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Educador Nota 10: atividades de investigação permitem desenvolver aprendizagens significativas

Três dos projetos vencedores da 24ª edição do Prêmio Educador Nota 10 propõem o trabalho com o levantamento de hipóteses e a realização de pesquisas e entrevistas, estimulando a autonomia e o protagonismo dos estudantes

POR:
Aline Naomi
A professora Cristiele Borges propôs diversas atividades de investigação para estimular o desenvolvimento de aprendizagens de crianças bem pequenas. Foto: Divulgação/Trupe

A investigação e a exploração são ferramentas essenciais para a aprendizagem, sobretudo das crianças. Não é por acaso que explorar é um dos seis direitos de aprendizagem na Educação Infantil propostos pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que têm como objetivo assegurar condições para o desenvolvimento integral dos pequenos. 

Segundo o documento, é direito da criança “explorar movimentos, gestos, sons, formas, texturas, cores, palavras, emoções, transformações, relacionamentos, histórias, objetos, elementos da natureza, na escola e fora dela, ampliando seus saberes sobre a cultura, em suas diversas modalidades: as artes, a escrita, a ciência e a tecnologia”.

“É muito importante essa exploração porque as crianças vão tomando consciência do próprio processo de aprendizagem”, afirma Dayse Gonçalves, formadora de professores e uma das selecionadoras dos projetos da 24ª edição do Prêmio Educador Nota 10. 

Entre os dez vencedores da edição de 2022, três trabalhos se destacam por proporcionar experiências investigativas. São explorações que respondem a perguntas genuínas dos estudantes, aspecto fundamental para a construção de uma aprendizagem significativa.

Batatinha doce quando nasce…

Professora de crianças bem pequenas (dois e três anos) da EMEI Joaninha, em Novo Hamburgo (RS), Cristiele Borges começou a pensar em seu projeto no início de 2020, quando as aulas presenciais foram suspensas e o futuro da pandemia ainda era incerto. A ideia era não só criar um vínculo das crianças com a escola, mas também oferecer uma oportunidade de investigação a elas. 

Teve início então a proposta do cultivo de batata doce na água. “Era algo que podia gerar um cuidado, algo que as crianças pudessem ter em comum para compartilhar como um objeto de discussão”, explica a professora.

Ela conta que o cultivo desse tubérculo na água também era algo novo para a equipe escolar, uma vez que difere do já conhecido feijão no algodão. “O cultivo do feijão costuma acabar muito rápido, e ninguém sabia quanto tempo mais as escolas ficariam fechadas.” 

Como as crianças dependiam da ajuda dos responsáveis, foram criados grupos no WhatsApp com os familiares. Pelo aplicativo, foram compartilhados vídeos registrando o processo e o levantamento de hipóteses das crianças sobre o que aconteceria com as plantas. 

Esses registros constituíram um perfil no Instagram, no qual consta também a documentação de trabalhos realizados posteriormente com outros cultivos, como o do girassol e o do milho de pipoca. Uma preocupação da educadora era não mostrar somente o produto final do projeto, mas também todo o processo. 

“Não era só para as famílias enviarem, por exemplo, a foto do desenho da criança, mas a criança desenhando e o que que ela estava contando. Porque era isso que nos interessava para poder acompanhar a evolução dos alunos”, ressalta Cristiele.

“Além de promover a autonomia das crianças nesse processo exploratório, o projeto ajudou a desenvolver a comunicação — expressar-se é outro direito de aprendizagem previsto na BNCC. Outro aspecto positivo foi a conexão das famílias com a escola e também entre elas”, destaca a professora.

Cristiele Borges
Etapa: Educação Infantil (dois e três anos)
Projeto: A voz das crianças: conexões que aproximam
Escola: EMEI Joaninha, em Novo Hamburgo (RS)

Por que o projeto é inovador?
Criatividade com simplicidade. Cristiele usou uma experiência já conhecida — a do cultivo do feijão no algodão — e a adaptou de forma simples e criativa. Isso mostra que é possível oferecer práticas investigativas às crianças com atividades e materiais comuns e acessíveis. 

