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Educação Infantil: como favorecer o letramento matemático com atividades lúdicas e investigações

Professores devem proporcionar experiências significativas, que explorem a Matemática presente no cotidiano das crianças

POR:
Maggi Krause
Foto: Getty Images

“O que será que tem dentro desta caixa?” A pergunta da professora Suênia Silva Pereira, que atua na creche municipal Felix Araújo, em Campina Grande (PB), fez as crianças do Maternal 2 – entre três anos e meio e quatro anos – começarem a retirar bolas e brinquedos de vários tamanhos, como carrinhos, de uma caixa. Em seguida, ela pediu que separassem os objetos por tamanho. Em um lado da sala juntaram os maiores; em outro, os menores. “Foi uma atividade rápida e de muita ludicidade. Na creche, não tem como ficar sem ver, escutar ou tocar os objetos. Toda exploração é necessária para que eles aprendam e oralizem sobre cor, forma e dimensão e comecem a contar e desenvolver noções matemáticas”, descreve a educadora.

Como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da Educação Infantil apregoa, é a qualidade das experiências nessa etapa que aproxima os pequenos do espírito científico e dos conhecimentos matemáticos elencados pelo documento: “contagem, ordenação, relações entre quantidades, dimensões, medidas, comparação de pesos e de comprimentos, avaliação de distâncias, reconhecimento de formas geométricas, conhecimento e reconhecimento de numerais cardinais e ordinais”. “O letramento matemático é o processo de favorecer o ingresso das crianças nessa cultura numérica e da Matemática que existe na vida”, ressalta Ana Flávia Alonço Castanho, pedagoga e docente na pós-graduação em Didática da Matemática no Instituto Vera Cruz, em São Paulo (SP). Ela sugere práticas de uso da matemática no cotidiano, como medir objetos e partes do corpo, e investir em atividades de construção e jogos matemáticos.

Para Fernando Barnabé, do Time de Autores dos planos de aula da NOVA ESCOLA, especialista no uso de jogos, a experimentação é essencial para a aprendizagem. “Levantar hipóteses, trabalhar o erro como parte do processo e pensar formas de registrar o número de brinquedos na sala, por exemplo, são experiências significativas que, se vivenciadas na Educação Infantil, pavimentam um caminho sólido para a Matemática dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental”, afirma.

Segundo Ana Flávia, as questões precisam estar próximas da criança e devem permitir investigar e construir conhecimento. A função do professor é problematizar e apoiar a turma sem usar a lógica do certo ou errado, mas fazendo aproximações sucessivas com o tema, para que seja possível avançar. “É importante criar essa atitude de pertencimento com relação à Matemática”, destaca.

A experiência das crianças pequenas com a Matemática

“Tudo na vida tem Matemática. Para que ela induza a curiosidade e produza encantamento nas crianças, é importante cuidar de como se explora as situações com elas”, resume Ana Flávia. Ela  diz que é importante apresentar e equilibrar, em sala, dois conjuntos de conteúdos. Um é composto por informações, ideias e dados sobre elementos matemáticos nas Ciências – algo que ilumine os olhos das crianças e provoque interesse, como o peso ou o tamanho de uma baleia, por exemplo. O outro reúne problemas que fazem sentido no cotidiano, como: quantos dias faltam para o aniversário da colega? Como eu separo tintas e potes de água para todos na oficina de artes? De que forma posso medir o tamanho da mesa ou desenhar uma régua para marcar a altura de cada um da turma? Com esses desafios, as crianças constroem ferramentas para investigar relações matemáticas na vida.

A professora Suênia, que já ministrou cursos de formação e oficinas de Matemática para professores da Educação Infantil, conta que a base do planejamento é considerar a faixa etária e o que a criança precisa aprender. Os professores podem recorrer à BNCC para verificar os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento e então pesquisar as melhores propostas e os recursos para disponibilizar em sala, sempre pensando em promover interação e ludicidade. “Levando em conta a capacidade cognitiva das crianças, o professor deve buscar a melhor estratégia entre jogos, brincadeiras, músicas e experiências”, orienta. Ela também é autora de uma coleção de livros para professores – EducAlegre Matemática – baseada no campo de experiência Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações, de acordo com o que a BNCC recomenda para crianças bem pequenas (um ano e sete meses a três anos e 11 meses).

Em relação à sala de aula, os recursos e a ambientação também pedem um olhar intencional do professor, pois oportunizam aprendizagens. “O uso do calendário é um clássico. A construção de uma rotina e a sequência de eventos são atividades em que o pensamento matemático está implícito, mas não é todo professor que entende isso”, nota Fernandp. Oferecer elementos de contagem, como tampinhas e outros materiais de fácil acesso na sala, e explorar as formas geométricas tridimensionais, sem se prender à nomenclatura, são outras sugestões. “É importante deixar a criança mexer e experimentar. Aos poucos, ela vai perceber, sentindo, que a bola não tem cantinho nenhum e, por outro lado, o cubo tem oito cantos.”

