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Educação Infantil: como organizar o espaço escolar com intencionalidade pedagógica

Conheça sugestões e dicas de especialistas para que a sala de referência da criançada seja um lugar de experiências que contribui para o desenvolvimento e a aprendizagem de todos

POR:
Camila Cecílio
Na EMEI Cleide Rosa Auricchio, em São Caetano do Sul (SP), a professora Camila Ramos Hungaro organiza diariamente os materiais que serão utilizados nas atividades do dia com base nas experiências que deseja proporcionar para as crianças. Foto: Lara Pinho

Antes da pandemia de Covid-19 impor barreiras ao convívio social, geralmente bastava mostrar uma colher de pau para surpreender os pequenos da turma de Camila Ramos Hungaro, educadora da EMEI Cleide Rosa Auricchio, em São Caetano do Sul, região metropolitana de São Paulo.

Na volta às atividades presenciais, Camila observou que objetos como esse, parte do dia a dia da cozinha de muitos brasileiros, já não representavam uma grande novidade para a maioria das crianças. Isso porque elas tiveram contato com materiais domésticos cotidianos no período de isolamento. “Conversamos muito com as famílias sobre a importância de a criança ter conhecimento do mundo que a cerca e do valor da vida cotidiana”, diz. No retorno à escola, ela e suas colegas educadoras da Cleide Rosa notam que essas falas resultaram mesmo em coisas boas. Responsáveis e familiares envolveram os pequenos na rotina doméstica e hoje eles têm um conhecimento maior de alguns dos materiais que são usados na escola também. “Detalhes como esse fazem a diferença na hora de pensar na organização da sala de referência e dos materiais disponíveis”, diz Camila. 

Para além da colher de pau e de outros objetos de casa e que fazem parte da cultura brasileira, a sala em que a turma passa boa parte do tempo precisa ter muitos outros elementos para as crianças. Como organizar, então, esse espaço com intencionalidade pedagógica? Como fazer com que todos os materiais estejam dispostos de modo a favorecer o desenvolvimento e a aprendizagem da meninada? 

Antes de responder a essa questão, Gisela Wajskop, pesquisadora e doutora em Educação e diretora da Escola do Bairro, em São Paulo, explica que é preciso partir de uma pergunta mais importante: o que o espaço escolar significa? “Antes de organizar o ambiente, é preciso refletir qual é o projeto pedagógico da escola e o que se pretende que as crianças aprendam ali.” Segundo ela, ainda é preciso pensar qual a relação do projeto pedagógico com o meio ambiente, a arquitetura, os objetos de consumo, os objetos exploratórios, as propriedades dos objetos, os materiais e as representações culturais.

A intencionalidade pedagógica entra em cena quando se pensa na escolha dos materiais e dos lugares onde eles serão colocados, seja na própria sala de referência, nos corredores ou em algum espaço externo da escola. “Tudo que diz respeito ao espaço e aos materiais tem de ter um propósito. Por exemplo, provocar, incitar a observação, a experimentação e o brincar, desafiar a criançada ou convidar a conhecer algo”, explica Karina Rizek, consultora associada da Avante Educação e Mobilização Social e diretora pedagógica da Escola Global Me, na capital paulista. 

Outro aspecto importante para ser levado em conta é a faixa etária do grupo e o que se quer desenvolver. Crianças menores, por exemplo, têm a necessidade de se movimentar mais – estão aprendendo a engatinhar, andar, correr e pular. Se o espaço estiver cheio de coisas, todos esses movimentos ficam muito limitados. Seguindo a mesma lógica, considerando que literatura é fundamental mesmo que os pequenos não sejam leitores autônomos, o contato com os livros deve ser espontâneo e cotidiano. Ou seja, é preciso ter na sala livros para que todos possam pegar, manusear, interagir e compartilhar os exemplares com os colegas. 

