Como e por que conhecer os indígenas
Pesquisas, debates, produções de texto e uma saída de campo puseram fim aos estereóptipos
POR: Beatriz SantomauroA professora Cristiele Terhorst registrou as diversas etapas do estudo sobre índios:
Índios são selvagens e vivem na floresta. Caçam e pescam para comer, andam sem roupa e não trabalham. Esse foi o conteúdo da maior parte dos textos dos alunos do 5º ano do Colégio Sinodal, em Ibirubá, a 300 quilômetros de Porto Alegre. A tarefa, feita a pedido de Cristiele Terhorst, consistia em escrever o que encontrariam se visitassem uma aldeia. De posse do material, a docente avaliou o que a turma sabia sobre o tema e então traçou estratégias para abordá-lo. "Os estudantes tinham uma imagem estereotipada dos indígenas. As palavras que usavam para descrevê-los eram as mesmas dos dominadores europeus, por exemplo", ela conta.
O desafio era discutir a história desses povos que habitam o país desde muito antes do descobrimento (inclusive a região de Ibirubá), pesquisar a vida deles e algumas características que permanecem até hoje e as alteradas. O trabalho também tinha como objetivo fazer com que os alunos passassem a conhecer mais e respeitar o que até o momento parecia tão diferente e distante (além de estranho, já que Ibirubá tem forte influência da colonização alemã).
Para organizar a sequência didática, Cristiele estudou bastante. Na época, a professora polivalente era mestranda em História pela Universidade Federal de Passo Fundo (UPF) e aproveitou o que aprendia para trabalhar com a criançada.
Imagens que reforçam estereótipos
O livro O Povo do Pampa (Luíz Carlos Tau Golin, Ed. UPF, tel. 54/3316-8373, edição esgotada) não é para crianças. Ainda assim, a professora usou o material porque ele contém informações confiáveis e resultados de pesquisas sobre os habitantes do Rio Grande do Sul. Para ajudar a classe a compreender o conteúdo, propôs uma leitura coletiva e discussões parágrafo por parágrafo.
Reproduções de obras de arte, mapas e ilustrações também foram motivo de conversa. Observando pinturas, algumas do francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848), a turma questionou: "Por que o índio tem cara de bravo?", "Será que o artista estava no meio de uma luta e pintou porque ficou com medo?". Além de informar sobre alguns hábitos deles na época, a educadora aproveitou para falar dos artistas estrangeiros que, nos séculos seguintes ao descobrimento do Brasil, eram encarregados de registrá-los.
Analisar as ilustrações, segundo Leonardo Palhares, historiador e professor do Colégio Padre Eustáquio, em Belo Horizonte, é essencial para compor aulas da disciplina. Para ele, a boa análise inclui a discussão sobre o que é mostrado, quem é o autor, a data da produção, por qual motivo e como cores, cenário e espaço são apresentados. Durante o mestrado, ele pesquisou imagens de povos indígenas em livros didáticos. "Há alguns anos, a figura do índio como selvagem era dominante. Hoje, é a do protetor da floresta. É interessante notar a mudança de olhar, embora as representações continuem estereotipadas."
Na etapa seguinte, Cristiele dividiu a classe em grupos e cada um ficou responsável por estudar uma etnia - caingangue, guarani e tupiniquim (os dois primeiros estão presentes no Rio Grande do Sul) - e depois organizar apresentações orais. A professora distribuiu textos com informações de cada um dos povos e pediu que os alunos anotassem o que chamava a atenção, como lendas, arte, rituais, além de dados sobre o modo de vida e onde as aldeias se localizam atualmente. Aos estudantes também foi dada a tarefa de pesquisar mais na biblioteca da escola.
Para Araci Coelho, historiadora e docente do Centro Pedagógico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), abordar as diferenças entre os povos indígenas é essencial para dar conta da pluralidade. "Não faz sentido falar do índio brasileiro como se fosse um só. O adequado é tratar dos índios, no plural. Eles eram e continuam sendo grupos muito diferentes entre si", explica.
Em outra aula, Cristiele exibiu o filme Duas Aldeias, uma Caminhada (Ariel Ortega, Jorge Morinico e Germano Benites, Projeto Vídeo nas Aldeias, 63 min, tel. 81/3493-3063). As crianças puderam conhecer a história de índios que moram próximos a cidades, produzem e vendem artesanato e mantêm algumas características da antiga cultura. "Elas ficaram surpresas ao ver uma história com os próprios moradores das aldeias, em vez de atores fazendo o papel de indígenas", diz. No momento do vídeo, ainda se falou sobre a relação com a terra. Cristiele explica que a classe estava acostumada a ver os campos da região sendo ocupados pelos cultivos de soja e milho, mas não compreendia como os índios tiravam proveito das matas. No filme, os entrevistados falam dos animais, das plantas e da importância da biodiversidade. Contam que a reserva indígena onde vivem não é tão vasta para que a coleta e a caça deem conta da alimentação de todos e a área de plantação é pequena, apenas para a subsistência. Novas opiniões estavam se formando!
Um encontro especial
A presença de índios caingangues na praça central de Ibirubá para vender artesanato fez com que Cristiele incrementasse a sequência didática. Uma ótima oportunidade de a turma ter um contato cara a cara com os povos que estavam estudando e que são moradores de uma reserva indígena a cerca de 200 quilômetros de distância.
Os estudantes se prepararam para entrevistar os caingangues. "Por que vêm de tão longe para vender artesanato?", "Vocês mudam de cidade todos os dias e ficam distante de suas casas?". Os índios explicaram que vendem artesanato para ter dinheiro e comprar comida, já que não existe muita mata para eles tirarem o alimento necessário, confirmando o que havia sido visto no vídeo. Sobre a questão da moradia, disseram que não se fixam em um só lugar porque precisam circular para vender o artesanato e garantir o sustento. De volta à escola, as crianças produziram relatos individuais com base nas notas tomadas.
Mais que uma vivência bacana para a classe, a oportunidade de encontrar os indígenas pessoalmente foi importante para confrontar e confirmar as informações estudadas. "Eles também refletiram sobre as transformações que ocorrem com o tempo. Os índios não podem ser vistos como algo folclórico ou peça de museu. São povos que têm sua cultura e ela é dinâmica, tal como a nossa", diz Araci.
Depois de muita pesquisa e do encontro, os grupos responsáveis por cada etnia fizeram preparativos para as apresentações. Cartazes e fotos foram exibidos e muito se falou sobre os caingangues, guaranis e tupiniquins. Outras classes foram convidadas a assistir. "Também expusemos objetos usados por eles e o artesanato indígena", conta a educadora. Nessa etapa, ela constatou que tinha alcançado seus objetivos: mais uma vez, as falas das crianças deixavam claro que elas tinham aprendido sobre índios de ontem e de hoje, sem pensamentos preconceituosos.
1 Índios: o que já sabemos? Peça que os alunos escrevam textos individuais sobre como imaginam ser a vida em uma aldeia. Analise as produções: o que eles entendem do tema? Têm uma visão estereotipada?
2 Todos pesquisam Selecione documentos, entrevistas, livros, filmes e imagens para apresentar à classe. Inclua material sobre os índios que moram nas redondezas e oriente os alunos a estudá-lo.
3 Índios: o que aprendemos Divida a turma em grupos. Cada um deve se aprofundar em uma etnia previamente escolhida e fazer uma apresentação para os colegas. Se possível, ponha as crianças em contato com os índios da região para que possam aprofundar o que pesquisaram e recolher mais dados.
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