Atividades lúdicas para aproximação com o tema

Os registros, segundo o formador, dizem muito sobre como as crianças de quatro e cinco anos enxergam uma questão. Vale a pena pedir que façam um desenho sobre um jogo para verificar se entenderam ou não seu funcionamento ou descobrirem por si mesmas maneiras de marcar a pontuação. Quando uma turma discute de maneira conjunta a representação de informações e pensa formas de registro, ela está aprendendo. Fernando salienta que usar jogos de Matemática nessa etapa trabalha o significado e a representação dos números, pois muitas situações de jogo envolvem elementos numéricos e geométricos. E indica um curso da NOVA ESCOLA, elaborado por ele e pelo professor Evandro Tortora, sobre jogos matemáticos na Educação Infantil.

Parlendas e músicas, muito usadas nas brincadeiras de pátio, também são uma maneira lúdica de a criança se apropriar da série numérica. Sabendo que aos dois e três anos ela descobre o mundo pelo corpo, também é importante deixá-la fazer medições entrando em um balde ou bacia, por exemplo, ou em espaços que possa explorar e, ao mesmo tempo, se sentir segura.

Ana Flávia explica que as construções são outro campo de conhecimento matemático, e vale diversificar os materiais, disponibilizando bloquinhos plásticos, latas, embalagens e blocos de madeira. Assim, os pequenos vão descobrindo os objetos e a ideia de base, o que funciona embaixo e em cima para construir uma torre, por exemplo, e quais elementos rolam ou não.

Fuja desses erros!

Atenção para evitar os principais equívocos dos professores relacionados ao letramento matemático na Educação Infantil

Adiantar a escolarização. Não trabalhe conteúdos que, segundo a BNCC, seriam apresentados nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. “Existe uma ansiedade desnecessária para antecipar. A escrita até acontece, mas a criança não tem maturidade para dar significado para aquele três seguido do sete, compreendendo um 37 pelas regras do sistema decimal”, diz Fernando.

Priorizar a grafia do número. Dedos, tracinhos, varetas, palitos de picolé, bolinhas coladas em um cartaz – todas as formas de contagem e de registro numérico têm centenas de possibilidades de representação. Crianças não alfabetizadas podem, sim, pensar sobre os números. Mas não é porque ela sabe copiar um cinco que o conceito por trás dele está consolidado. No extremo oposto, há professores que, com medo de expor as crianças pequenas, tiram as referências numéricas da sala. “Como fazem parte do contexto, os números devem aparecer no calendário mensal na parede, nos dados grandes e nos jogos”, ensina Ana Flávia. 

Achar que as crianças não entendem. Deixar de dizer que o elefante pode pesar uma tonelada e isso são mil quilos, por considerar isso muito complicado para as crianças pequenas, só limita suas possibilidades. “Elas crescem em um mundo complexo e aprendem interagindo com adultos. Se relacionados a um assunto interessante, mesmo que pareçam pouco amigáveis, os números maiores permitem dar vazão à exploração e a perguntas”, considera Ana Flávia. 

Reduzir tudo a figuras planas. Já há estudos no campo de ensino da Geometria que apontam que se deve partir das três dimensões para o bidimensional. O mundo em que vivemos é tridimensional, e é este que as crianças experienciam. “Em vez de reforçar só a figura plana, classificando tudo em triângulo, quadrado e círculo, é melhor discutir qual a diferença entre a caixa da pasta de dente e a latinha de refrigerante. É preferível priorizar a experiência como fator transformador do que as nomenclaturas, pois se corre o risco de a criança chamar cubo de quadrado”, reforça Fernando.

Propor as tradicionais folhas xerocadas. Vale fugir de atividades diretivas, as quais se espera que todo mundo faça igual, como colorir o bichinho menor que aparece na ilustração. Essa ação não estimula a investigação ou a experiência. “Recorrer a um ensino diretivo tem o efeito de fazer as crianças se sentirem parte do grupo das que sabem ou das que não sabem. E criar essa sensação de ‘eu não consigo’ é o oposto do que buscamos na Educação Infantil”, detalha Ana Flávia.

Matemática muito próxima do cotidiano

Pesos e medidas fazem parte do projeto Identidade, que a professora Rosana Fátima Lima conduz na sala multisseriada do CEMEI Andorinha, em Itatiba (SP). O objetivo é que sua turma de 16 crianças entre quatro e seis anos entenda o que é o peso. “Eu acho muito abstrato para elas essa questão de subir na balança e aparecer um número. Queria que sentissem de verdade no que consiste o peso”, conta.

Rosana levou para a sala pacotes de arroz (5 quilos) e de feijão (1 quil) e pediu para que eles segurassem ambos. Depois, solicitou que cada um estimasse quanto era seu peso. Em seguida, fez cada criança segurar a quantidade de quilos que estimou (usando os sacos). Na sequência, cada criança subiu na balança e checou seu peso.

