Como avaliar as vivências e as aprendizagens das crianças
Observação e escuta atentas são pontos-chave para compreender de maneira efetiva o que a turma já sabe
POR: Camila Cecílio“Foi muito difícil avaliar o grupo durante o período sem atividades presenciais, principalmente porque nosso tempo online era curto. Fiquei sem subsídios suficientes para analisar as aprendizagens e o desenvolvimento de cada um dos pequenos. Por isso, busquei relatar aspectos mais comuns à turma, como frequência, organização dos materiais e atividades com as famílias. É impossível fazer uma boa avaliação quando não estamos juntos no dia a dia”, diz a educadora Roseane Rodrigues de Macedo. Ela atua na Educação Infantil há 24 anos e atualmente trabalha com crianças de quatro anos na Unidade Acadêmica de Educação Infantil da Universidade Federal de Campina Grande (UAEI/UFCG), em Campina Grande (PB).
Realmente, avaliar como a meninada reage, interage e expressa o que sabe, o que desconhece e o que desperta seu interesse estando a distância não é tarefa das mais simples. Neste ano, com o retorno às atividades presenciais, a realidade é outra. Desde que voltou ao convívio diário e ao vivo com os pequenos, Roseane se dedica a acompanhar com atenção o que eles manifestam durante as diversas situações propostas. Afinal, na Educação Infantil, a observação e a escuta atentas devem ser o centro do processo de avaliação e colaboram diretamente para fazer um planejamento alinhado às necessidades das crianças. Leia a primeira reportagem da série, sobre planejamento na volta às atividades presenciais.
O cuidado de Roseane com a avaliação é mais importante do que nunca nessa volta à escola. Muito tempo se passou desde o início da pandemia. O que será que aconteceu e o que não aconteceu, o que se esperava que tivesse acontecido e o que surpreende em relação às aprendizagens? Como usar isso para aprimorar as propostas? Em que é preciso ficar de olho?
“A escuta perpassa o espaço da fala da criança. Mas não se encerra nisso. É importante estar atento e sensível às ações, gestos e sensações, ao que elas comunicam para além da verbalização”, explica Nilcileni Brambilla, formadora de professores e produtora de materiais pedagógicos para a NOVA ESCOLA. Para ela, avaliar na Educação Infantil é perceber se o que é proposto faz sentido para os pequenos e o quanto colabora para que estejam cada vez mais envolvidos em seu próprio processo de aprendizagem.
“Ao agir dessa forma, focado na observação e em analisar as percepções para depois, com planejamento e replanejamento, e oferecer algo cada vez mais aplicado aos interesses das crianças, o educador afirma e reafirma que quem está no centro são elas”, fala Vládia Freire, formadora de professores da Educação Infantil da rede de Campina Grande.
Clareza sobre o que se quer avaliar
É claro que é possível e necessário fazer previsões e planejar. Para começar, conforme explica Nilcileni, é preciso entender que não vale avaliar somente no momento em que a proposta está acontecendo. Se assim for, o educador atua no escuro: deixa de considerar o que se espera dos pequenos e não define tópicos avaliativos (pontos de observação), fundamentais para direcionar e apurar o seu olhar, em conexão com os objetivos de aprendizagem.
Então, é preciso planejar a avaliação propriamente dita, definindo o que se quer avaliar, o que se espera das crianças, onde está o educador no processo avaliativo e aonde se quer chegar com a proposta. No entanto, vale frisar que a avaliação é um processo contínuo. “O ponto de partida é quando o professor define a intencionalidade da atividade. Assim, no momento em que traça os objetivos de aprendizagem que quer garantir, ele já precisa pensar no que vai observar, avaliar, e como o fará. É cíclico”, ressalta Nilcileni.
Neste primeiro momento do ano, dentre os principais objetivos para o grupo de quatro anos da UAEI/UFCG, a educadora Roseane definiu como um ponto importante ampliar o contato das crianças com a cultura escrita. Poucas tiveram isso no período de reclusão.
“Os pequenos retornaram com grandes possibilidades de registrar e ler o mundo à sua volta, o que abre espaço para tentativas de escrita. Quando penso em uma atividade, como um relato do final de semana, um desenho referente a um contexto de aprendizagem ou uma lista de compras, estou oferecendo possibilidades para que pensem sobre a escrita. Ao escrever, a criança tem a possibilidade de ampliar a imaginação e perceber que pode se comunicar por meio de outras ferramentas, além da fala e do desenho”, conta.
Com determinação, Roseane elenca os objetivos da avaliação com base nos registros de cada um: entender com mais clareza as hipóteses de escrita de cada uma delas, como compreende o código, como percebe que as palavras são formadas por letras e que algumas letras formam os sons das palavras.
