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Como realizar a avaliação ao longo de um projeto?

Educadoras com experiência nessa metodologia apontam caminhos para a construção de um processo avaliativo que seja contínuo e coloque os alunos no centro das aprendizagens

POR:
Victor Santos
Foto: Getty Images

Na Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP), os estudantes partem da investigação e do trabalho colaborativo para buscar soluções para um problema da vida real. “Um trabalho assim envolve multidimensões do conhecimento e é algo muito completo, então precisamos prever muitas maneiras de avaliá-lo”, diz a educadora Kátia Chiaradia, atualmente integrante do time de formadores da NOVA ESCOLA. 

Ela conta que sempre teve particular interesse no tema avaliação. “Quando estava em sala de aula, eu era muito conhecida por fazer ‘avaliações diferentes’. Os meus coordenadores pediam para apoiar os colegas nesse exercício de repensar o processo avaliativo”, lembra. A professora também possui vivências com a ABP, sendo uma das finalistas do Prêmio Educador Nota 10 de 2019 com o projeto Representatividade no Combate ao Racismo. 

Com o apoio de Kátia e de outras educadoras que têm na bagagem projetos que já passaram pela seleção do Educador Nota 10, a última reportagem do Especial Aprendizagem Baseada em Projetos foi em busca de respostas e exemplos para a seguinte reflexão: como é possível conduzir a avaliação ao longo de um projeto, de forma a colocar os alunos no centro do processo de ensino e aprendizagem? 

A importância do planejamento reverso

Atualmente professora do Colégio Machado de Assis, na rede particular de Joinville (SC), Andreia Cristina Maia Viliczinski possui experiência de 18 anos na rede pública. Foi duas vezes finalista do Prêmio Educador Nota 10: uma em 2017, com o projeto África: o Berço da Matemática, pela EEB Governador Celso Ramos, e outra mais recente, em 2021, com Desbravando a Matemática Aplicada na Infraestrutura de Pontes, pela EEB Marli Maria de Souza. 

Ela comenta que trabalha com projetos desde 2015 e, no geral, começa com uma avaliação diagnóstica para identificar eventuais dificuldades dos alunos. Após encontrar possíveis temas de interesse para construir um projeto, ela procura motivá-los a acreditar que podem aprender de uma maneira diferente. “Minha ideia gira sempre em torno de fazer com que enxerguem ‘onde a Matemática está aplicada nesse processo que estamos estudando’, como no caso da construção de pontes, para usar o exemplo do projeto de 2021. Busco também perpassar as competências gerais da BNCC [Base Nacional Comum Curricular], como comunicação, responsabilidade e cidadania, e mesmo empatia e cooperação.” 

Pensando especificamente na avaliação, a educadora salienta que o planejamento é fundamental para a construção de um projeto. “Você escolhe um determinado tema e delimita seus objetivos. A avaliação surge em seguida, no planejamento, já que ela terá a função de verificar se os estudantes atingiram os objetivos definidos. Nessa hora, vale refletir: ‘quero que o aluno chegue nesta etapa aqui, e como vou avaliar isso?’”

Para a especialista Kátia, esse é o momento de pôr em prática o planejamento reverso. “Em primeiro lugar, analise: ‘onde eu quero que o meu aluno chegue ao final desse projeto?’. Em seguida, é o momento de formular as questões que serão norteadoras dessa proposta. Depois, é hora de planejar a avaliação, refletindo sobre quais evidências de aprendizagem o estudante deve apresentar até o final do percurso para mostrar que aprendeu.” Por isso, explica a educadora, essas três coisas são definidas juntas nessa etapa do planejamento: o que eu quero que os alunos saibam e consigam fazer; quais questões vou propor para trazê-los até esse ponto; e quais evidências eu preciso que eles me tragam ao longo desse projeto. 

Novos objetivos de aprendizagem e formas de apresentação dos resultados

A professora Andreia afirma que o objetivo do projeto, em um primeiro momento, era construir uma ponte e fazê-la suportar a maior força possível sobre sua estrutura. “Quando vi que a proposta gerou engajamento, pude traçar mais objetivos de aprendizagem, incluindo usar formas geométricas e trabalhar área e perímetro”, recorda. Em relação ao tempo de trabalho, ela conta que, como é preciso trabalhar com o conteúdo programático no dia a dia também, fez um cronograma, separando duas aulas a cada dez dias para o projeto.

