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Como manter a recomposição de aprendizagens em 2023?

Gestores e especialistas compartilham ideias e ações para atender às diferentes necessidades dos estudantes e garantir que continuem avançando

POR:
Carol Firmino
Mesmo após quase dois anos da retomada total das aulas presenciais, as escola ainda precisam lidar com os impactos do ensino remoto. Foto: Getty Images

Em fevereiro de 2020, o primeiro caso de Covid-19 foi registrado no Brasil. Na época, diante do alto número de infecções, o Ministério da Educação (MEC) suspendeu as aulas presenciais e autorizou o ensino remoto nas instituições de Educação Básica e Superior. O que a princípio pareceu que duraria pouco mais de um mês prolongou-se por quase dois anos.

Um cenário cheio de mudanças não deixou que o processo de aprendizagem atravessasse a pandemia ileso. Um estudo feito em parceria pelo Insper e o Instituto Unibanco estima que, nas aulas em casa, os estudantes aprendem, em média, apenas 17% do conteúdo de Matemática e 38% do de Língua Portuguesa, se comparado às aulas presenciais.

No que diz respeito à alfabetização, uma nota técnica do Todos Pela Educação já indicava que, entre 2019 e 2021, houve um aumento de 66,3% no número de crianças de seis e sete anos de idade que, segundo seus responsáveis, não sabiam ler e escrever. Quando se considera questões como cor e classe social, as diferenças aumentam.

Necessidade de seguir com a recomposição de aprendizagens em 2023

Esses são apenas alguns exemplos dos impactos causados pela pandemia na Educação. Em agosto de 2022, a oitava onda da pesquisa realizada pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), com apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do Itaú Social, demonstrou que, nos mais de 85% dos municípios considerados, escolas e secretarias de Educação estão trabalhando para avaliar as lacunas de aprendizagem. Além disso, elas buscam juntas estratégias que ajudem na recomposição dos saberes essenciais. 

Segundo Angela Luiz Lopes, coordenadora pedagógica na Comunidade Educativa CEDAC, é preciso compreender, porém, que os estudantes são diversos e que nunca foi possível estabelecer um estágio único para as turmas. Ou seja, se mesmo dentro das salas de aula é necessário diferenciar o momento de cada aluno, não é possível qualificar como todas as escolas estariam agora em relação à recomposição. O que existe são alguns desafios comuns, apesar das particularidades. “Ter um ensino comprometido em assegurar aprendizados significativos a todos os estudantes e fazer com que eles continuem avançando é o principal deles”, diz.

Leia mais: Entenda o que é recomposição de aprendizagens

Uma enquete publicada pela NOVA ESCOLA entre os dias 7 e 9 de fevereiro deste ano, respondida por 40.501 pessoas (professores, equipe gestora e profissionais das secretarias de Educação), apontou outras questões a serem superadas. São elas: necessidade de retomar a alfabetização de parte dos alunos (30%), trabalhar com grupos muito heterogêneos (20%), envolver famílias e estudantes (21%) no processo de aprendizagem, lidar com os aspectos emocionais da comunidade (18%) e enfrentar a falta de apoio e formação da gestão escolar (8%).

Estratégias para garantir bons resultados

Na mesma enquete, 75% dos educadores afirmaram que, já em 2022, observaram bons resultados por conta das medidas de recomposição adotadas. Desses, 46% disseram que darão continuidade às ações em 2023. No geral, 15% não viram avanços, mas pretendem reforçar as práticas.

Rosaura Soligo, formadora na área de coordenação pedagógica, mestre e doutora pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explica que o caminho da recomposição começa na definição dos saberes essenciais, passa pela avaliação diagnóstica que vai identificar como os alunos estão em relação a esses saberes e chega ao planejamento estratégico de atividades potentes para desenvolvê-los. Por outro lado, é preciso eliminar da rotina das turmas tudo aquilo que não contribui para isso. “Por exemplo, no caso das crianças, fazer cópias diárias de cabeçalhos longos é algo que toma um tempo que já é pequeno”, alerta. 

Ela defende a formação continuada como uma aliada nesse processo, com projetos que olham para as aprendizagens e identificam as melhores propostas para torná-las mais significativas. “O pensamento seria analisar a situação [dos estudantes] para decidir como proceder e elevar o patamar de conhecimento deles. Não é possível discutir assuntos gerais sem olhar para necessidades imediatas [resultantes dos impactos da pandemia], considera Rosaura. 

Alinhamento com professores e atividades diversificadas

Em Volta Redonda (RJ), na EM Walmir de Freitas Monteiro, o gestor Luis Felipe da Silva Nóbrega conta que o diálogo com os professores tem sido essencial para reforçar que a escola ainda vive um período de defasagem e de retomada de habilidade que os estudantes ainda precisam desenvolver.

