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Quais são o papel e os limites da escola na promoção da saúde mental dos estudantes?

Ambiente escolar pode ser um espaço estratégico para desenvolver ações em parceria com famílias e profissionais da saúde, além de acolher e encaminhar os casos

POR:
Tatiane Calixto
Foto: Getty Images

O retorno às aulas totalmente presenciais na EM Professor Anísio Teixeira, em Uberaba (MG), no início deste ano, foi “assustador”. Assim definiu a própria diretora da unidade, Edna Maria Chimango dos Santos. Conflitos entre alunos, casos de depressão e automutilação e relatos de ideação suicida acenderam um sinal de alerta: era preciso olhar com atenção para a saúde mental dos alunos. “Nós esperávamos ter de lidar com questões de saúde mental nesse retorno, mas não imaginávamos enfrentar um abalo tão grande”, conta Edna. Os casos de automutilação aumentaram inclusive entre os alunos mais novos. “Tivemos situações com crianças do 3º ano [do Ensino Fundamental]”, lembra a diretora.

Infelizmente, o cenário descrito na escola mineira não é algo isolado. Pelo Brasil, casos semelhantes estão desafiando educadores após a retomada das aulas presenciais. Um mapeamento desenvolvido pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e o Instituto Ayrton Senna apontou que dois em cada três estudantes do 5º e do 9º ano do Ensino Fundamental e da 3ª série do Ensino Médio da rede estadual relataram sintomas de depressão e ansiedade. O levantamento contou com a participação de 642 mil alunos e mostrou também que, do grupo avaliado, um em cada três afirmou ter dificuldades para conseguir se concentrar na sala de aula, 18,8% relataram se sentir totalmente esgotados e sob pressão, 18,1% disseram perder totalmente o sono por conta de preocupações e 13,6% contaram não ter confiança em si.

Diagnosticar ou tratar problemas de saúde mental não é a função dos educadores. No entanto, o ambiente escolar pode ser um espaço estratégico para identificar quando algo não vai bem e encaminhar os casos, além de acolher os alunos e promover um espaço seguro para que eles se expressem. O impacto desse tipo de ação afeta de maneira direta e positiva o desempenho dos estudantes e o clima escolar.

Um olhar atento para o estudante

A saúde mental dos estudantes não é assunto novo. Porém a pandemia de Covid-19 multiplicou os desafios. “As crianças foram afastadas das rotinas básicas de convivência, e, com isso, muitos alunos tiveram de reaprender a cumprir compromissos e combinados”, avalia o psiquiatra Gustavo Estanislau, especialista em Psiquiatria da Infância e da Adolescência e organizador do livro Saúde mental na escola: o que os educadores devem saber.

Segundo ele, as lacunas pedagógicas deixadas pelo ensino remoto também potencializaram em alguns alunos uma desmotivação com os estudos, sem contar a falta de convívio social ou o luto pela perda de familiares durante a pandemia. “A escola não pode ter o papel de diagnosticar ou tratar seus alunos, mas um olhar cuidadoso é fundamental”, destaca o médico. Um estudante extrovertido que passa a ficar mais calado, a falta de participação nas aulas e tristeza ou irritabilidade constantes são pontos que devem chamar a atenção dos educadores, que têm um olhar privilegiado sobre os alunos. “Entre os sinais mais frequentes está o estresse. Um estado de alerta que deixa a pessoa à flor da pele, chorando com mais facilidade ou estourando com frequência. Assim, ela tem dificuldade de concentração e fica mais propensa a se machucar ou usar drogas, por exemplo.”

A ansiedade também vem sendo muito observada, de acordo com Estanislau. Nesses casos, o aluno tende a demonstrar muitas preocupações e insegurança, o que pode levar à queda do rendimento escolar e ao afastamento dos amigos, fazendo com que não se sinta prazer em estar na escola. “Existem diferentes realidades. Mas o ideal é que o educador esteja próximo à família para, aos primeiros sinais de um problema, comunicar o que acontece. O professor não deve tentar diagnosticar e nem julgar o que está havendo, mas pode acolher. Porém a gente sabe que não é fácil e nem todas as famílias estão abertas a isso.”

