Geometria das transformações
Como trabalhar os conceitos de reflexão, translação, rotação (congruência) e homotetia (semelhança)
POR: Beatriz SantomauroNas últimas seis edições, as reportagens da série Temas Desafiadores explicaram como ensinar conteúdos de Matemática que fazem parte do currículo dos anos finais do Ensino Fundamental e são considerados complexos pelos estudantes e por muitos professores.
Com a afirmação "as propriedades das figuras planas e o cálculo de área e de perímetro são insuficientes para sustentar o estudo da geometria", Humberto Luis de Jesus, assessor técnico da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, ajudou NOVA ESCOLA a eleger o tema da última reportagem da série: geometria das transformações e os conceitos de reflexão, translação e rotação (congruência) e homotetia (semelhança).
Trata-se de um assunto que colabora com o desenvolvimento da percepção espacial da turma, assim como com a capacidade de elaboração de uma linguagem própria da área e a aprendizagem das formas de fazer a representação gráfica de imagens. E mais: ter uma base consistente a esse respeito ajuda a dominar outros saberes explorados mais adiante no Ensino Médio, como coordenadas no plano cartesiano e funções.
As maiores dificuldades encontradas pela turma na compreensão desses conteúdos são em relação a como lidar com os conceitos na resolução de problemas indo além das simples definições.
É claro que elas são importantes e colaboram com o entendimento do tema, mas o ideal é saber como usá-las como uma ferramenta para resolver as questões, em vez de somente aplicá-las como respostas prontas (leia na última página dois problemas e alguns possíveis equívocos cometidos pelos estudantes).
Humberto lembra também que o tema é rico para fazer conexões entre a Matemática, as artes e a engenharia e que o seu aprendizado pode ocorrer por meio de inúmeras aplicações. Para trabalhar o tema em sala, porém, não basta fazer conexões com contextos cotidianos ou pedir que a turma encontre as transformações geométricas nos objetos. O conhecimento não é intuitivo.
Geometria: congurência e semelhança têm a ver com posição e tamanho
Duas imagens congruentes são aquelas que, quando sobrepostas, é possível verificar a correspondência entre as medidas de lados e ângulos e a manutenção da forma e do tamanho. A diferença se dá apenas em relação à posição. Imagens congruentes fazem parte de uma rede chamada transformações isométricas (ou simetrias), que por sua vez é dividida em três naturezas:
Reflexão (ou simetria axial)
De uma maneira simplificada, trata-se do espelhamento de uma figura. Mas não basta a turma saber isso. É preciso compreender que o eixo de simetria pode determinar como se dá a reflexão, divide um plano em dois e separa uma imagem original de seu reflexo, conservando a forma, o ângulo e o tamanho - deixando uma invertida em relação à outra.
As figuras refletidas têm um ponto correspondente a outro em cada lado do eixo e mantêm a mesma distância em relação ao eixo de simetria. Observe o exemplo a seguir:
Para construir uma imagem refletida tendo uma figura e seu eixo, é possível dobrar a folha em que ela está desenhada sobre o eixo de simetria do desenho e copiá-la no lado oposto.
Outra maneira que mobiliza outros saberes geométricos é traçar uma reta perpendicular ao eixo, passando pelos pontos da imagem original, e marcar, no lado oposto, sua posição, mantendo a mesma distância do segmento. É preciso eleger pontos que servirão de referência para o desenho da figura transformada (leia a sequência didática).
Rotação
Nessa transformação, parece que a imagem está desenhada em outra posição, fazendo um giro em relação à original. Mas a ideia está incompleta. Não contempla o que determina o posicionamento da figura, o centro da rotação. Veja a imagem abaixo:
Para obedecer a proposta de rotacionar uma figura a 90° no sentido horário, o centro deve ser o ponto de partida para medir o ângulo determinado - e assim a imagem inteira é transportada para outro local, ocupando uma posição diferente.
Dessa forma, são encontrados os pontos correspondentes aos originais e mantidas as mesmas medidas entre o centro e a nova figura. Essa transformação mostra como resultado imagens congruentes, com os ângulos e os lados correspondentes medindo o mesmo valor e partindo de um mesmo centro.
Translação
À primeira vista, parece só se tratar da mesma figura copiada ao lado da original. Porém existem alguns detalhes que fazem essa transformação ser mais que isso. Observe a imagem:
Trata-se de repetição, porém a mesma figura tem de ser repetida uma ou mais vezes em intervalos regulares, como se estivesse deslizando a certa distância, em uma mesma direção.
Para aplicar o conceito, é necessário saber as medidas dos segmentos e dos ângulos do original e traçá-los de forma idêntica, conservando a forma e o tamanho. A nova imagem terá como diferença a posição, podendo estar mais à esquerda ou à direita, para baixo ou para cima ou inclinada da original.
