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Como ensinar gramática de forma conectada à realidade do aluno

Explore a vivência da turma e os conhecimentos que os estudantes já têm para potencializar as aulas

POR:
Ana Cláudia Santos
É preciso ajudar o aluno a entender a norma-padrão e os contextos nos quais ela é utilizada. Foto: Getty Images

O ensino de linguagem relacionado à gramática afeta significativamente o fazer pedagógico do professor com seus alunos, uma vez que, quando os estudantes chegam à escola, já possuem conhecimentos gramaticais. Dessa forma, as aulas de Língua Portuguesa são para potencializar essa capacidade, além de propiciar recursos para o desenvolvimento das habilidades orais e escritas, em diferentes níveis.

Assim, a escola é espaço para a aprendizagem da norma-padrão. Por isso, professor, mostre aos alunos que é importante dominá-la, já que será exigida em determinadas situações do dia a dia.

Quando falamos em gramática, segundo Luiz Carlos Travaglia, devemos considerar, basicamente, três concepções. A primeira é a normativa, entendida como o conjunto sistêmico que rege o falar e o escrever bem. Vista assim, é uma variedade linguística a ser seguida por todos os falantes da língua.

Já a gramática descritiva enfatiza a descrição da língua oral, as diferentes formas de expressão existentes, quando e por quem os enunciados são produzidos. A gramática implícita, por fim, que não existe em livros, é a que está internalizada em nós.

Leia também: S.O.S. Português – nesta página, você encontra todas as dúvidas sobre Língua Portuguesa enviadas pelos leitores e respondidas pela NOVA ESCOLA.

O trabalho realizado em sala de aula dá ao aluno uma dimensão do resumo gramatical, das funcionalidades da linguagem e, como bem diria o linguista Mário Perini, do conjunto de regras que determina como se pode exprimir as ideias em uma língua, seja pela formação de palavras, a estruturação de frases ou a atribuição de significados a essas estruturas.

Exemplos para trabalhar em sala de aula

Dentro desse universo, o ensino de pronomes costuma ser um entrave, e muitas vezes seu emprego no cotidiano distancia o falar do dia a dia da norma-padrão.

A leitura atenta do texto “Pronomes”, de Luís Fernando Veríssimo, disponível no livro Contos de verão, configura uma provocação para o estudo dos pronomes, seu uso nos diversos contextos e de que forma cumpre a função coesiva. Leia-o com seus alunos e discutam a situação vivida por Carlinhos e Carolina, que divergem sobre o uso padrão das normas.

Nesse estudo, não pode faltar Oswald de Andrade com “Pronominais”, que, do ponto de vista linguístico, apresenta em seus versos uma ruptura entre os padrões da língua literária culta e a busca da identidade brasileira – o que também pode ser percebido nos hits musicais que primam pela melodia e (re)constroem formas pronominais divergentes da norma culta.

Exemplo de como a língua sofre variações com o tempo está na canção Mudando de assunto, de Henrique e Juliano. De forma gradual, de “vossa mercê” chegamos a “vc” no mundo digital. E não paramos por aí, afinal, diz a música: “mudando de assunto, cê tá tão bonita”. No mundo da sofrência, não vamos ouvir “faça-a feliz”. O uso de expressões como “faça ela” ganha cadência nas músicas da dupla.

Escolha canções que estejam na memória de seus alunos, assim, poderão compreender que a gramática está por todo canto e nosso papel é fazer com que reconheçam e saibam usá-la nos diferentes contextos do dia a dia.

Analise um poema com a turma

No poema O verbo flor, de Renato Rocha, que faz parte do álbum Adivinha o que é, o poeta emprega as palavras “pessoas” e “tempos” com dois sentidos: “pessoas” referindo-se às pessoas do discurso, mas também a todos. Propositalmente, brinca com as palavras, e a expressão “tempos” nos remete aos tempos verbais e também faz alusão ao tempo cronológico, à duração das estações.

Por meio das metáforas e dos trocadilhos, podemos explorar o emprego da forma verbal, do tempo e do modo empregado na palavra “flor”: “O verbo flor/ é conjugável/ por quase todas/ as pessoas/ em certos tempos/ definidos/ a saber:/ quase nunca no outono/ no inverno quase não/ quase sempre no verão/ e demais na primavera/ que no coração/ poderá durar/ e ser eterna/ quando o verbo conjugar:/ quando eu flor/ quando tu flores/ quando ele flor/ e você flor/ quando nós/ quando todo o mundo flor”.

Aproveite, professor, para explicar que esse modo verbal é normalmente utilizado para expressar algo que se deseja ou que pode vir a acontecer, e explique a relação existente entre a escolha desse modo verbal e o desejo expresso no poema.

Gramática nos textos cotidianos

Explore a vivência da turma para que os alunos possam perceber, em textos que circulam no cotidiano, como os verbos são empregados. Compare os tempos e modos verbais presentes em notícias e anúncios publicitários. Mostre como revelam o propósito comunicativo para que alcancem o destinatário desejado.

Utilize textos que exemplifiquem a relação entre os verbos e os tipos textuais, como as anedotas, que permitem ao estudante perceber com facilidade o uso dos verbos no pretérito; os manuais, que exploram o imperativo, e o artigo de opinião, que denota fatos no presente.

“‘Os incultos influíram e ainda influem muitíssimo na língua’, disse a Senhora Etimologia. ‘Os incultos formam a grande maioria, e as mudanças que a maioria faz na língua acabam ficando.’

‘Engraçado! Está aí uma coisa que nunca imaginei…’, disse Narizinho.” Este trecho está na obra Emília no País da Gramática, de Monteiro Lobato. Nele, Narizinho e a Senhora Etimologia conversam a respeito da língua. Faça a leitura da obra ou de trechos que possam validar a ideia de que os “incultos” também participam das alterações da língua pelo fato de serem pessoas que falam de determinada maneira essa mesma língua desde que nascem, independentemente do fato de terem a possibilidade de estudar e oportunidades culturais.

Proponha um debate sobre o prestígio da língua e o modo como julgam a variante linguística de pessoas pouco escolarizadas, levando-os a compreender que fala e escrita são atividades igualmente valiosas.

Envolva os alunos no processo de aprendizagem da língua por meio do seu uso, para que percebam os fatores exigidos em cada situação interativa. Afinal, é preciso ensiná-los a ler em diferentes contextos, como já falei em outra oportunidade.

Enfim, seguimos como Drummond, lutando com as palavras: “Lutar com palavras/ é a luta mais vã./ Entanto, lutamos/ mal rompe a manhã./ São muitas, eu pouco”. Mas compreendemos que ensinar gramática também é nosso ofício.

Abraços e até breve!

Ana Cláudia Santos é professora de Língua Portuguesa na Educação Básica da rede estadual de ensino há 20 anos e mestranda em Educação Profissional e Tecnológica. Foi vencedora do Prêmio Educador Nota 10, promovido pela Fundação Victor Civita, nas edições de 2014 e 2018, com os trabalhos O Povo Conta e O (Ser)tão de Cada Um. Recebeu a medalha Ordem do Mérito Educacional (MEC) – Grau de Cavaleiro e o troféu Capitão-Médico João Guimarães Rosa, da Academia de Letras da PMMG.