Evidentemente, a organização do espaço precisa considerar aspectos essenciais como segurança, acolhimento e autonomia infantil. “Não faz sentido, por exemplo, deixar tesouras ao alcance dos pequenos de um e dois anos. Já para os de cinco, as tesouras sem ponta podem ser algo com o que eles já sabem lidar do começo ao fim – pegar, usar adequadamente e guardar”, observa Karina. A autonomia, vale reforçar, é uma questão importantíssima quando se pensa na organização do espaço: o rolo de papel para cada um limpar seu nariz, o bebedouro ou filtro para pegar água, a pia onde lavam as mãos e o frasco de álcool gel também têm de ficar ao alcance da turma. Caso contrário, a mensagem que passamos para os pequenos é que eles são dependentes dos adultos para coisas básicas. 

Karina ainda sustenta que a sala de referência tem de garantir dois princípios fundamentais: socialização e privacidade. Na prática, isso quer dizer que os espaços precisam permitir interações em pequenos ou grandes grupos, em duplas ou trios, e ao mesmo tempo possibilitar às crianças estarem sozinhas, com privacidade, na hora do sono, por exemplo. “Ao prever essas situações, vale usar tecidos e móveis para criar ambientes diferentes na mesma sala. Isso promove também acolhimento”, explica. 

O conceito estético na Educação Infantil

Dimensão estética: já ouviu falar? Esse é um dos fatores mais importantes para levar em conta ao organizar a sala de referência da turma. “Ao cuidar do visual da sala, garantindo de quebra um espaço bem organizado, ajudo as crianças a organizarem seus próprios pensamentos e aprendizagens”, diz Camila, educadora da rede municipal de São Caetano do Sul. 

O espaço também ensina, estimula, intriga e, principalmente, encanta. Caixas organizadoras bem conservadas, dispostas de maneira alinhada e harmônica, e brinquedos guardados por tipo, separadamente, são características de um local onde existe a preocupação com o belo para além do “bonito ou feio”. “Se eu propor uma brincadeira simbólica de cozinha, uma coisa é colocar uma caixa no centro da sala com várias panelinhas para a turma brincar. Outra coisa completamente diferente é organizar a sala como se fosse uma cozinha, uma casa, separando os utensílios de forma organizada, como fazemos em casa ao pôr a mesa, por exemplo”, conta Camila. 

O ideal é romper com a ideia do universo infantilizado, de que as crianças precisam estar em contato com tudo sempre muito colorido, com personagens de desenho animado e imagens do mundo midiático. “A escola não pode organizar os espaços como se fossem buffets de festas infantis”, fala Karina. O ambiente educacional é um espaço de ampliação dos repertórios, inclusive o estético. É interessante, então, apresentar para os pequenos o que sabemos que eles não acessam fora do ambiente da escola, como obras de arte, concepções e expressões artísticas”, pontua. Isso envolve, inclusive, explorar cores para além do trio vermelho-amarelo-azul, tão comum no universo infantilizado. Tons terrosos, pastel e texturas podem proporcionar diferentes experiências. 

Ainda faz parte dos cuidados com a dimensão estética, de acordo com Karina, valorizar a garatuja, o rabisco, a exploração da massa de cor, o início da figuração, a mistura de letras com números e figuras que as crianças registram em produções. “Se exaltamos o protagonismo infantil, precisamos dar lugar para suas produções”, diz. 

No entanto, é importante que muito se reflita sobre a estética ser uma questão delicada por ter uma determinação de classe, além do fato de que o que é bonito para um setor pode não ser bonito para outro. “Existe o risco de se impor a estética branca, europeia, do pequeno burguês, como se isso fosse sinônimo de belo”, fala Gisela. A discussão sobre a dimensão estética, então, pode começar tratando do que é essencial estar no espaço, sobre não acumular lixo nem materiais, por exemplo. 

