Como integrar a avaliação das competências socioemocionais à rotina?
Ao propor atividades desafiadoras e trabalhar com problemas autênticos, o educador valoriza o protagonismo da turma e coleta evidências sobre criatividade e engajamento, entre outros aspectos ligados ao socioemocional
POR: Carol FirminoA Base Nacional Comum Curricular (BNCC) determina dez competências gerais que devem ser desenvolvidas pelos alunos ao longo da Educação Básica. Além de guiar o trabalho curricular das escolas, essas diretrizes contemplam as competências socioemocionais. Nesse âmbito, o documento prescreve o desenvolvimento dos seguintes eixos: abertura ao novo (curiosidade para aprender, imaginação criativa e interesse artístico); autogestão (determinação, organização, foco, persistência e responsabilidade); engajamento com os outros (iniciativa social, assertividade e entusiasmo); amabilidade (empatia, respeito e confiança); e resiliência emocional (autoconfiança e tolerância ao estresse e à frustração).
Silvia Lima, gerente de projetos de formação de educadores no Instituto Ayrton Senna, explica que, ao unir todas essas competências, prioriza-se uma educação integral e de pleno desenvolvimento do estudante, em suas múltiplas dimensões. “Em situações específicas dentro da sala de aula, o professor pode fazer com que o aluno vivencie situações que o desafiem nas competências socioemocionais. Para explorar o respeito, esse indivíduo pode ser colocado em contato com realidades diferentes a partir de uma leitura, por exemplo”, sugere.
A formadora reforça, porém, a importância da intencionalidade nas ações dos educadores e a consciência de que as competências socioemocionais não são um conteúdo a ser ensinado e avaliado com notas – elas devem ser vivenciadas. “Não se estuda a assertividade, ela é exercitada. Assim como o foco, a tolerância ao estresse, a persistência, entre outros”, explica.
É possível avaliar o socioemocional?
Na opinião de Elizabeth Gama, diretora do CEM Bom Jesus, localizado em Gurupi (TO), não é possível falar em avaliação de competências socioemocionais considerando formatos tradicionais, como as provas. O acompanhamento e o diagnóstico dos alunos nesse caso acontece por outro meios. “Há discussões nas reuniões de fluxo e nos conselhos de classe sobre a evolução dos estudantes e as mudanças de comportamento em relação aos pilares [da Educação, segundo a UNESCO] ‘aprender a conhecer, ser, fazer e conviver’”, explica a gestora, que é pós-graduada em Orientação Educacional e Neuropsicopedagogia.
O professor da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Cesar Nunes, que pesquisa desenvolvimento e avaliação da criatividade, pensamento crítico e resolução de problemas, por sua vez, propõe que sejam feitas atividades a partir de temas polêmicos e problemas autênticos. “Ao demandar uma produção que necessite de criatividade, é possível desenvolver outras competências”, afirma. Outra estratégia, diz, é provocar a autorreflexão dos alunos. “Um caminho é criar rubricas que especifiquem quais competências serão focadas e fazer com que os alunos gerem evidências e se autoavaliem, tornando o processo [a prática e seu resultado] visível para o professor e para a turma”, finaliza.
Para ajudar nessa empreitada, a NOVA ESCOLA preparou um instrumento diagnóstico que pode servir como ferramenta de avaliação das habilidades socioemocionais da turma, disponível para download abaixo.
Construção de práticas visando o desenvolvimento socioemocional
Ainda segundo Cesar, quando se trata de aplicar as competências socioemocionais no ambiente escolar, é necessário que elas estejam integradas às diversas áreas do conhecimento. O pesquisador explica que, entre as boas estratégias às quais o professor pode recorrer, está o uso de metodologias ativas, como a sala de aula invertida, discussões temáticas e aprendizado por problemas, propondo atividades que sejam desafiadoras para os alunos.
“[É preciso planejar esses desafios] tendo em mente quais competências socioemocionais deseja-se desenvolver com os alunos. Por exemplo, quando eles fazem produções próprias – textos, vídeos e performances – usando o conhecimento disciplinar para gerar um produto da classe, é necessária muita discussão. Esse tipo de atividade abre janelas para o educador incentivar colaboração, empatia e flexibilidade”, assegura Cesar. Ele diz ainda que é importante coletar evidências, que vêm dos próprios alunos, conversar e refletir sobre as emoções afloradas no processo e como estão lidando com elas e dar devolutivas.