Dessa forma, os instrumentos avaliativos, além da sua função habitual de verificar evidências de aprendizagem, surgem até como um apoio para situar os alunos nas aulas de projetos. “Nesse trabalho das pontes, basicamente, tinha o meu próprio registro de professora e outros dois instrumentos: a ficha de acompanhamento e o diário de bordo”, detalha. “A ficha era respondida a cada aula do projeto, com quatro ou cinco perguntas como: ‘Quem participou? Qual foi a atividade desenvolvida? Descreva a atividade. Quais as referências?’. Já o diário de bordo era como um roteiro no qual eles iam registrando tudo o que fizeram ao longo do processo, com desenhos, figuras, fotos, esquemas e mesmo palavras soltas.”

Andreia ressalta, no entanto, que é preciso um olhar quantitativo para essas atividades, pela própria exigência do sistema. “Tenho meu próprio registro e vou criando planilhas com pontuações para perguntas do tipo: ‘[O aluno] esteve presente? Trouxe o material? Concluiu o diário de bordo? Foi participativo e interagiu com a equipe?’. Ainda assim, essa quantificação não é meu foco no projeto – o foco é no que eles aprendem.”

A culminância de projetos como esse, segundo a educadora, pode ocorrer de inúmeras formas. “É possível realizar apresentações na escola, com exposições que mostram qual turma realizou tal iniciativa, os objetivos e os resultados do projeto.” Kátia aponta que os produtos finais podem envolver muita diversificação: “Exposições dentro e fora da escola, vídeos curtos, memes, TikToks, apresentações multimídia – são muitas possibilidades, e os jovens têm tomado a frente para tentar mudar os hábitos de exibição de seus projetos”.

Olhar dos pares, avaliação em grupo e autoavaliação

Uma das Educadoras Nota 10 de 2018, com o projeto We Speak the Same Language, a professora Cristiane Dias, que atualmente leciona Língua Portuguesa para as turmas do 6º ao 9º ano na EEF Professor Lapagesse, em Criciúma (SC), conta que, quando começou a trabalhar com projetos, ela se perdeu um pouco na hora da avaliação. “Por experiência própria, digo sempre: não se esqueça de estabelecer critérios de avaliação no planejamento e avalie por etapas, inclusive dando notas, já que o sistema exige isso.” 

Para exemplificar, ela cita um projeto recente que desenvolveu em sala, em torno da obra Você é livre!, de Dominique Torrès, cuja temática perpassa questões como a escravidão e tem paisagens do deserto do Níger em seu cenário. “Desenvolvi um objetivo central de que eles lessem e compreendessem melhor o livro. Nada de realizar uma leitura, preencher uma ficha e acabou. Tive a ideia de eles construírem um jogo ‘analógico’, que envolvesse tabuleiro ou cartas. A partir daí, refleti: ‘quais ações preciso fazer para atingir os meus objetivos?’. Então, desenhei critérios de avaliação para conseguir atribuir uma nota a cada uma das etapas.” 

Ela descreve que tudo começou com uma solicitação de pesquisa sobre o Níger, os povos tuaregues e a vida no deserto. Em seguida, foi hora de consolidar a leitura e responder a um questionário sobre o livro. Depois, ela pediu que pesquisassem o que é um texto injuntivo (que fornece instruções para a realização de algo) e, posteriormente, que construíssem as regras do jogo que iriam criar. 

O momento seguinte foi mais “mão na massa”, de criação efetiva do jogo com a temática do livro, em que apareceram jogos de tabuleiro, dominó, jogo da velha e mesmo RPG. “Antes de jogar, ainda havia uma etapa para que testassem [o jogo] entre eles, para ver se funcionava ou se havia furos nas regras. Depois, chegou a hora de jogar. Divididos em grupos, todos rodaram e interagiram com as produções dos demais”, destaca. 

De acordo com a professora, teve início aí um olhar importante, o da avaliação entre os pares. Mas a educadora foi além da própria sala e trocou os jogos entre as duas turmas de 8º ano que estavam realizando o projeto. “Por fim, rodei um questionário de autoavaliação, no qual eles responderam a questões que visavam compreender se a construção do jogo auxiliou no entendimento da obra. Isso é importante até para a minha autoavaliação como professora, já que posso verificar se a atividade funcionou e se a repetiria em outro momento.” 

Para Kátia, momentos avaliativos desse tipo, em que crianças e adolescentes podem fazer um balanço final do projeto, são cruciais para o sucesso das propostas. “Uma possibilidade interessante é sentar com todo o grupo para falar como foi o processo”, sugere a formadora. “Nessa avaliação em grupo, eles podem dizer do que gostaram, do que não gostaram, como foi a experiência de trabalhar com colegas com os quais nunca tinham interagido e a própria sensação de fazer parte de uma iniciativa tão longa.” 