Foco no processo. Mais do que o produto final, o processo foi o centro de interesse da professora. Também vale destacar a importância da documentação para evidenciar o desenvolvimento de habilidades  como curiosidade para aprender, autonomia e comunicação  ao longo do projeto. 

Conexões na comunidade escolar. Ao aproximar as famílias da escola, o projeto ajudou a estabelecer vínculos na comunidade escolar. “Uma família de haitianos, mesmo sem saber falar português, recebeu apoio de outro grupo para se comunicar com a escola”, lembra a professora Cristiele.

Aprender a aprender

A presença de aves quero-quero despertou uma série de investigações de crianças pequenas em Santa Catarina. Foto: Divulgação/Trupe

Localizado em uma área de proteção ambiental, o Núcleo de Educação Infantil Taquaras, em Balneário Camboriú (SC), costumava receber visitas constantes das aves quero-quero. Esse fato chamou a atenção e despertou uma série de dúvidas nos estudantes de quatro e cinco anos da professora Jaqueline Weiler. 

Ela viu então a oportunidade de proporcionar uma experiência investigativa aos seus alunos. “Entendi que aquilo não era só uma curiosidade passageira, mas que ela poderia ser respondida. Eu vi ali uma potencialidade e comecei a explorar mais o levantamento de hipóteses”, conta. 

Dessa forma, a professora percebeu que poderia se inspirar nas etapas de uma pesquisa científica para dar seguimento ao projeto. A princípio, todas as hipóteses dos alunos sobre por que um quero-quero era maior do que outro e do que eles se alimentavam, entre outras questões, foram registradas em uma planilha

Na época, como os alunos estavam frequentando a escola em esquema de rodízio, a professora trabalhava com uma parte da turma presencialmente e, para a outra, ela enviava um vídeo com instruções para as atividades. 

Uma das propostas foi o registro do comportamento dos quero-queros em determinadas horas do dia. A documentação foi feita em uma planilha, mas cada aluno podia registrar as informações da forma como quisesse, com números, palitinhos ou desenhos. Ao longo desses registros, surgiam novas hipóteses sobre os pássaros. “A ideia era que os alunos fossem os protagonistas desse processo de exploração”, salienta a educadora. 

Para verificar com a turma se as hipóteses correspondiam ou não à realidade, a professora levou livros sobre o tema e organizou conversas com um biólogo e um estudante de Medicina Veterinária. Isso foi fundamental para mostrar às crianças que há formas de realizar pesquisa para além dos artigos da internet. 

Segundo Jaqueline, o projeto fez com que as crianças aprendessem a aprender. “Elas têm conhecimentos e informações de sobra, mas é [preciso] aprender a aprender, como diz o título do projeto. Não só [conseguir] a informação pronta, mas aprender a fazer pesquisa, estudar e buscar informação.”

Jaqueline Weiler 
Etapa: Educação Infantil (quatro e cinco anos)
Projeto: A pesquisa como prática educativa: aprendendo a aprender com os quero-queros
Escola: Núcleo de Educação Infantil Taquaras, em Balneário Camboriú (SC)

Por que o projeto é inovador?
Protagonismo dos alunos. Em todos os momentos do projeto, as crianças foram incentivadas a refletir, questionar e buscar respostas de forma autônoma. A professora atuou como mediadora, estimulando a discussão e trazendo materiais para enriquecer a investigação. 

Escuta ativa. Foi fundamental a educadora ter uma escuta ativa não só ao longo do projeto, mas desde o início, ao perceber os questionamentos dos estudantes como uma oportunidade de exploração. “Os projetos nascem da escuta do educador”, diz Jaqueline. 

Aprendizagem com significado. A pesquisa sobre os quero-queros levou as crianças a se mobilizarem quando encontraram um ninho próximo a um campo de futebol. Com a ajuda da professora, elas organizaram avisos e sinalizações para garantir a segurança da ninhada. Esse engajamento comprova a importância de uma aprendizagem conectada com o contexto do aluno.