Para Helder Guastti, professor de Língua Portuguesa do 5º ano na EMEF Pedro Nolasco, em João Neiva (ES) e do 3º ano do CMEB Mário Leal Silva, em Aracruz (ES), é essencial considerar a heterogeneidade das turmas a fim de estabelecer relações interpessoais que permitam essa abordagem “para que as crianças se sintam acolhidas e pertencentes ao ambiente, bem como seguras o bastante para se expressarem de maneira livre, sem receio de represálias”.
Em 2022, devido ao processo de readaptação das crianças à rotina escolar presencial após os anos pandêmicos, Helder priorizou ainda mais o ambiente de afeto e respeito mútuo, onde os alunos conseguem participar das tomadas de decisão e dos desdobramentos do que acontece no dia a dia da sala.
Ele conta que usa a literatura para mediar diálogos sobre “as sutilezas poéticas que fazem parte da vida, mas que, muitas vezes, não conseguimos enxergar”. A cada leitura juntos, o objetivo é ter boas histórias que auxiliem os alunos a florescer e trabalhar as competências socioemocionais. “Um exemplo recente foi a leitura do livro Castelos de areia, escrito por Márcia Leite e ilustrado por Odilon Moraes, publicado pela Editora Ozé. É uma espécie de narrativa com ilustrações das memórias de férias da escritora que, em sala de aula, direcionou conversas sobre solidão, memórias afetivas e o impacto da saudade em nossas vidas”, conta o professor. O exercício resgatou temáticas necessárias em meio às perdas que a Covid-19 provocou.
Acolhimento e gestão de emoções
O CEM Bom Jesus, onde funciona desde 2017 o Programa de Fomento à Educação em Tempo Integral, criou o projeto Gestão de Emoções como forma de promover o acolhimento aos alunos durante a pandemia e desenvolver competências socioemocionais necessárias para que eles conseguissem manter o interesse nas aulas à distância.
A partir dessa perspectiva, encontros semanais online começaram em 2020 para ajudar os alunos a gerenciar seus pensamentos de forma positiva, protegendo emoções, melhorando o rendimento escolar e as relações. Cada reunião durava cerca de 50 minutos, possuía roteiro disponibilizado previamente e era liderada pela diretora da escola, Elizabeth Gama. Além dela, a aluna egressa e estudante de Psicologia Tiffanny Araújo Cirqueira também passou a atuar no acolhimento a esses jovens, estimulando o diálogo e o protagonismo juvenil. Os encontros chegaram a reunir até 200 alunos e envolver pais e responsáveis, que participaram a convite dos filhos.
Atualmente, a iniciativa continua de maneira presencial. Elizabeth conta que, toda semana, as turmas definem temas que são debatidos nas salas de modo a sensibilizar os alunos. Um exemplo é a violência contra a mulher. Há ainda os grupos tutorados (com até 15 jovens por tutor), com discussões mais individualizadas para entender como tem sido o desenvolvimento de cada um deles em relação aos componentes curriculares e o dia a dia escolar.
“A gente entende que trabalhar competências socioemocionais é extremamente importante para formar o indivíduo. Antigamente, o olhar era apenas técnico; hoje, é combinado à inteligência emocional, com uma pedagogia da presença que diz: ‘Olha, eu faço parte da sua vida’”, afirma Elizabeth.
Paralelamente, são feitas reuniões de fluxo, lideradas por professores coordenadores de cada área, que avaliam o que deu certo ou não, e os pré-conselhos, nos quais são levantados apontamentos sobre alunos específicos – sejam preocupações ou evoluções – a fim de fazer um trabalho individualizado. Depois, explica a diretora, “há o momento da devolutiva, quando os tutores falam com seus alunos a respeito do que é positivo e do que é preciso melhorar. E o plantão pedagógico, que é uma manhã à disposição dos responsáveis que desejam conversar com a equipe”. Os professores ficam divididos por área do conhecimento, e é feito um café da manhã de acolhimento para pais e filhos serem recebidos juntos.
Na opinião tanto da diretora quanto de Tifanny, que acompanha uma sala com 22 alunos com deficiência, o projeto Gestão de Emoções e outros que são realizados visando o desenvolvimento socioemocional dos estudantes fazem diferença na evolução das competências gerais propostas pela BNCC. “O objetivo é fazer com que eles encontrem equilíbrio para aprender, estabelecer diálogos e se sentir parte de seu próprio processo de aprendizagem”, assegura Elizabeth.
Para a diretora, o modelo de escola integral permite mais tempo para executar todas essas iniciativas, mas é necessário pensar também em estratégias para escolas regulares, a começar pela conscientização dos professores sobre a importância das competências socioemocionais. “Às vezes, uma roda de conversa com intencionalidade vai fazer com que a aula renda muito mais”, diz.
Tags
Assuntos Relacionados