Agora em 2023, a escola tem aplicado aulas de reforço aos sábados e investido em projetos transdisciplinares. “É nesse momento que tentamos abordar questões diversas do cotidiano, temas que são transversais, [discussões que vão] em busca de recuperar algo além das aprendizagens curriculares e que envolvem também relacionamentos interpessoais. Identificamos falas e comportamentos preconceituosos que se acentuaram [com a pandemia] e não tinham sido mapeados anteriormente”, diz o gestor.

Já na EE Pompílio Guimarães, em Leopoldina (MG), o gestor João Paulo Pereira de Araújo explica que algumas estratégias do último ano, como as aulas no contraturno, foram mantidas. Na sala de aula, por sua vez, considerando os diversos tempos de aprendizagem, estão sendo utilizados os métodos de agrupamento e de atividades diferenciadas para cada aluno. “O déficit nos Anos Iniciais do Fundamental ainda é gritante, enquanto nos Anos Finais e no Ensino Médio conseguimos avançar em níveis mais altos do que tínhamos antes mesmo da pandemia.”

O papel da gestão na recomposição de aprendizagens

Nesse processo, a equipe gestora, que pode envolver diretor, coordenador e outros professores, precisa encontrar as melhores soluções e propostas para garantir a aprendizagem dos alunos atendendo às suas diferentes necessidades. “As secretarias têm orientações gerais, mas cabe à escola olhar para a sua realidade e ver o que ajustar para o seu contexto”, comenta Rosaura Soligo.

No cenário da recomposição, outras ações específicas também devem ser adotadas pela gestão. Angela Luiz Lopes, da CEDAC, salienta que esse profissional é responsável por assegurar um clima que resgate nos estudantes o sentido de estar na escola. Ela reforça que outro ponto importante é manter espaços de formação dos professores com foco na reflexão sobre o trabalho em sala de aula, buscando inovações didáticas alinhadas às prioridades curriculares. 

Angela considera que a organização de fluxos também faz parte das demandas do gestor. “Os fluxos internos – com o coordenador, os professores, os estudantes e seus responsáveis – para acompanhamento da progressão das aprendizagens e intervenções necessárias a esse processo”, destaca. “E os externos, com agentes que contribuam para a garantia do direito a Educação, Saúde e assistência social e para o fortalecimento da rede de proteção, visando o desenvolvimento integral preconizado nos currículos de referência”, completa. 

Aprendizados para o presente e o futuro

É consenso que a pandemia não apenas revelou déficits de aprendizagem na Educação Básica como reforçou as diferenças de raça, classe social e gênero nesse contexto. No entanto, os momentos mais críticos também apresentaram novas perspectivas para educadores, desafiando-os a conhecer formas alternativas de ensino.

De acordo com Luis Felipe, neste ano a escola está trazendo para o cotidiano algumas tecnologias utilizadas durante a pandemia. Ele conta que, para contribuir com a organização do trabalho pedagógico, vão adotar o Google Classroom, que é um sistema de gerenciamento de conteúdos para simplificar a criação, a distribuição e a avaliação de trabalhos. 

Para além dessa ação mais técnica, Luis comenta que algumas pautas sociais que afligem os alunos, que em um primeiro momento foram colocadas em segundo plano, devido ao período pandêmico e ao ínicio do processo de recomposição de aprendizagens, depois se evidenciaram importantes, estimulando um olhar mais cuidadoso das instituições de ensino. “Questões sobre corpo, sexualidade, gênero e deficiência estão impactando a aprendizagem de bons estudantes. Queremos explorar isso e que eles tenham consciência sobre o seu lugar na sociedade”, afirma. 

João Paulo também se preocupa com os impactos dos meses em casa no emocional dessas crianças, que estão se tornando adolescentes. “As dores e angústias são mais difíceis de curar [mesmo em uma escola mais engajada]”, diz. Por outro lado, ele conclui que os professores têm estudado cada vez mais para dar conta das exigências dos currículos diante da recomposição, o que o deixa otimista em relação aos resultados acadêmicos futuros.

Boas práticas de recomposição que devem continuar em 2023

Angela Luiz Lopes, coordenadora pedagógica na Comunidade Educativa CEDAC, aponta algumas ações:

1. Compreender a aprendizagem dos estudantes em uma perspectiva integradora e interdisciplinar
2. Ter momentos de diálogo e colaboração entre os pares
3. Conservar um clima favorável para as aprendizagens, com respeito à diversidade e cooperação entre todos os atores
4. Adotar novas propostas de organização de espaços e tempos, de modo que sejam mais dialógicos e participativos
5. Ter momentos regulares de formação de professores