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Por isso, outro ponto importante é otimizar a conexão entre escola e aluno. Na opinião do médico, a escola precisa ser um lugar onde os adultos se comportem de forma estável porque muitas vezes é o único ambiente onde a criança pode encontrar estabilidade. Esse aspecto, no entanto, também passa por olhar para o professor. Foi isso o que a diretora Edna, do começo desta reportagem, entendeu que precisava fazer para começar a mudar o cenário percebido no início do ano.

Projeto une música e empatia

O primeiro passo dado por Edna na Anísio Teixeira foi dimensionar o problema. Da mesma forma que a unidade mapeou as lacunas de aprendizagem, uma avaliação diagnóstica específica foi realizada para entender o estado emocional dos cerca de 800 alunos, da Educação Infantil aos Anos Finais do Ensino Fundamental.

A diretora explica que foram aplicados formulários com atividades de escrita e desenho para que os estudantes expressassem seus sentimentos. Em paralelo, os momentos de formação continuada dos professores foram utilizados para, além de acolhê-los, permitir que fossem orientados no desenvolvimento das propostas relacionadas ao projeto. “No primeiro momento também tivemos de acolher o professor, ouvir as suas dores e depois prepará-los para acolher os alunos.”

Em seguida, a escola definiu que uma etapa importante era trabalhar o entendimento de empatia e que a música seria o fio condutor do projeto. Assim, após escolher um título para o projeto, denominado de Empatia, os professores passaram a usar canções de formas variadas nas aulas de diferentes disciplinas, debatendo as letras e discutindo o assunto, além de buscar atividades para que os alunos praticassem a empatia.

Assim são feitas interpretações de letras de músicas, criação de acrósticos com o nome do projeto e os títulos das canções, construção de frases e slogans em Língua Portuguesa e elaboração de cartazes, faixas e murais em Arte, por exemplo. Edna salienta que essa é uma forma de avançar nos conteúdos pedagógicos garantindo oportunidades para debater as questões socioemocionais. Outras atividades práticas que integram o projeto são contações de história e jogos colaborativos, que apresentam novas realidades aos estudantes e os ajudam a ampliar a capacidade de escuta e a respeitar e reconhecer a importância do outro.

As famílias também se envolvem ao responder a pesquisas, via WhatsApp, sobre o tema. As atividades culminam em momentos semanais, nos quais toda a comunidade escolar se reúne para cantar a canção escolhida. “É um momento de muita emoção, acolhimento e fortalecimento de vínculos. É hora de mostrar que estamos unidos”, resume a diretora. E o repertório é eclético: já fizeram parte das atividades canções da banda Titãs, de Gonzaguinha e da dupla Bruno e Marrone.

Para os estudantes que apresentam casos mais complexos, a escola conseguiu, em parceria com a Prefeitura de Uberaba, dois psicólogos, que realizam rodas de conversa e mediação de conflitos. As atividades são sempre acompanhadas por um professor. É uma maneira, segundo Edna, de aumentar o repertório dos docentes sobre o assunto. Há também situações em que a família é comunicada e encaminhada para a rede municipal de saúde. “No início do ano, tivemos de desacelerar e olhar muito para essa questão emocional. Mas hoje já podemos focar mais no pedagógico, porque a saúde mental dos nossos alunos está melhor”, afirma Edna. “Aprendemos na marra que se não atentarmos para as questões socioemocionais, não identificamos problemas de saúde mental não podemos avançar. Não é possível trabalhar sem olhar para o aluno de forma integral.”

Simone André, especialista em Educação integral e desenvolvimento socioemocional, explica que as competências socioemocionais protegem a saúde mental dos estudantes na medida em que oferecem experiências educacionais que, de forma intencional, fortalecem o relacionamento consigo mesmo, com o outro e com o coletivo, preparando o estudante para lidar com as situações de incerteza, ansiedade, estresse e vulnerabilidade que caracterizam a sociedade contemporânea. 

Metodologias ativas e saúde mental

Para além das intervenções específicas, que muitas vezes são necessárias para garantir e promover a saúde mental dos alunos, Angela Uchoa Branco, professora emérita da Universidade de Brasília (UnB) e doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), diz ser fundamental que as escolas renovem suas práticas pedagógicas, no sentido de motivar e gerar a participação ativa dos alunos no processo de ensino e aprendizagem.