Se nos casos anteriores, as imagens se mantinham congruentes, quando o assunto é semelhança, embora a forma, o ângulo e a posição sejam preservados, o tamanho é alterado.
Essas possibilidades são as homotetias, subdivididas em ampliação e redução. Em ambos os casos, o que marca a mudança é a proporcionalidade, ou seja, se um quadrado com 1,5 centímetro de lado tiver seu comprimento de lado dobrado (razão 1:2), os lados da nova imagem têm de ter 3 centímetros de lado. Observe o exemplo abaixo:
Discutir diferentes situações e sistematizar os conceitos
Numa atividade em que os alunos devem fazer duas reflexões em retas paralelas, uma possibilidade para enriquecer o exercício é solicitar que analisem o que a figura final representa (uma translação do primeiro desenho). Assim, você possibilita a relação de congruência com reflexão e translação.
"A composição de várias transformações pode criar padrões geométricos interessantes de serem analisados e construídos", diz Marcio Antonio da Silva, docente da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
Os problemas também devem incluir a construção de outras figuras e ainda a manipulação de objetos. Outra proposta é usar os trabalhos do artista holandês Maurits Escher (no quadro abaixo, saiba como analisar as obras de Escher com a turma).
É essencial ainda saber que é preciso manter o original como um padrão rígido. "Régua, transferidor, esquadro e compasso devem ser usados tanto pelo professor, no quadro, como pela turma", diz Andréia Brito, professora da EEEFM Carlos Drumond de Andrade, em Presidente Médici, a 412 quilômetros de Porto Velho.
O contato com a variedade de propostas vai colaborar para que, no momento da sistematização dos conceitos, os jovens tenham uma bagagem ampla e saibam enfrentar os obstáculos que surgirem. É assim que eles vão assimilar conteúdos, abstrair imagens e refletir a respeito das características conceituais.
O trabalho com transformações geométricas de Escher
O artista holandês Maurits Escher (1898-1972) construía gravuras utilizando conceitos da geometria da transformação. As imagens abaixo mostram uma de suas obras e um esquema feito por Andrew Kepert, professor de Matemática da Universidade de Newcastle, na Austrália, que simplifica a relação entre os quadros queda d'água desenhada.
Na figura à esquerda, a técnica de pintura deixa evidente o efeito de tridimensionalidade, passando a ideia de que a água sobe pelas canaletas, faz curvas e cai como uma cachoeira. Na imagem à direita, é mais fácil analisar o que Escher fez para conseguir passar a ideia movimento: as imagens se repetem e cada segmento sofre uma rotação a 90°.
Enunciados, respostas equivocadas e análises
Nos problemas abaixo, foram explorados os conceitos de reflexão e translação. Veja alguns equívocos que os alunos podem cometer e por quê.
Um pintor precisa registrar a palavra AMBULÂNCIA na frente de um veículo. De que maneira ele deve escrever para que, no trânsito, o motorista do carro da frente consiga ler o texto corretamente pelo retrovisor?
Comentário O aluno acertou ao inverter as letras da figura, colocar a nova palavra na mesma distância da original e manter o tamanho da figura. Porém refletiu as letras uma a uma, sem considerar que todas juntas é que formam a imagem que precisa ser compreendida ao ser refletida no retrovisor. O correto é
Observe o desenho abaixo, o piso de uma casa. Responda: existe simetria? Justifique sua resposta.
Não, porque as estampas não estão invertidas.
Comentário
O aluno confundiu reflexão com translação. Ele deveria ter identificado o padrão de repetição. Há imagens se repetindo na diagonal, segundo um segmento orientado da mesma medida, e na direção horizontal, também de acordo com um segmento orientado da mesma medida. Ou seja, existe simetria.
Dica da especialista
"Existem softwares de Geometria, como Geogebra e Cabri, que oferecem diversas possibilidades para você e a moçada desenharem imagens e realizarem transformações - o Cabri é alvo de investigação didática na França por especialistas como Michelle Artigue e Teresa Assude. Ambos são ótimas ferramentas porque a turma ganha a rapidez para construir e manipular as figuras, já que o trabalho é feito pelo computador. Assim, sobra mais tempo para fazer as análises."
Daniela Mazoco, integrante do projeto Metodologias Alternativas para o Ensino da Matemática: Informática e Jogos
Quer saber mais?
CONTATOS
Daniela Mazoco
Marcio Antonio da Silva
INTERNET
Download grátis do software GeoGebra.
Download do software Cabri (em espanhol ou inglês)
Tese de mestrado de Setsuko Mabuchi sobre transformações geométricas e o Ensino Fundamental
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