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Como apoiar a transição dos alunos da Educação Infantil para o Ensino Fundamental

Estratégias envolvem linearidade no processo, escuta ativa das crianças, troca de informações entre os professores das duas etapas e conversas com as famílias

POR:
Thais Paiva
Foto: Getty Images

Novos espaços, colegas, professores e rotina: mudar é sempre um processo desafiador. E quando a transição é da Educação Infantil para o Ensino Fundamental, as novidades estão por todos os lados – dos momentos de brincadeira, que passam a ser menos frequentes, até os materiais didáticos e a disposição das carteiras na sala de aula.

Suporte e fluidez são noções-chave para que esse processo não represente uma ruptura, o que exige planejamento e boas práticas por parte dos professores e gestores. Além de apoiar as crianças para que elas se sintam seguras ao longo dessa transição, os educadores precisam trocar informações entre si para entender como acolher cada estudante em seu percurso de aprendizagem e conversar com as famílias, alinhando expectativas e mitigando preocupações.

“Na Educação Infantil, as brincadeiras e as interações são o eixo do currículo. No Fundamental, é preciso haver uma continuidade: a rotina não é igual, mas é importante preservar esses momentos, entendendo que as aprendizagens a partir dali vão se construir de outras maneiras”, diz Angela Di Paolo Mota, professora do curso de Pedagogia do Instituto Singularidades, em São Paulo (SP). 

Um bom começo nesse processo é ouvir as próprias crianças e como imaginam que será o ano seguinte. “Essas conversas as ajudam a se organizar. Nessa faixa etária, elas já conseguem se expressar bem, e podemos ir conversando com elas na própria rotina para ouvir seus medos e expectativas”, recomenda Angela.

Norminda Dela Costa, técnica pedagógica da Educação Infantil da rede de Venda Nova do Imigrante (ES), endossa a importância dessa escuta ativa. “É interessante fazer um levantamento das curiosidades que elas têm sobre o 1º ano, falar sobre o que vão encontrar e como é a rotina, entre outros pontos. Normalmente, elas querem saber se vai ser muito difícil, se vão poder brincar.” Ela sugere convidar alunos do 1º ano para conversarem com a turma e responderem a essas questões.

Familiarização com os novos espaços e a rotina

No caso das crianças que continuarão na mesma unidade escolar, a organização do espaço pode ajudar a criar a ideia de continuidade. “Tem escolas que colocam as salas do 1º ano do Ensino Fundamental próximas das salas de Educação Infantil. Isso ajuda a criar uma linearidade”, aponta Angela.

“No caso dos alunos que irão mudar de prédio ou unidade escolar, uma ação interessante para que comecem a se familiarizar com os novos espaços é levá-los para fazer visitas. É importante  que conheçam o outro lugar, os novos ambientes, as professoras de referência”, afirma a pedagoga. Mesmo a mudança para outra escola não impede a criação de estratégias para que possam ir, gradativamente, se acostumando com o novo ambiente.

Essa é uma prática que acontece na EMEI Nelson Mandela, em São Paulo (SP). A professora Lenize Cristina Riga conta que a escola procura fazer parcerias com outras unidades da região para as crianças conhecerem os novos espaços. “Isso traz acolhimento e mais segurança para elas. Se não for possível ir ao outro prédio, é legal conversar sobre o assunto e mostrar fotos da escola.”

Continuidade das aprendizagens

Para Lenize, ainda que haja troca de escola, é essencial considerar o percurso vivido pela criança até ali. “Quando se pensa em uma educação integral, se pensa em linearidade para que os alunos possam fazer as assimilações do que viveram na Educação Infantil”, diz. Por isso, outra estratégia indicada pela educadora é reproduzir práticas e brincadeiras comuns dessa etapa na rotina do 1º ano. Isso também ajuda a reforçar conceitos que são trabalhados na Educação Infantil e que costumam perder espaço depois, como a noção de coletividade.

“Na Educação Infantil, as crianças ficam em grupos de quatro a seis alunos. Já no Fundamental, vão para um espaço onde se sentam sozinhas, na carteira individual. Por isso, acho importante insistir na noção de turma. Tanto tempo investindo nessa construção do coletivo e depois foca-se na individualidade. Isso passa uma mensagem confusa para elas”, avalia.

