Educação Infantil: o papel do professor como mediador das aprendizagens
Compreender as concepções de criança e de escola são pontos de partida para planejar boas intervenções
POR: Paula SestariAo me propor a escrever aqui algumas linhas sobre como se dá a mediação do professor na Educação Infantil e compartilhar exemplos de como essa ação se materializa no nosso cotidiano, percebi que existem três pontos que são importantes destacar nessa reflexão. A concepção de criança que a prática docente revela; a perspectiva da escola como espaço oportuno para a aprendizagem e o papel do professor nesse contexto. Sobre isso, lembrei-me de duas referências relacionadas a esses aspectos.
Em uma conversa entre professores, um deles recordou um dos poemas de Rubem Alves, sobre existir escolas que são gaiolas e escolas que são asas. Segundo ele, aquelas que são gaiolas se concentram em teorias sobre o voo, em domesticar, controlar movimentos e, por isso, criam pássaros que muitas vezes desaprendem a voar. Por outro lado, temos as que se concentram na arte do voo, na experiência de liberdade a partir das potencialidades que apenas específicas criaturas conseguem vivenciar de forma natural.
Nessa situação prosaica, podemos compreender a concepção que temos sobre criança. Na perspectiva sócio-construtivista, entendemos os pequenos como seres potentes, capazes de produzir cultura e de construir saberes, sendo eles protagonistas do processo de ensino-aprendizagem. Para essa criança, a escola deve ser lugar de desenvolvimento de habilidades cognitivas, emocionais e sociais, regida pela maneira como compreendem e se relacionam com o mundo, ou seja, por meio das interações e brincadeiras.
Ao passo que, de acordo com a concepção de escola e de Educação Infantil que incentiva o voo das crianças, podemos entender as instituições de ensino como lugares que oportunizam o contato com uma diversidade de experiências, que atuam pela integração e a integralidade de processos ao garantir primordialmente os direitos de aprendizagem previstos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Para falar sobre a dimensão do papel do professor, e de modo mais específico sobre a questão da mediação, podemos retomar a concepção de Zona de Desenvolvimento Proximal, desenvolvida pelo psicólogo bielorrusso Lev Vygotsky (1896-1924). Com base nessa perspectiva, podemos afirmar que a atuação do educador está nessa área entre o que a criança já sabe (mesmo os bebês já chegam com aprendizagens), que o pensador chama de Zona de Desenvolvimento Real, e aquilo que ela tem condições de aprender na interação com seus pares e nas relações que estabelece pelas provocações que o meio proporciona, de acordo com sua faixa etária, chamada de Zona de Desenvolvimento Potencial.
Nesse lugar, entre o que já se sabe e o que se tem condições de aprender, é que se encontra o lugar de mediação. Uma escola que respeita e entende a criança como um ser único em fase própria de desenvolvimento tem essa ótica presente na sua estrutura, nos materiais disponíveis e na formação contínua dos professores. Portanto, preocupa-se em acolher, em organizar ambientes interessantes, significativos e favoráveis para uma infância bem vivida. Isso vai ao encontro do papel de mediação do professor nos diferentes grupos etários.
Como esse papel acontece na rotina
Na prática, podemos trazer as situações de cuidado no cotidiano. Com os bebês, por exemplo, podemos destacar quando ele é motivado a assumir maior independência nas refeições enquanto explora a variedade de alimentos oferecidos no cardápio. Nesses momentos, o professor pode intervir e estimular que sintam o aroma, o gosto e a textura dos alimentos, tudo isso em um ambiente pensado previamente para que seja algo tranquilo, com mobiliário e objetos adequados. Vejam que a mediação consiste em articular toda a equipe da escola e preparar esse espaço antes; durante, em propiciar um ambiente estimulante, observar e registrar como se deu essa interação e, posteriormente, fazer novas proposições.
A mediação também se revela na forma como é organizada a sala de referência das crianças bem pequenas, por exemplo, ao oferecer brinquedos e materiais diversos de fácil acesso para os pequenos e com mobiliário que proporcione livre alcance a todos. Nesse ambiente, existe o movimento entre situações dirigidas pelo professor, como a leitura de histórias e brincadeiras de roda, e aquelas situações oportunas para livre escolha da criança, que atendam às suas necessidades e interesses, que promovam momentos com seus pares e momentos individualizados. Nesse caso, a mediação ocorre em três tempos: durante a organização, pensando em quem são essas crianças e o que elas têm condições de fazer; a forma de se relacionar nesse espaço e a constante avaliação do que é pertinente manter, alterar e renovar contando com a participação ativa de meninas e meninos.
Entre as crianças pequenas, temos muitas atividades envolvendo situações-problema, jogos e brincadeiras para o desenvolvimento de aprendizagens matemáticas e também propostas com as práticas sociais da escrita envolvendo bilhetes, cartas, receitas, materiais informativos ou cartazes elaborados a partir de um tema de investigação do grupo. Nesse contexto, a ação mediadora do professor se dá a partir das hipóteses que as crianças têm sobre letras e números, o que sabem e a sua forma de organizar o pensamento; nas associações que fazem em momentos oportunizados de interação entre pares e na proposição de situações desafiadoras, em que são mobilizados a vivenciar situações em que palavras e números são experienciados de maneira concreta.
Como vemos nessas situações práticas, a mediação consiste em intervir de maneira intencional. Não exige uma ação direta constante, mas criar ambientes e situações bem planejadas para que as crianças se sintam aceitas, confortáveis, amparadas e, consequentemente, instigadas e mobilizadas para o novo, para o belo, para situações que lhe digam: “Vem, você pode e eu estou aqui com você!”.
Um abraço e até breve!
Paula Sestari
Paula Sestari é professora da Educação Infantil da rede municipal de ensino de Joinville (SC), com dez anos de experiência nessa etapa, e mestre em Ensino de Ciências, Matemática e Tecnologias. Em 2014, recebeu o Prêmio Educador Nota 10, da Fundação Victor Civita, e foi eleita Educadora do Ano com um projeto com crianças pequenas na área de Educação Ambiental.
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