Inclusão nas escolas: como as leis asseguram a educação para todos
Entenda as principais legislações e confira as respostas para as dúvidas mais frequentes sobre os direitos à Educação Inclusiva
POR: Patrícia GiuffridaA Educação Inclusiva é um direito garantido pela legislação brasileira. Ela representa um conjunto de processos político-pedagógicos que assegura o direito à aprendizagem de todos, com o comprometimento das comunidades escolares.
“Essa concepção pressupõe um modelo educacional que atenda às diversidades intelectuais, físicas, sensoriais, raciais, sociais, de gênero, entre outras. Nesse sentido, implica a transformação das escolas que ainda seguem métodos de ensino padronizados”, explica Deigles Giacomelli Amaro, especialista em gestão educacional no Instituto Rodrigo Mendes (IRM).
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O ideal é que os alunos com necessidades educacionais especiais tenham acesso às escolas regulares, que devem acomodar todas as crianças, independentemente de suas condições. Segundo a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, esse é um dos meios mais eficazes de promover a inclusão.
A especialista Deigles complementa: "A escola inclusiva amplia a percepção dos estudantes e de toda a comunidade escolar sobre a importância da valorização das diferenças e da pluralidade dos modos de estar e agir no mundo. Ela estimula o trabalho coletivo e contribui para uma cultura mais participativa, democrática e inclusiva".
Apesar disso, será que as escolas estão adaptadas às exigências da lei?
Panorama da Educação Inclusiva no Brasil
Nas últimas décadas, houve um grande avanço na Educação Inclusiva no Brasil. O número de matrículas na educação especial (modalidade que reúne estudantes com deficiências, do espectro do autismo, com altas habilidades e superdotação) chegou a 1,8 milhão, representando 3,7% das matrículas da Educação Básica, segundo o Censo Escolar de 2023.
Há 15 anos, essa proporção era significativamente menor: apenas 1,2%, totalizando aproximadamente 640 mil matrículas.
O Censo 2023 mostrou também a porcentagem de estudantes da educação especial que estão em salas comuns (em que todos estudam juntos) ou em salas especiais (segregados dos demais). Em 2009, 60,5% estavam em classes comuns. Em 2023, esse número alcançou 91,3%. Em 15 anos, houve um aumento de 30,8%, o que representa um avanço significativo rumo à inclusão escolar. No entanto, ainda há 154 mil crianças e jovens em classes especiais ou em escolas especializadas.
“Os dados do Censo 2023 evidenciam que, embora os avanços sejam notáveis, o desafio de alcançar 100% de inclusão é considerável. A transformação necessária para incluir todos os estudantes exige repensar o papel das escolas, que precisam investir na diversificação das estratégias pedagógicas e na incorporação de princípios de acessibilidade por meio de um trabalho multidisciplinar e colaborativo”, afirma Deigles.
O que diz a legislação sobre inclusão?
A Educação Inclusiva é um conceito construído ao longo de décadas de legislação no Brasil, ganhando força, especialmente, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu os princípios de igualdade e não discriminação, além de trazer a previsão do atendimento educacional especializado para pessoas com deficiência.
A seguir, elencamos as principais as leis, segundo Vinicius Fidelis, diretor jurídico do Instituto Vidas Negras com Deficiência Importam (VNDI) e membro do escritório SBSA Advogados.
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) - Lei nº 9.394/1996
Orienta o sistema educacional brasileiro, incluindo diretrizes para a educação especial e inclusiva, estabelecendo a educação especial como modalidade transversal a todos os níveis de ensino.
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - Lei nº 8.069/1990
Protege os direitos das crianças e dos adolescentes, garantindo acesso à educação de qualidade e inclusiva. Reforça a importância de condições adequadas para que os estudantes com deficiência frequentem a escola e recebam o apoio necessário, fortalecendo a inclusão desde os primeiros anos de vida escolar.
Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) - Lei nº 13.146/2015
Detalha os direitos das pessoas com deficiência, incluindo a acessibilidade e a adaptação razoável. Conta com um capítulo exclusivo sobre o direito de pessoas com deficiência à educação. Obriga as escolas a não cobrarem por recursos de acessibilidade e proíbe a negativa de matrícula ou o seu encerramento em razão da deficiência.
Outras diretrizes em prol da inclusão educacional
Uma das mais importantes diretrizes é a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI - 2008), que orienta a inclusão escolar de estudantes com necessidades educacionais especiais. Foi um grande marco para a ampliação da oferta da Educação Inclusiva na rede regular.
Outra diretriz é o Plano Nacional de Educação (PNE, 2014-2024), que estabelece metas para a inclusão educacional, como o aumento da matrícula de alunos com deficiência em classes comuns e a formação de professores para atender às necessidades inclusivas, garantindo o acesso e a permanência dos alunos com deficiência no ensino regular.
Há também a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006), ratificada pelo Brasil com status de emenda constitucional. “São considerados os princípios como a igualdade, a não discriminação, a dignidade da pessoa humana, a acessibilidade e as adaptações razoáveis, a vedação à discriminação em razão de deficiência, entre outros”, esclarece Fidelis.
8 perguntas e respostas sobre Educação Inclusiva
A legislação sobre Educação Inclusiva é bastante complexa e pode gerar muitas dúvidas para toda a comunidade escolar. Elencamos as oito mais comuns, respondidas por especialistas. Confira:
1. A legislação prevê a obrigação das escolas em ter adaptações físicas para pessoas com deficiência?
Sim. De acordo com o advogado Vinícius Fidelis, as escolas devem garantir acessibilidade física, com espaços que acomodem pessoas com deficiência com segurança. Por isso, é importante que tenham infraestrutura acessível como rampas, elevadores e banheiros adaptados.
Mas essa não é a realidade da maioria das escolas brasileiras. Segundo o Censo 2023, uma em cada quatro escolas não possuía nenhum recurso de acessibilidade no Brasil. Dentre as instituições de ensino que possuíam algum recurso, os mais presentes eram as rampas (54,7%).
2. Quais recursos a escola deve disponibilizar para alunos e professores?
A legislação prevê a obrigatoriedade das instituições de ensino em ofertar recursos pedagógicos acessíveis, como livros em Braille ou tradução em Libras, por exemplo. Mas muitas instituições ainda não contam com essas ferramentas.
Professor d eLíngua Portuguesa da Escola Municipal Cônego Costa Carvalho e integrante do núcleo de Paulista (PE) da rede Conectando Saberes, a comunidade de professores da NOVA ESCOLA, Glaucio Ramos Gomes, relata os desafios que enfrenta. “Tenho deficiência auditiva. Perdi 90% da audição de um dos ouvidos, mas isso não me impede de lecionar. Desenvolvo um projeto de leitura para pessoas cegas e sempre preciso traduzir as produções dos alunos para o Braille. Faz anos que a professora, tradutora de Braille, pede uma máquina e não consegue. Ela tem que fazer a tradução manualmente. Isso é desrespeitoso”.
3. O que é o Atendimento Educacional Especializado (AEE)?
O AEE foi instituído em 2008 pela PNEEPEI. É um serviço de apoio à sala de aula comum, para que se ofereça meios e modos que efetive o real aprendizado dos alunos com deficiência (impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial), com Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) e com altas habilidades/superdotação.
Segundo a lei, a escola deve oferecer serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem barreiras para o desenvolvimento da aprendizagem desses estudantes. “Também prevê a oferta de profissionais de apoio escolar, que auxiliam os alunos com deficiência a realizar atividades como alimentação, higiene e locomoção. É um serviço que complementa ou suplementa o processo de escolarização”, detalha Fidelis.
Mas esse tem sido um grande desafio para muitas escolas. “Acho que um dos mais graves descumprimentos da lei acontece, diariamente, quando os alunos com deficiência não têm um monitor para acompanhá-los. Na escola onde trabalho, temos uma demanda de 50 alunos de SIR (Sala de Integração e Recurso) e, no momento, há apenas duas monitoras para atendimento e acompanhamento das crianças”, relata Sheila Pedroso, professora de inclusão da EMEF Ver. Martim Aranha e integrante do núcleo de Porto Alegre (RS) da rede Conectando Saberes.