Aprender brincando

A professora de Educação Física Rosalina de Lázaro estimulou os alunos a investigarem brincadeiras da época de seus familiares. Foto: Divulgação/Trupe

Mesmo antes da pandemia, trabalhar com brincadeiras já fazia parte dos planos de Rosalina de Lázaro, professora de Educação Física na EE José dos Santos, em Aspásia (SP). Para começar, ela pediu aos seus alunos, dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, que perguntassem aos responsáveis do que eles costumavam brincar quando crianças.

Dessas conversas, saiu uma lista de brincadeiras. As turmas então pesquisaram sobre elas na internet e fizeram cartazes explicando as regras de cada uma. Nas aulas, cada uma das cinco salas do 2º ao 5º ano ficou responsável por uma dessas atividades. Mas tudo mudou com a chegada da pandemia e o fechamento das escolas.

Com os alunos afastados, a coordenação organizou grupos de WhatsApp, nos quais a professora enviava um roteiro e um vídeo explicando uma brincadeira. “Às vezes, eu mesma fazia a brincadeira com a minha neta ou com a minha mãe e aí gravava o vídeo”, lembra Rosalina. 

De acordo com as orientações da professora, inicialmente, os alunos tinham de realizar as brincadeiras já conhecidas em casa com a família, adaptando as regras ao contexto e ao ambiente. Essas mudanças eram escritas e também explicadas oralmente aos colegas. 

Depois, as turmas fizeram entrevistas mais estruturadas com os familiares. “Até produzi um vídeo ensinando a fazer um microfone de papel para eles simularem a entrevista”, conta a professora. Os alunos seguiam um roteiro de perguntas sobre brincadeiras e depois pediam que o adulto entrevistado lhes ensinasse a brincar daquela forma. 

Tudo foi registrado em vídeo e está documentado no blog do projeto. Vieram vídeos maravilhosos. Foi muito lindo e emocionante ver a satisfação dos avôs, das avós, dos pais”, comenta Rosalina. As turmas também pesquisaram sobre brincadeiras de origens africana e indígena, incentivando a ampliação do repertório das crianças e a autonomia da pesquisa.

Ao final do projeto, os estudantes fizeram uma autoavaliação escrevendo o que eles aprenderam ao longo do processo de investigação das brincadeiras. E mesmo com aula uma vez por semana e dificuldade de acesso de alguns alunos à internet, Rosalina viu resultados positivos na aprendizagem das crianças. 

“Não tem uma receita pronta”, observa a docente. “O importante é o aluno entender que existem essas brincadeiras e conhecê-las. A partir do momento em que ele conhece essas brincadeiras, o professor tem de dar o pontapé inicial e falar que os adultos brincavam, que eles também foram crianças.”

Rosalina de Lázaro
Componente e etapa: Educação Física (2º ao 5º ano do Ensino Fundamental)
Projeto: Brincadeiras de quintal
Escola: EE José dos Santos, em Aspásia (SP)

Por que o projeto é inovador?
Valorização das histórias e culturas. Com as entrevistas, os alunos puderam valorizar as histórias e experiências das pessoas de seu convívio e também da comunidade escolar. A pesquisa de práticas de origens africana e indígena também contribuiu para reconhecer a importância dessas culturas no contexto brasileiro.

Explorações múltiplas. Além de trabalhar os aspectos corporais, o projeto permitiu desenvolver outras dimensões, como a cultural e a social. Isso tudo em um contexto de pandemia e fechamento das escolas. 

Além dos muros da escola. A atividade fez tanto sucesso que Rosalina recebeu depoimentos de que as brincadeiras estavam sendo realizadas também por alunos de outra instituição. “Nossos estudantes têm irmãos em uma escola de Educação Infantil,  mas mesmo quem não tinha irmãos lá estava participando”, diz a professora.

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