Outro recurso utilizado pela professora para a adaptação é apresentar os materiais com os quais as crianças passarão a trabalhar no Fundamental. “Às vezes, elas ainda não tiveram contato com um livro didático. Então, na rotina, tem dias que usamos caderno e manuseamos esses materiais para que elas possam ir se apropriando [deles].”

E nada de reforçar noções como “agora vai começar a escola de verdade” ou “acabou a brincadeira”. Além de desprestigiar as aprendizagens vividas na Educação Infantil, esse discurso pode causar ansiedade nas crianças. “Às vezes os próprios adultos fazem esse terrorismo. Essas falas não ajudam nada”, completa Norminda.

BNCC e transição

Na passagem da Educação Infantil para o Fundamental, é essencial se basear em documentos oficiais, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Ela reúne orientações para apoiar essa transição de modo a respeitar as singularidades das crianças e as diferentes relações que elas estabelecem com o conhecimento, assim como a natureza das mediações em cada etapa.

Uma das recomendações diz respeito à troca de materiais e conversas entre os educadores dos dois segmentos. Segundo a BNCC, a escola deve promover instâncias de intercâmbio para que os professores da etapa anterior compartilhem o percurso vivido pela turma e por cada aluno com os novos educadores. Para tanto, vale utilizar registros como portfólios e relatórios. “Temos percebido que muitas escolas têm recorrido a uma qualificação desses documentos. Vale detalhar quais são as dificuldades e potencialidades daquela criança e fazer um mapeamento da turma. No entanto, a gente vê que muitas vezes esses relatórios não são lidos”, observa Lenize.

Para Angela, vale também a realização de encontros entre os pares para que observações pedagógicas mais específicas possam ser trocadas com mais facilidade. “A coordenação pedagógica pode promover uma reunião conjunta com os professores de Educação Infantil e Ensino Fundamental. Assim, todos os relatórios, portfólios e projetos que foram feitos podem ser compartilhados com os professores de 1º ano, favorecendo que a passagem aconteça de forma coerente.”

Outra orientação da Base indica a importância da formação continuada para lidar com o momento da transição de etapas e prevê que ela seja uma pauta constante nas reuniões pedagógicas. Além disso, o documento descreve uma síntese das aprendizagens esperadas para cada um dos cinco campos de experiências da Educação Infantil.

Na rede de Venda Nova do Imigrante (ES), esse trabalho envolve a formação de grupos de estudo. “Procuramos discutir o que a Base traz sobre como fazer essa síntese das aprendizagens. Realizamos um estudo sobre isso e planejamos um roteiro para leitura dos professores. É preciso entender a teoria para que a prática aconteça de forma natural”, conta Glauciqueli Brambila Bernabé, também técnica pedagógica da rede.

Parceria com as famílias

Ao lado dos educadores, as famílias desempenham um papel crucial nessa transição. Com o fechamento do ano se aproximando, é indicado convidar os responsáveis para uma conversa sobre essa passagem e como eles podem auxiliar no processo. “É importante que as famílias se sintam seguras e acolhidas. Então vale convidá-las para mostrar os ambientes e o dia a dia das crianças, nem que seja por meio de vídeos e fotos”, aconselha Glauciqueli.

Nessas horas, é comum os pais perguntarem se o filho deveria ter a leitura e a escrita mais desenvolvidas. As especialistas lembram que a alfabetização é um processo que se inicia ainda na Educação Infantil, por meio do contato com o mundo letrado, e que começa a ser sistematizado a partir do Fundamental, o que não significa que deve ser apressado ou cobrado. “Por mais que a gente não tenha essa obrigação de alfabetizar no 1º ano, precisamos criar boas oportunidades para que as crianças tenham contato com o mundo letrado. À medida que ela vai participando do cotidiano onde aparecem a leitura e escrita, ela vai se apropriando”, explica Norminda.

Lenize compartilha essa visão. Para a professora, a transição já traz muitas mudanças a serem assimiladas, e colocar pressão na alfabetização pode deixar as crianças inseguras. “É necessário trazer leveza para esse momento tendo em vista que é uma mudança muito grande. Não pode haver uma cobrança excessiva. Já é algo que vai mexer muito com elas.”

Nesse sentido, também é importante apresentar para os pais e responsáveis o novo currículo, os objetivos de aprendizagem e a proposta pedagógica da escola, além de falar sobre a função social da alfabetização. “Quanto mais informada a família estiver sobre como acontece esse processo, mais encorajador vai ser o seu papel”, resume Norminda.