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4. Como a legislação brasileira lida com casos de bullying contra alunos com deficiência?
Há duas leis principais que contemplam casos de bullying. Uma delas é a Lei nº 13.185/2015, que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying). Ela define como bullying qualquer prática de violência física ou psicológica que cause danos, e inclui os casos em que o motivo dessa violência é algum tipo de deficiência ou transtorno.
A outra é a Lei Brasileira de Inclusão, que prevê penalidades para discriminação e atos de violência contra pessoas com deficiência, incluindo atos que limitem ou impeçam o aluno ao acesso à educação.
“De acordo com as duas leis, as escolas são obrigadas a assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnóstico e combate ao bullying”, alerta Fidelis.
5. O que fazer se uma escola se recusar a matricular uma criança com deficiência?
A escola não pode se recusar a aceitar alunos com deficiência. O direito de frequentar o ambiente escolar e participar plenamente de todos os aspectos da vida escolar é assegurado em lei. A legislação determina que o acesso de estudantes com deficiência à educação não pode mais ser negado, tanto na rede pública quanto na privada.
“Caso aconteça a recusa, a família deve procurar as secretarias de educação ou as diretorias de ensino, relatando o problema. Também é possível contatar órgãos, como o Ministério Público, a Defensoria Pública ou o Conselho Tutelar para que esses enderecem as questões junto ao estabelecimento de ensino”, aconselha o advogado Vinícius Fidelis.
6. Como as famílias podem garantir que os direitos de seus filhos sejam respeitados?
“É importante que as famílias conheçam a legislação, informando-se sobre os direitos previstos por lei. A participação ativa nas atividades escolares e conselhos de classe é essencial, assim como manter um diálogo com a escola, estabelecendo comunicação aberta com professores e direção”, sugere Fidelis.
7. Como deve ser a formação de professores para atender alunos com deficiência?
De acordo com a legislação, professores devem receber a formação necessária para lidar com as necessidades específicas dos alunos com deficiência. Mas esse processo continua muito lento. “Em 2012, apenas 4,2% dos professores regentes da Educação Básica possuíam formação continuada específica de 80 horas - e certificada pelo MEC - em Educação Especial. Em 2023, esse número subiu para 6,1%. O pequeno aumento significa que, se continuarmos nesse ritmo de avanço, demoraremos mais de 540 anos para formar todos os professores do país”, prevê a especialista Deigles.
Mas há bons exemplos nessa área. “Na rede municipal de Amparo (SP) onde trabalho, temos o Programa de Educação Inclusiva, que coordena as ações formativas da rede, com os temas de acessibilidade e inclusão”, relata a professora Eliane Ramos, fonoaudióloga na Casa Pacchamama, assessora da rede municipal de Amparo (SP) e pesquisadora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Universidade Estadual de Campinas (NEPP/UNICAMP).
8. Como a legislação prevê os direitos dos docentes e de outras pessoas da comunidade escolar com deficiência?
De acordo com o advogado Vinícius Fidelis, a legislação brasileira assegura o direito ao trabalho em condições de igualdade para pessoas com deficiência, incluindo docentes e todos os profissionais da área de educação. A legislação determina que empregadores forneçam recursos de acessibilidade e adaptações razoáveis no ambiente de trabalho, incluindo adequações físicas, tecnológicas e organizacionais, para que todos com deficiência possam exercer suas funções plenamente.
Lara Souto Santana, professora na rede municipal de São Paulo e consultora de audiodescrição e acessibilidade, diz que é preciso ir além e que, não só alunos e professores, mas todas as pessoas com deficiência que fazem parte da comunidade escolar também devem ser contempladas com a inclusão. “Pais ou mães que tenham deficiência, funcionários da escola, diretores, coordenadores, todos devem ter acesso aos recursos de acessibilidade”.
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