Para pôr tudo isso em jogo, ela desafia a turma a demonstrar suas habilidades por meio da escrita – não aleatoriamente, pelo simples fato de fazer traçados, e sim com uma escrita com sentido e significado. “Proponho, por exemplo, escrevermos sobre o que aconteceu no final de semana para montar um mural dos principais lazeres das crianças. Pergunto: ‘O que vocês fizeram?’. As respostas variam. ‘Fui à casa da minha tia’, ‘fui ao parquinho’, ‘fui ao shopping’ etc. E então cada um registra do seu jeito. Dessa forma, há uma intencionalidade por trás da escrita, e ela não é mera cópia ou repetição”, argumenta a educadora.
A NOVA ESCOLA desenvolveu, com orientações de Nilcileni e Vládia, uma tabela para auxiliar a organização do que será observado e como. Confira o resultado ao final desta reportagem.
Clareza sobre quem será avaliado
Ao fazer a observação das crianças em ação, é importante prestar atenção em como agem, reagem e interagem a partir das atividades propostas. A ideia é compreender se o que foi proposto teve significado diante do que se esperava, ou se é necessário repensar alguns pontos.
É também a hora em que o educador deve avaliar sua própria prática. Se propôs algo e viu que não fez sentido para os pequenos, é um sinal de que precisa mudar o planejamento para direcioná-lo ainda mais aos interesses das crianças, por exemplo.
Além disso, segundo Vládia, é imprescindível observar e acompanhar a trajetória individual de cada um dos pequenos e a do grupo como um todo.
Roseane desenvolve um relatório descritivo sobre cada criança e outro documento no qual trata da turma toda. “Cada uma tem sua individualidade. O registro único não serve para todas”, destaca.
Avaliação que segrega, não!
Avaliar jamais pode ter como intenção selecionar, promover ou classificar ninguém como “apto” ou “inapto”. Na Educação Infantil, o que se analisa não é o conhecimento, e sim o desenvolvimento integral.
“Cada criança é linguagem, corpo, movimento, raciocínio lógico, expressão das mais variadas formas. É preciso se perguntar quem é essa criança e como ela está se constituindo. Esse deve ser o pensamento central. Para isso, é crucial considerar espaços e contextos diversos de aprendizagens, para que os pequenos possam fazer suas escolhas e assim se manifestar mostrando seu jeito de ser e estar no mundo”, explica Vládia.
Clareza sobre como e o que fazer com os registros
De acordo com a formadora Vládia, muitas são as formas válidas para registrar os avanços das crianças. Então vale considerá-las: muitas anotações, muitas fotos e muitos vídeos. Todo material coletado ao longo das vivências tem um sentido e deve ser utilizado para fazer uma avaliação da trajetória da turma.
Debruçando-nos sobre esse material, encontramos novos caminhos para seguir com as crianças, considerando o que elas revelam como seus interesses.
Nilcileni ressalta que a terceira parte do processo avaliativo (depois do planejamento e da atividade) é o momento em que o educador reúne as informações que coletou e passa a mensurá-las. Isto é, ele olha e constata o que foi coletado e observado, tanto para apresentar às famílias quanto para replanejar suas práticas. “Se numa sequência didática olhei para isso tudo que registrei e vi que os pequenos saíram do ponto A e foram ao ponto B, ou ao ponto C, no avanço das aprendizagens, quer dizer que agora já posso pensar em experiências mais desafiadoras do que eu tinha imaginado inicialmente. Ou se olhei e entendi que nada fez sentido, terei de planejar toda a minha sequência de novo”, exemplifica.
O diário de bordo da professora Roseane é tão presente no dia a dia da turma que um dia, durante um episódio entre duas crianças, uma delas sugeriu: “Anote isso no seu caderno!”. E assim ela segue fazendo, registrando diariamente os principais acontecimentos da rotina. Para cada um, ela dedica uma quantidade de folhas do diário e ali descreve aspectos fundamentais, como participação, oralidade, escrita e o brincar, dentre outros.
Já a avaliação do grupo é um portfólio coletivo. Nele, a educadora reúne os registros fotográficos, falas e demais elementos relacionados aos projetos trabalhados. “É um material muito válido, didático e rico. Cheio de imagens, importantes também para potencializar a comunicação com os familiares e responsáveis pelas crianças e engajá-los no vínculo com a escola”, comenta.
Para organizar esse acompanhamento e planejar os registros, baixe no botão a seguir um modelo:
Consultora pedagógica: Nilcileni Brambilla, formadora de professores e produtora de materiais pedagógicos para a NOVA ESCOLA
Esta reportagem faz parte do projeto Aprendizagem na Educação Infantil. Confira os demais conteúdos realizados em parceria com o Instituto Chamex.
Tags
Assuntos Relacionados