobertas entre si. Com os produtos finais elaborados, o ideal é que os resultados sejam compartilhados não somente com o professor, mas também entre a turma e com a comunidade, em uma etapa de comunicação ou socialização dos projetos. 

Todas as etapas podem incluir diferentes formas e momentos de avaliação e de autoavaliação – mas sempre com foco formativo. O acompanhamento das aprendizagens pelo professor pode ser feito, por exemplo, por meio do uso de um diário de bordo ao longo do projeto, de rubricas compartilhadas com os estudantes ou de seminários para apresentação dos achados. “O interessante é ensinar os alunos a argumentar sobre suas escolhas e decisões. O grupo não vem somente para apresentar o que produziu, mas para contribuir para um projeto maior, que é o de toda a turma sobre aquele tema”, observa Adolfo.

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Planejamento reverso

Além desse percurso lógico, algumas estratégias podem auxiliar o planejamento de um projeto nos moldes da ABP. Entre elas, está o chamado planejamento reverso, que consiste em ter como ponto de partida os resultados que se pretende alcançar com os estudantes. Nesse caso, deve-se iniciar com o planejamento da questão-norteadora do projeto e as habilidades e competências que busca desenvolver com a turma. Depois de ter os resultados mapeados, o educador traça as etapas do percurso, como explica Aline – para quem quiser saber mais, a consultora sugere a leitura do livro Planejamento para a Compreensão: Alinhando Currículo, Avaliação e Ensino por Meio da Prática do Planejamento Reverso, de Grant Wiggins e Jay McTighe. 

Foi o que fez a professora Janete Emília Dourado Santos, na EM Enedito José Lima, nos arredores de Iraquara (BA), na Chapada Diamantina. Diante de uma turma multisseriada, com alunos do 3º ao 5º ano, cujas famílias trabalhavam predominantemente em atividades agrícolas típicas do semiárido, Janete viu a oportunidade de ensinar sobre o ecossistema da região e, ao mesmo tempo, valorizar o ofício e as tradições das famílias dos estudantes. 

“As mães trabalhavam nas casas de farinha de mandioca ou fazendo rapadura, e os pais no cultivo da cana-de-açúcar ou do sisal. Mas apesar de fazer parte do cotidiano dos alunos, eles não conseguiam relacionar aquelas coisas ao que faziam na escola”, conta a professora.  

Com o intuito de aproximar a turma da importância socioeconômica desses produtos para a região, Janete desenvolveu um projeto de Geografia. Os alunos foram convocados a pesquisar sobre a caatinga e as condições ideais para a produção de alimentos como a mandioca e a cana-de-açúcar na região e de matérias-primas para o artesanato, como o sisal. 

Para isso, propôs uma etapa de pesquisa pela internet, guias rurais e livros didáticos sobre o tema. Depois, levou toda a turma para realizar pesquisas de campo. “Fomos às roças, entrevistar os produtores e colher mandioca, e às casas de farinha, para ver como ela se transformava. Fizemos até biju. Estudamos os períodos de colheita e os derivados de cada planta, além da comercialização desses itens”, relata. 

A cada descoberta, Janete aumentava o grau de complexidade das atividades, mostrando não somente os aspectos positivos como também os negativos envolvidos nesses ofícios. “Falamos até mesmo sobre condições de trabalho, já que muitos produtores se acidentam nas fazendas de sisal por conta dos espinhos da planta”, lembra. 

Como culminância do projeto, a turma realizou uma feirinha com os produtos típicos da região. Para a professora, o projeto conseguiu evidenciar a história, as características, os desafios e as riquezas do semiárido. “Tenho ex-alunos que estão na faculdade de Engenharia Agrônoma e escolheram, inclusive, estudar em suas teses a nossa zona rural”, comenta orgulhosa.

Consultoria pedagógica: Aline Geraldi, professora e formadora de educadores.

Esta reportagem faz parte do Especial Aprendizagem Baseada em Projetos. Confira aqui os demais conteúdos.

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