A potência da avaliação processual

“Acredito que avaliações em projetos precisam ser contínuas, diárias e ocorrer em todos os momentos da aula”, sintetiza a professora Arabelle Calciolari, uma das vencedoras do Educador Nota 10 de 2019 com o projeto Os Beatles: Seu Tempo e Sua História. A proposta foi aplicada na EMEB Maria Angélica Lorençon, em Jundiaí (SP), em um trabalho com Língua Inglesa para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental. 

Experiente com essa metodologia, a educadora, que hoje atua como coordenadora pedagógica do Centro Internacional de Estudos, Memórias e Pesquisas da Infância (Ciempi), na mesma rede municipal, conta que já teve oportunidade de desenvolver projetos interdisciplinares. Ela é mais uma a salientar a importância do planejamento na hora de construir o percurso avaliativo. 

“Já realizei um projeto sobre hip-hop em parceria com a professora de Educação Física. Ele partiu do interesse dos próprios alunos, que nos apontaram suas principais dúvidas sobre o tema e o que gostariam de saber”, lembra a professora. O planejamento, em parceria com a colega, partiu desses apontamentos. “Desenhamos os objetivos do projeto e refletimos sobre quais habilidades e competências gostaríamos de desenvolver com os alunos.” 

Desse modo, explica Arabelle, a avaliação nesse e em outros projetos que desenvolveu foi prioritariamente processual e ocorreu de forma permanente e diária, em todos os momentos da aula. “Não posso ter um momento específico de sentar na frente da sala e dizer ‘agora estou avaliando’. Uma frase de qualquer criança, um olhar, um gesto são importantes e podem, inclusive, fazer com que o curso do meu projeto mude.” Assim, recomenda a educadora, “é preciso ‘sentir’ a sala, o que estão querendo, quais são as dúvidas e a maneira como estão vendo tudo aquilo”. 

Rubricas como suporte para a avaliação contínua

Segundo a professora Arabelle, para apoiar o professor nessa missão, as rubricas são uma ótima alternativa. “Quando você termina a aula, é possível relembrar alguns itens e fazer algumas marcações no seu registro pessoal.” Para consolidar esse instrumento avaliativo, não é necessário idealizar algo muito elaborado. “Eu, por exemplo, fazia de maneira simples. Pegava alguns itens que queria avaliar, fazia uma lista, escrevia os nomes das crianças e colocava uma marquinha para indicar se ela havia desenvolvido aquele ponto totalmente, parcialmente ou se ainda precisava de mais estímulos”, recorda. 

A especialista Kátia reforça que as rubricas, de fato, são bastante úteis para as avaliações formativas. “Se, ao final, quero que meu estudante dos Anos Finais do Ensino Fundamental redija um artigo científico, no meio do caminho preciso prever momentos para ele organizar as ideias, trocar informações pesquisadas com os colegas, realizar trabalho em grupo e por aí vai. Todos esses aspectos podem ser previstos por rubricas.” 

Ela diz que as rubricas podem ser pensadas como uma espécie de tabela: o professor coloca o que deseja avaliar e níveis crescentes ou decrescentes contíguos de qualidade para esse produto. “Por exemplo: ‘realizou a pesquisa em pelo menos três periódicos científicos? Entrevistou pelo menos duas pessoas da área e um leigo?’. Esse pode ser o primeiro nível. Dá para incluir também quesitos como: ‘entregou no prazo?’ e ‘foi cortês com os colegas?’.” 

De acordo com Kátia, cabem muitos aspectos nos projetos. “Vale incluir a avaliação formativa, que pode ser pautada por rubricas; a avaliação somativa, que deve considerar uma grade de expectativas de respostas; e ainda uma avaliação final em grupo, cuja expectativa é que eles falem o que pensaram a respeito de toda essa experiência.”  

Para ajudar na construção de rubricas que apoiem a avaliação ao longo de um projeto, a consultora pedagógica desta reportagem, Aline Geraldi, preparou um modelo que você pode baixar gratuitamente:

BAIXE AQUI UM MODELO DE RUBRICAS DE AVALIAÇÃO

Consultoria pedagógica: Aline Geraldi, professora e formadora de educadores.

Esta reportagem faz parte do Especial Aprendizagem Baseada em Projetos. Confira aqui os demais conteúdos.