O que pode ajudar, segundo ela, é a promoção de encontros e rodas de conversa, de forma a favorecer a cooperação e a colaboração entre os professores, tanto em nível socioafetivo quanto em trocas de ideias e práticas pedagógicas e inclusivas.

“Com isso, não apenas os conteúdos das disciplinas são mais bem ensinados, mas os alunos terão mais oportunidades de se expressarem e serem ouvidos e valorizados, fortalecendo a autoestima e a autoconfiança, essenciais para o seu desenvolvimento pleno. Além disso, promover debates e discussões em sala de aula poderá permitir o aprofundamento de questões essenciais à formação cidadã e democrática dos estudantes, para que celebrem a diversidade e a inclusão nos contextos educativos e fora deles”, avalia Angela. Tudo isso pode contribuir para a saúde mental de todos, estudantes e educadores.

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Fortalecimento da autoestima dos alunos

No Guarujá (SP), a EM Lucimara de Jesus Vicente apostou no fortalecimento da autoestima dos estudantes para enfrentar o desafio da volta às atividades presenciais. Lá, esse retorno também evidenciou uma piora na saúde mental dos alunos, o que exigiu um planejamento diferenciado. Casos de ansiedade e depressão explodiram na unidade, que atende os Anos Finais do Ensino Fundamental. A escola teve, inclusive, de acionar a família de um estudante ao descobrir que ele tinha planos suicidas.

“Não nos cabe julgar nem dimensionar o que eles estão sentindo, mas percebi que precisava tê-los mais próximos”, conta a coordenadora da escola, Mônica Rodrigues da Silva Bartolotto. Foi assim que nasceu o projeto Formosuras, com o objetivo de fazer do ambiente escolar um espaço de amparo e fortalecimento de vínculos com os alunos por meio de atividades do cotidiano.

Mônica diz que a proposta é intervir em casos observados pelos professores e encaminhar esses alunos para atividades no contraturno escolar. “Às vezes não há nenhuma dificuldade pedagógica, mas uma mudança no perfil do aluno”, detalha. O objetivo é criar uma rede de apoio entre os estudantes e a construção de um ambiente seguro e acolhedor.

A ideia, conforme a coordenadora, é fortalecer a autoestima do aluno mostrando que ele é capaz e importante para a escola. Durante um dia por semana, no contraturno, é proposto o encontro do grupo, que tem revezamento entre os participantes conforme as necessidades. “Trabalhamos atividades que privilegiam a melhora da autoestima, a autoconfiança e o desenvolvimento de habilidades interpessoais. Os alunos realizam tarefas como apoio na sala de informática, organização de livros e arquivos e auxílio ao setor administrativo. Intercaladas com essas atividades, são feitas rodas de conversas sobre diferentes assuntos. Em algumas ocasiões, contamos com ajuda voluntária de diferentes profissionais e até mesmo psicólogos.”

A definição das atividades e os temas das conversas são estabelecidos em conjunto com os estudantes. Durante os encontros, são usadas diferentes estratégias, como construção de um diário de bordo para registro de emoções, leitura de livros e poemas e atividades de pintura. De acordo com Mônica, todas com o propósito de expandir a capacidade de lidar com os sentimentos de forma equilibrada.

Sempre que possível, a escola procura diversificar as atividades com a participação de outros mediadores convidados que desenvolvem temas de escolha dos estudantes. O primeiro foi uma roda de conversa sobre autoestima, conduzida por uma universitária do último ano do curso de Psicologia. A abordagem baseou-se na leitura do livro O pedaço que falta, de Shel Silverstein. “Por meio de reflexões sobre diversidade, buscou-se entender que é legítimo que as pessoas tenham tempos de resposta diferentes aos estímulos emocionais que sofrem no dia a dia”, lembra Mônica. “A escola é um local importante para o estudante que precisa desse tipo de ajuda. Primeiro, porque pode acolhê-lo; depois, porque pode encaminhá-lo para um serviço adequado, o que às vezes a família tem dificuldade de fazer”, finaliza a coordenadora.

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Consultoria pedagógica: Simone André, especialista em Educação integral e desenvolvimento socioemocional.

 

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