A professora fez uma lista de nomes e pesos e promoveu discussões que envolveram comparações e a grandeza dos números. “O ideal seria ter duas balanças e pesar a criança em uma e o peso equivalente em alimentos na outra, mas não foi possível. Mesmo assim, as crianças acharam a experiência fantástica”, relata. Ela fotografou a atividade e escreveu um registro, inserido no portfólio de cada um. “A [experiência da] balança é muito boa, pois devolve um resultado de medida imediatamente”, avalia Ana Flávia. “A atividade é pertinente porque tem a ver com a vida das crianças.”

Estímulos e desafios

Em Campina Grande, a professora Suênia costuma montar para as crianças pequenas um circuito com fins matemáticos. “Organizamos obstáculos para subir, descer, passar por cima, por baixo, entrar e sair da caixa”, aponta. A atividade serve para desenvolver noções de posição e de localização e, claro, para brincar. “Em pouco tempo estão falando se estão embaixo ou em cima da cadeira. Isso é vocabulário que levam para casa e para o meio social. Eles verbalizam, por exemplo, ‘agora estou alto’ e ‘agora estou baixinho’.”

Ana Flávia diz que o professor deve ficar atento para sustentar a troca de ideias entre as crianças enquanto elas realizam uma atividade prática – por exemplo, arrumar uma toalha de piquenique e colocar pratos e copos para todos os participantes. Perguntas estimulam as crianças a fazer estimativas e pensar as estratégias de forma livre e prazerosa. “Nem que eles tenham de ir e vir, e completar o que estava faltando, não tem problema, é tentativa e erro, e faz parte aceitarem isso com naturalidade”, comenta a especialista.

Outra proposta interessante, de acordo com ela, é desafiá-las a medir uma mesa para confeccionar uma toalha nova. “As crianças vão propor várias soluções, como medir com a palma das mãos. São dez de um lado e 15 do outro, por exemplo”. Nessa hora, é essencial o professor instigar: “Vejam o que o colega falou, vocês acham que essa informação é suficiente?”. “Desse modo, é dada a oportunidade de investigar mais, deixando a criança construir sem fechar a discussão”, aconselha Ana Flávia.

Pensamento estatístico desde a infância

Sair com as crianças da Educação Infantil para ir à feira é uma aventura, mas organizar esses dados em um gráfico em conjunto com os pequenos é um passo mais sofisticado e ajuda a pavimentar o pensamento estatístico. “É importante frisar que não dá para falar em letramento estatístico nessa etapa, pois antes é preciso assimilar e acomodar esse pensamento que é progressivo, assim como o matemático”, explica Gabriela Braz, psicóloga, professora e doutoranda em Educação em Ciências.

Responsável pelo Programa de Apoio Tecnológico para uma Educação Lúdica e Interativa de Estatística (ATELIE), da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), a especialista revela que em todos os campos de experiência é possível trabalhar a Estatística. Para que as atividades sejam lúdicas e motivadoras, é preciso que o professor conheça bem sua turma e inicie um ciclo investigativo. A organização de dados pode começar com a cor preferida, a idade de cada um ou gostos específicos. É possível construir gráficos com blocos de montar que permitam à criança visualizar qual torre é maior e fazer comparações.

A premissa da Estatística é atribuir qualidade e quantidade a um dado. E a criança precisa de suporte para desenvolver objetivos de aprendizagem da Educação Infantil, por isso é necessário o apoio do professor. “Os bebês, de acordo com os objetos que vão manipulando, podem ser estimulados à classificação, à noção de pareamento e a identificar características como cor e formato. Isso é Estatística”, detalha Gabriela. Já as crianças maiores conseguem identificar e selecionar fontes de informações para analisar fenômenos e ter noção de variáveis. Por exemplo: “Não posso sair na chuva porque vou me molhar” e “Se eu me molhar, o que pode acontecer?”. “Na Educação Infantil, é dada a oportunidade de observar, de manipular objetos, de prever situações e de fazer comparações, e isso infere no pensamento estatístico, que ajuda na tomada de decisão da criança.”

Como parece ainda mais complexa do que a Matemática, a Estatística exige dos professores formação continuada. As estratégias para estimular o pensamento estatístico consideram sete processos mentais básicos: correspondência, comparação, classificação, sequenciação, seriação, inclusão e conservação. Todos eles auxiliam no desenvolvimento do senso numérico, contribuindo para o letramento matemático. Quem quer saber mais sobre o assunto pode conferir as formações presenciais e online promovidas pelo ATELIE. Gabriela também é autora do livro Conhecendo a Estatística (Estatística para Baixinhos – Livro 1, da editora Academy), que traz sugestões para desenvolver conceitos e habilidades estatísticas com crianças a partir de quatro anos de idade.

 

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