Quando pensamos em um espaço que promova sensações, um ambiente limpo, aberto, no qual os pequenos tenham acesso, por exemplo, a caixas com sementes escolhidas intencionalmente, pedaços de tecidos e vidrinhos com aromas, onde as paredes sejam brancas e convidem a fixar os desenhos e pinturas da turma, que tenha uma lousa pintada em uma parede inteira que convide as crianças a pintar, desenhar etc., estamos pensando na dimensão estética. “O importante é que o sentido estético seja discutido pelos educadores e que eles consigam enxergar beleza naquilo que estão organizando”, diz Gisela.  

O que é um espaço atrativo?

Cotidianamente, Camila busca romper com os estereótipos da Educação Infantil. Isso significa que, para além da questão estética, ela está atenta ao que as crianças expressam no dia a dia, ao que têm acesso em casa. Se o grupo não gosta muito de brincar de carrinho, por exemplo, a ideia é tentar deixar a brincadeira mais atrativa. “Penso no que posso oferecer junto com os carrinhos para que os pequenos passem a gostar também desse brinquedo. Ou o contrário: se eles gostam muito de carrinho, penso o que posso dar que não tenham contato e se interessem pelo elemento novo.” Daí surgem decisões como oferecer carrinhos e blocos de madeira, criar alguma brincadeira com eles e organizá-los de forma convidativa. 

Para além de apostar na diversidade criativa, outro trunfo nas salas de creche e de pré-escola são os cantos fixos, de faz de conta, leitura, blocos de construção, atividades plásticas etc. Eles atendem ao princípio de acolhimento – a criança sabe o que vai encontrar ali. É importante manter uma regularidade de onde as coisas são guardadas e disponíveis. Isso colabora para que todos desenvolvam a autonomia e a identidade de grupo. Se o educador muda as coisas de lugar a todo momento, a criançada acaba tendo de sempre perguntar onde está cada coisa.  

O que toda sala de referência de Educação Infantil precisa ter

A sala ideal de turmas da Educação Infantil deve ter boa ventilação e iluminação naturais e móveis abertos e de múltiplo uso, para que possam ser empilhados, encostados na parede ou reorganizados de maneira que não passem a mensagem de que a única coisa que se faz em uma sala é ficar sentado olhando para uma lousa. 

Não podem ficar de fora também itens como espelhos, livros, cantinhos de leitura e de faz de conta, blocos, mesas, almofadas e objetos de materiais diversos. 

Conheça, no infográfico a seguir, os detalhes básicos para organizar a sala de referência da sua turma: 

9 ideias inspiradoras que fazem a diferença em uma sala de referência da Educação Infantil

Quando falamos em organizar o espaço na Educação Infantil, os aspectos que dizem respeito à autonomia, às interações e às brincadeiras têm de promover o exercício e a garantia dos seis direitos de aprendizagem previstos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Em outras palavras, isso quer dizer que o espaço tem de permitir que as crianças participem, explorem, brinquem, convivam, se expressem e se conheçam. 

Um dos cuidados mais delicados a ser considerado tem a ver com o valor estético e ético dos materiais. Atualmente, muitas escolas já estão abandonando o uso do EVA (polímero emborrachado, flexível, com propriedades adesivas e componentes à prova d'água) e do plástico, pobres esteticamente e famosos poluidores do meio ambiente. Por outro lado, estão ganhando cada vez mais espaço elementos da natureza, como pedrinhas, folhas, galhos, areia, terra de diferentes texturas e cores, madeira, tecidos e alumínio. 

Confira detalhes da sala da turma de Camila, educadora de São Caetano do Sul, para se inspirar e organizar a sala de referência da sua turma: 

Consultora pedagógica: Nilcileni Brambilla, formadora de professores e autora do Material Educacional da NOVA ESCOLA.

Esta reportagem faz parte do projeto Recomposição de Aprendizagem na Educação Infantil. Confira os demais conteúdos realizados em parceria com o Instituto Chamex.